A recente divulgação do IBGE aponta que a taxa de desemprego no Brasil atingiu 6,6% na recente divulgação, aparentemente sinalizando uma recuperação do mercado de trabalho nacional com cerca de 39,7 milhões de pessoas. Contudo, essa cifra, embora pareça promissora à primeira vista, precisa ser interpretada com extremo cuidado, especialmente em um país com complexidades socioeconômicas tão profundas.
O que está ocultado por trás desse número é um contingente enorme de pessoas invisibilizadas pelas estatísticas oficiais. Começando pelos chamados desalentados, grupo que soma mais de 3milhões de indivíduos, representando cerca de 3% da força de trabalho ampliada. Esses cidadãos desistiram de buscar emprego porque não encontram oportunidades ou simplesmente perderam a esperança em obtê-las. Eles não são contabilizados oficialmente como desempregados, o que diminui artificialmente a taxa de desemprego real.
Somado a isso, há um enorme volume de trabalhadores informais no país, totalizando 39,1 milhões de brasileiros, quase 38% da população ocupada. São pessoas que trabalham à margem das garantias formais, sem carteira assinada ou acesso a direitos previdenciários básicos. Esse cenário de informalidade cria uma ilusão de empregabilidade, mas perpetua a vulnerabilidade econômica dessas famílias e aprofunda ainda mais as desigualdades sociais. É o Brasil real, onde os empregos gerados não garantem proteção contra crises financeiras e sociais futuras.
Não menos preocupante é o universo de pessoas que dependem do auxílio estatal. Apenas o Bolsa Família, principal programa de transferência de renda do governo federal, atende atualmente mais de 20,5 milhões de famílias, abrangendo cerca de 54 milhões de pessoas – que não são considerados desempregados. Entre esses beneficiários, chama atenção que 7 milhões recebem o auxílio há pelo menos uma década, demonstrando uma dependência de longo prazo, o que denuncia um mercado de trabalho incapaz de absorver essa mão de obra de maneira sustentável.
Além disso, não podemos ignorar o impacto crescente do seguro-desemprego, que indica claramente o estado fragilizado da empregabilidade formal. De acordo com dados mais recentes, cerca de 3 milhões de trabalhadores solicitaram o benefício nos últimos 12 meses, reforçando que, apesar da aparente redução das taxas de desemprego, muitas demissões seguem ocorrendo de forma expressiva. Esses beneficiários estão temporariamente protegidos, mas logo retornarão à luta por vagas de trabalho, pressionando ainda mais um mercado incapaz de oferecer oportunidades consistentes.
Outro indicador importante e pouco debatido - e que corrobora com os dados do parágrafo anterior - é o expressivo número de falências e recuperações judiciais entre empresas brasileiras. Em 2024, foram registrados 2.273 pedidos de recuperação judicial, o maior número desde o início da série histórica, com crescimento superior a 60% comparado ao ano anterior. Micro e pequenas empresas, que representam mais de 78% desses pedidos, sofrem diretamente com juros elevados, crédito escasso e alta carga tributária. O fechamento dessas empresas significa não apenas desemprego imediato, mas também um prejuízo irreparável para o dinamismo econômico, limitando fortemente a geração futura de vagas formais.
Quadro de empregabilidade nacional:
- Taxa de desocupação: 6,6%
- População desocupada: 7,3 milhões de pessoas
- População ocupada: 103,3 milhões
- População fora da força de trabalho: 66,8 milhões
- População desalentada: 3 milhões
- Empregados com carteira assinada: 39,6 milhões
- Empregados sem carteira assinada: 13,7 milhões
- Trabalhadores por conta própria: 26 milhões
- Trabalhadores informais: 39,1 milhões
Frente a esse cenário preocupante, fica evidente que a taxa oficial de desemprego, ainda que aparentemente baixa, não reflete a realidade concreta da população. É necessário questionar e revisitar os critérios utilizados para definir quem é considerado desempregado, formal ou informal, ocupado ou desocupado. A metodologia atual, apesar de internacionalmente aceita, deixa de fora uma parcela significativa da população que vive diariamente à margem das oportunidades e sofre diretamente com a insegurança econômica.
O impacto econômico desse cenário também merece análise crítica. Um país com mercado de trabalho fragilizado gera demanda reduzida, limita o consumo interno e desestimula investimentos produtivos. Isso gera um ciclo bem complicado: menos empregos formais levam a menos consumo, menos consumo gera menos produção, e menos produção gera menos vagas formais, alimentando continuamente a informalidade e a dependência de programas sociais – mascarando o índice real de desemprego.
Também é fundamental refletir sobre o custo social dessa realidade, que vai muito além das estatísticas. Famílias que dependem da informalidade ou do assistencialismo têm reduzida a capacidade de planejar o futuro, seja pela dificuldade de acesso à educação de qualidade, à saúde ou a bens essenciais, reforçando ciclos intergeracionais de pobreza.
A correção desse quadro exige políticas públicas que não apenas criem empregos, mas empregos de qualidade, sustentáveis e capazes de gerar renda real. Não se trata apenas de aumentar vagas formais, mas de criar um ambiente econômico onde empresas possam prosperar, investir e, consequentemente, contratar de maneira mais duradoura e segura.
Para isso, é fundamental reduzir burocracias, facilitar o acesso ao crédito para pequenos negócios, incentivar investimentos produtivos e melhorar a qualificação profissional dos trabalhadores, alinhando a mão de obra disponível às necessidades reais das empresas. Também é necessário reformular políticas sociais para que sejam efetivamente transitórias e não perpétuas, como ocorre atualmente com parte expressiva dos beneficiários do Bolsa Família.
O quadro exposto demonstra que a taxa oficial de desemprego de 6,6% está distante de representar a verdadeira face do mercado de trabalho brasileiro. Em um contexto no qual milhões são invisíveis às estatísticas formais, o número divulgado deixa de ser motivo de celebração para se transformar em um alerta. Mais do que uma cifra estatística, o desemprego real é um desafio complexo e estrutural, cuja solução requer coragem, visão estratégica e compromisso real com uma transformação socioeconômica profunda – não apenas recorte eleitoreiro.
É preciso reconhecer que o Brasil do desemprego não é apenas o Brasil das estatísticas, mas sobretudo o Brasil das ruas, das periferias e dos rincões, que todos os dias precisa lutar por dignidade e sobrevivência. O desafio dos próximos anos é transformar o emprego não em um mero índice numérico, mas em uma plataforma efetiva de inclusão, cidadania e desenvolvimento humano real.