Na última quarta-feira, 15 de abril de 2015, a agência de classificação de risco Standard & Poor´s (S&P) rebaixou a nota de crédito (rating) do Estado do Rio de Janeiro em escala global de “BBB-” para “BB+”. Assim, o estado perdeu o seu grau de investimento e passou a ser classificado como grau especulativo. O Jornal O Globo deu destaque à notícia ao colocá-la em sua "primeira página" do dia seguinte. No entanto, a imprensa, como um todo, repercutiu pouco. Um erro. Não estamos falando de qualquer Estado; estamos falando da 2a.maior economia do país.
No mesmo dia, por exemplo, a mesma Standard & Poor´s manteve a nota de crédito do Estado de Minas Gerais. A primeira curiosidade está justamente nesse porém.
Poucos se lembram, mas foi a questão sobre a moratória da dívida do Estado de Minas Gerais, em janeiro de 1999, que enterrou de vez a defesa do câmbio fixo, praticado até ali, e abriu as portas para que o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso implantasse o regime de câmbio flutuante vigente até hoje. As moedas dos países emergentes já vinham sendo atacadas desde 1994, por conta da Crise do México; os ataques se intensificaram com a Crise da Ásia em 1997 e com a Crise da Rússia em 1998; nenhuma das 2 foi capaz, entretanto, de mudar o regime cambial brasileiro, a despeito da sangria das Reservas Internacionais brasileiras em 1997 e 1998.
Foi a moratória praticada pelo Estado de Minas Gerais de sua dívida que impôs ao Governo FHC o seu mais duro golpe. O simbolismo do Estado de Minas Gerais ter sido assumido naquele ano de 1999 por outro Ex-Presidente, Itamar Franco, ajudou; afinal, os mercados financeiros mundiais acabaram por misturar "alhos com bugalhos" e jogaram, naquele mês conturbado de jan-1999, Brasil e Minas Gerais "no mesmo barco".
O dólar, que já vinha num "câmbio flutuante sujo", negociado numa "banda imaginária", disparou para o teto da banda, sangrando mais e mais as Reservas Internacionais.
A solução encontrada por FHC foi entregar o cargo de Presidente do Banco Central a Armínio Fraga e deixar o dólar flutuar.
Portanto, quando falamos que o Estado do Rio de Janeiro perdeu o seu "grau de investimento", é preciso saber que o fato em si não é "banal" Situações na mesma direção, como o caso de Minas Gerais citado acima, já nos levaram a mudanças profundas e estruturais.
Entender o Rio de Janeiro nunca foi um questão simples. Eu mesmo, como um cidadão fluminense (aquele que nasce no Estado do Rio de Janeiro), e como carioca (aquele que nasce na cidade do Rio de Janeiro), tenho dificuldades de entende o Rio de Janeiro por completo. Por outro lado, é importante dimensionar e imputar a força do Estado do Rio de Janeiro a 2 questões centrais: a histórica e a econômica,
Toda a base do "Brasil-Império" foi construída e desenvolvida no Rio de Janeiro, entendido aqui como o território do Estado do Rio como o conhecemos hoje, ou mesmo dentro da cidade do Rio de Janeiro como a conhecemos hoje. Escolas, bibliotecas, universidade, burocracia pública, o universo central do "Brasil-Império"que girava em torno de uma cidade foi erguido a partir do território do Estado do Rio. Quando o Brasil torna-se uma "República Federativa", a cidade do Rio de Janeiro passa a ser o "Distrito Federal", isto é, a capital do Brasil. A questão econômica passa pela histórica numa relação casual simples de entender, já que gastos públicos do "Brasil-Império" e do "Brasil-República" passam a girar e com mais força justamente no território escolhido como base. Numa outra dimensão econômica, temos variações ao longo do tempo; começa essencialmente com a commodity "café", e vai até uma outra commodity, o "petróleo".
Tal descrição é uma síntese bastante resumida do Estado do Rio de Janeiro, mas que serve como pano de fundo para avançarmos no texto. Adiante, o Brasil mudou; veio o ex-Presidente Juscelino Kubitschek e decidiu "interiorizar" o país; assim, leva a capital do Brasil para a então nova cidade de "Brasília" a partir de 1960. A despeito da perda como capital, o Rio de Janeiro sobrevive;e sobrevive bem, de certa forma. A fama de Copacabana, das Escolas de Samba Portela, da Mangueira, o carnaval carioca, o Pão de Açúcar, o Corcovado, a beleza das praias cariocas, as ruas da Lapa, tudo isso ajudava a manter o Rio de Janeiro no foco do país, atraindo empresas e grupos de comunicação, como a extinta TV Tupi e a futura poderosa "Organizações Globo".
Mais.......o sonho de produzir Petróleo parecia mais real a partir do crescimento da Petrobrás em sua base no Estado do Rio de Janeiro. Mesmo com o ressalva de historiadores, o Rio de Janeiro se mantém relevante do ponto de vista sócio-econômico, nos anos seguinte a perda como capital.
E aqui chegamos no estágio central do texto. O que ajuda e empurra o Rio de Janeiro a se manter como força no cenário nacional ? A minha primeira "aposta" é que uma das variáveis foi o Plano Real. O Plano Real criado em 1994 rearruma a teia econômica do Brasil; com isso, todos foram beneficiados, uns mais , outros menos, mas o avanço institucional-econômico é gritante. A estabilidade monetária traz novos investimentos externos; e o Rio de Janeiro se beneficia, dado seu passado histórico-cultural. A outra "aposta" é mais óbvia; o petróleo.
E agora, passemos a olhar com mais rigor alguns números e tabelas. Abaixo, temos 5 quadros que resumem bem o Rio de Janeiro em 20 anos
Reparem que no caso do Rio de Janeiro, a "indústria de petróleo e outros minerais" ou "indústria extrativa" sai de um peso de 1,25% em 1995 para impressionantes 17,65% em 2012 (Clique em cima da figura pra obter uma melhor visão-primeiro gráfico)
E, notem no gráfico do "PIB Rio de Janeiro x PIB Brasil", que isso acontece sem que o Rio de Janeiro mude sua participação no PIB Brasil. Desde 1995, o PIB do Rio de Janeiro estaciona ali entre 10% e 11% do PIB Total Brasil. (Clique em cima da figura pra obter uma melhor visão-terceiro gráfico )
Há uma mudança significativa também no peso do Rio de Janeiro na "indústria extrativa" em relação a "indústria extrativa nacional". A participação do Rio de Janeiro no setor de "indústria extrativa" pula de 17,9% em 1995 para 43% em 2009 (Clique em cima da figura pra obter uma melhor visão-quarto e penúltimo gráfico).
Pra termos idéia do quanto esse peso da "indústria extrativa" é excessivo na economia do Estado do RJ, tomemos o caso de São Paulo, o Estado mais rico da Federação. O Estado de São Paulo apresenta um peso de menos de 1% para a "indústria extrativa"; diferente de quase 20% para a indústria de transformação", menos dependente do ciclo de commodities (Clique em cima da figura pra obter uma melhor visão-último gráfico)
Evolução em % da Indústria Extrativa (petróleo e minerais) no Estado do RJ - 95-2012
Fonte: IBGE e CEPERJ
Evolução em Valores da Indústria Extrativa (petróleo e minerais) no Estado do RJ - 95-2012
Fonte: IBGE e CEPERJ
Evolução em % da participação do PIB do Estado do RJ no PIB Brasil - 95-2012
Fonte: IBGE e CEPERJ
Evolução em % da Indústria Extrativa (petróleo e minerais) do Estado do RJ na Indústria Extrativa Brasil - 95-2012
Fonte: IBGE e CEPERJ
Evolução em Valores da Indústria Extrativa (petróleo e minerais) no Estado de SP - 2010-2012
Fonte: IBGE e Fundação Seade
Como se deu essa transformação ?
É fácil entender quando olhamos para o gráfico de 70 anos do "Barril de Petróleo" junto om o gráfico dos "preços da commodities dos últimos 35 anos.
O mundo presenciou entre 2004 e 2010 uma das maiores bolhas de commodities do século, talvez a maior sob vários critérios. O Barril de petróleo, por exemplo, sai da faixa de US$ 43 no início de 2004 para faixa de US$ 140 em 2007; depois tem uma queda abrupta em 2008 pra voltar a faixa de US$ 120 em menos de 2 anos.
Barril de Petróelo - 70 anos
Fonte: macrotrends.net
Grupos de commodities, segundo estratificação elaborada pelo FMI
Fonte: FMI
O que vem agora ?
A Bolha de Commodities estourou....Petróleo e minério de ferro, entre outras commodities, não voltarão para os patamares de 2009-2010 tão cedo; talvez nem mesmo nos próximos 15-20 anos O Estado do Rio de Janeiro se beneficiou e muito desa Bolha de Commodities; é visível essa correlação analisando todos os números destacados acima em todas as tabelas e gráficos .
Conseguirá o Estado do Rio de Janeiro sobreviver diante de uma nova realidade ? Diante de uma "volta aos preços normais" das commodities ? Antes de sobreviver, é preciso entender algumas das consequências produzidas a partir dos quadros e tabelas listados acima. É preciso entender pra tentar se antecipar.
Os preços de vários ativos e "coisas" na cidade do Rio de Janeiro, cidade que se "confunde" com o Estado, por exemplo, simplesmente foram jogados na estratosfera. Não há cidade hoje no Brasil tão cara quanto o Rio de Janeiro. Talvez o mais claro, explícito, espetacular e bizarro exemplo venha dos preço dos imóveis na cidade do Rio de Janeiro.. Entre jan-2008 e mar-2015, os preços do imóveis na cidade subiram 266%, segundo o índice FIPE-ZAP. Pra efeito de comparação , na cidade de São Paulo, cidade mais dinâmica e "rica", os preços no mesmo período subiram 221%.
Em resumo, o Rio de Janeiro se depara com um novo cenário. Tem as praias de Copacabana, o Carnaval, o Maracanã, a Bossa Nova, o Corcovado e o Pão de Açúcar. Mas, não tem mais o Plano Real e a maior Bolha de Commodities do século. Pra piorar, ainda recebe de bônus a "Crise da Petrobrás" e suas vertentes.
Carrega junto várias bombas "a serem desarmadas" pelo caminho.
Se o Brasil passa por uma desaceleração, o Rio de Janeiro passa e passará muito mais. Outros Estados, dadas suas matrizes econômicas e dinamismos , têm maiores capacidades de recuperação. Cabe ao Rio de Janeiro pensar numa outra equação para sobreviver.
E o tempo está correndo. Ontem, já foi a perda do "grau de investimento".