Saudações.
“Especialista em tudo”: era o que, a certa altura da pré-adolescência, eu queria ser quando crescesse. Não sei ao certo o porquê de ter mudado de ideia em relação à aspiração anterior - eu pretendia ser motorista de caminhão de lixo. Mas o fato é que o ideal do polímata me acompanhou por muitos anos.
Ao longo do tempo dediquei meu interesse a diversos temas sobre os quais acabei adquirindo bases bastante razoáveis. Mas, por algum motivo, não conseguia atingir os meus próprios critérios de excelência em qualquer das empreitadas. Enfrentei muita frustração por conta disso.
O tempo é o melhor professor. E foi com ele - somente ele, pois a arrogância juvenil me impedia de dar ouvidos a qualquer outro tutor que porventura tentasse transmitir a mesma mensagem - que aprendi, enfim, que a minha frustração era fruto de um objetivo irrazoável. Quando me dei conta de que a ideia de ser "especialista em tudo" era em si mesma contraditória, enfim compreendi.
Parece óbvio, não?
Porém, um dos erros mais comuns dos pequenos investidores é, justamente, perseguir a mesma ilusão que me acompanhou na primeira fase da vida: o sujeito quer fazer de tudo e, obviamente, ser bom (aqui entendido por ganhar dinheiro) em tudo.
A história é sempre a mesma. Você pergunta qual estratégia o cara emprega e ele diz que faz "de tudo um pouco" e começa a listar:
- As 46 ações (um lote de cada) que carrega numa carteira "para o longo prazo": uma parte é de trades que ele não quis realizar a perda e a outra parte é um mix de recomendações que, juntas, compõem um verdadeiro samba do crioulo doido;
- Oito setups de análise técnica que emprega para operações de diferentes prazos;
- Dezesseis estratégias com opções que vão de Alpha a Ômega...
Não há coerência interna nenhuma. É um perfil assustadoramente comum. É o sujeito que, inevitavelmente, pedirá ajuda porque "está meio perdido" com a sua carteira.
Veja bem: eu já fui radical a ponto de advogar que somente a estratégia A, B ou C funciona e o resto é bobagem. Muito embora eu continue tendo, cá comigo, minhas convicções sobre quais maneiras de investir produzem os melhores resultados, sou obrigado a reconhecer que isso depende muito do perfil do sujeito. Talvez o fato de eu ser melhor em A do que em B diga mais sobre mim do que sobre A ou B.
Em tese, você pode ganhar dinheiro fazendo trading de curto prazo. Você pode ganhar dinheiro com análise fundamentalista, micro ou macro. Você pode ser um “ás” dos derivativos ou um mago da renda fixa. Mas se você tentar ser especialista em tudo, muito provavelmente vai se estrepar.
Cada maneira de olhar o mercado exige aptidões diferentes, personalidades distintas e cobra tempo e dedicação para ser dominada. Se, por um lado, já vi casos de sucesso em cada uma das especialidades que listei acima, por outro, jamais soube de alguém que tenha prosperado em todas elas ao mesmo tempo.
Descubra quem você é. Encontre o tipo de estratégia na qual você está disposto a investir tempo e energia para efetivamente dominar e foque nisso. A depender do caso, recorra a fundos para complementar seu portfólio com investimentos em outros ativos ou empregando outras estratégias. Mas não tente, em absoluto, fazer tudo ao mesmo tempo e por conta própria.
A não ser que você também ache razoável querer ser Da Vinci... aí a minha melhor sugestão é fazer terapia.
***
Para não dizer que não falei de flores, duas considerações sobre o momento de mercado atual:
1. Maia Presidente? Múltiplos sinais ao longo da última semana sugerem a deterioração da situação de Temer diante da denúncia apresentada pela PGR - lembrando que Janot ainda tem mais duas para protocolar. A Faria Lima já comprou a ideia de que, em um cada vez mais factível cenário de afastamento do presidente, seu substituto manterá a equipe econômica e encontrará condições de governabilidade para avançar com a agenda de reformas.
Resta saber: se um governo interino (situação que se instalaria no afastamento de Temer, exceto se este renunciasse) encontraria de fato condições para pautar questões necessárias, porém impopulares. E quando as atenções vão se voltar para o cenário eleitoral de 2018 - que, a essa altura, não é lá muito promissor.
É prevista para hoje nova reunião da cúpula do PSDB para decidir se o partido permanece ou não no governo. Desnecessário dizer que isso faz diferença.
Há algumas semanas eu comentei que havia montado a maior posição de minha vida em câmbio. Continuo achando uma boa ideia - principalmente para quem tem exposição a juros longos.
2. IPOs: é no mínimo curioso que, em meio a um cenário macro desafiador (que deve se traduzir em balanços que não refletem os melhores números possíveis em tempos recentes) e um ambiente político turbulento, algumas bravas companhias estejam dispostas a se aventurar em ofertas de ações no Brasil. Você sempre deve avaliar as oportunidades, mas inevitável questionar do porquê da insistência em vender em momento tão inoportuno.
Desconfie.
E cuide-se: tem uma guerra lá fora.
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