Se Ali Al-Naimi, lendário ministro de energia da Arábia Saudita que ficou duas décadas no cargo, fizesse uma ligação hoje para Khalid Al-Falih, que o substituiu em 2016, ele provavelmente lhe diria:
“Má sorte, amigo. Você até que tentou, mas o mercado não estava ao seu lado."
Falih foi abruptamente retirado do cargo de ministro de energia no domingo depois de apenas um pouco mais de três anos de mandato, depois de não ter conseguido entregar o resultado que Naimi prometeu ao final da sua carreira: preços altos para o petróleo, essenciais para financiar a Arábia Saudita que, apesar de tentativas de se reestruturar, continua sendo um país extremamente dependente da commodity.
Embora possam estar separados por uma geração, Naimi, que acaba de fazer 84 anos, e Falih, que continua abaixo de 60, tiveram carreiras profissionais parecidas.
Ambos foram educados em renomadas universidades norte-americanas – Naimi estudou em Stanford, Columbia e Harvard, enquanto Falih frequentou a Texas A&M. Ambos começaram na petrolífera estatal saudita Aramco (Naimi ingressou na empresa em 1947, como “office boy” quando tinha apenas 12 anos), ascendendo de cargo até ocuparem o posto mais alto na indústria petrolífera mundial.
Ao longo do caminho, demonstraram ter personalidades extremamente distintas.
Naimi tinha uma vontade ferrenha de fazer as coisas à sua maneira, um traço mais bem caracterizado por sua decisão de manter a produção petrolífera saudita em alta em meio a preços em baixa, a fim de tentar acabar pelo menos com os produtores de shale menos rentáveis e mais prolíficos dos EUA.
Falih cumpriu sua função...
Falih era essencialmente um “capacho” que atuava no mercado de acordo com seu chefe, Mohammed bin Salman, poderoso príncipe herdeiro da Arábia Saudita, geralmente chamado por suas iniciais "MbS" e descrito como o "real poder" por trás do trono do seu pai, o rei Salman.
Por isso, alguns ficaram surpresos quando souberam que, apesar da sua lealdade a MbS, Falih havia sido demitido nas primeiras horas de 8 de setembro por um decreto do rei Salman em Riad. Outros já previam o que estava para acontecer pois, apenas uma semana antes, Falih havia sido substituído como diretor da Aramco, cargo que exercia em conjunto com sua função ministerial. O rei anunciou, como novo ministro de energia, o príncipe Abdulaziz bin Salman, outro filho seu e irmão mais velho de MbS.
Se havia alguma razão para se surpreender com a destituição de Falih essa razão era que, durante o exercício do seu ofício, ele parecia fazer o que fosse possível, em qualquer circunstância, para colocar o mercado a favor dos sauditas e da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), cartel liderado pelo reino.
Algumas vezes ele vencia. E às vezes perdia espetacularmente, enquanto lutava contra um mercado que se tornou muito mais volátil e desafiador desde a saída de Naimi.
Quando assumiu o posto, Falih reverteu a estratégia de produzir à vontade levada a cabo por seu antecessor, firmando o primeiro de dois pactos de corte de produção entre a Opep e aliados-chave, liderados pela Rússia. A segunda versão desse acordo, firmado em dezembro para retirar 1,2 milhão de barris por dia do mercado até seu rebalanceamento, continua em vigor até hoje.
... Mas abaixo das expectativas
Mesmo assim, no jogo dos números, Falih ficou abaixo das expectativas. O preço do Brent, referência internacional para o petróleo, saiu de um pouco abaixo de US$ 50 por barril em março de 2016, quando Falih assumiu o posto, para acima de US$ 62 nesta semana. Embora seja um salto de quase 25% em três anos, ainda está bem abaixo dos US$ 80 por barril que a Arábia Saudita precisaria para financiar seu orçamento.
John Kilduff, sócio-fundador do hedge fund de energia Again Capital, resumiu a situação embaraçosa de Falih usando uma analogia esportiva:
“É como no beisebol. Sabemos que um time que perde jogos durante todo o ano realmente é uma equipe terrível. Mas quem é demitido é o técnico, porque não dá para mandar embora todo o time.”
Independente do que Falih possa ter feito para rebalancear o mercado, foi o príncipe Abdulaziz que recebeu os créditos, na segunda-feira, por ajudar a negociar o atual acordo Opec+ entre o cartel e seus aliados estratégicos, incluindo a Rússia Os traders também notaram que ele exercia o cargo de vice-ministro do petróleo desde 1995.
O novo ministro de energia – chamado de AbS pelo mercado, da mesma forma cifrada que seu irmão MbS – anunciou que os pilares da política saudita não mudariam e que o acordo Opep+ sobreviveria.
Aprovação efusiva de AbS
E as aprovações não tardaram a aparecer. Phil Flynn, analista do Price Futures Group, de Chicago, disse à CNBC que AbS é “altista para os preços do petróleo”. O analista complementou:
“O príncipe Abdulaziz bin Salman é conhecido por restringir a produção de petróleo. Ele foi essencial para garantir os cortes de produção no passado.”
A euforia com AbS ajudou os preços do petróleo a atingir as máximas de seis semanas no início do pregão asiático nesta terça-feira, ampliando o rali de 2% da segunda-feira, quando o Brent era negociado a US$ 63 por barril, e o petróleo norte-americano WTI, acima de US$ 58.
Em razão da longa atuação de AbS como delegado da Arábia Saudita na Opep e do seu trabalho nos bastidores para ajudar a garantir os pactos de produção, sua contribuição para restringir ainda mais o mercado não é surpresa para ninguém. Sem dúvida ajudará a controlar o primeiro excesso de produção da Opep em meses, depois que o Iraque bombeou uma média recorde de 4,88 milhões de barris por dia em agosto, muito acima do teto acordo pelo acordo Opep+.
Marca de AbS será posta à prova pelo mercado e pela abertura de capital da Aramco
Mas, além da reunião do Comitê de Monitoramento Ministerial Conjunto (CMMC) da Opep, na quinta-feira e a expectativa de cortes de juros pelo Banco Central Europeu (BCE) nesta semana e pelo Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) na próxima, é preciso esperar para ver seu a marca de AbS realmente será altista para o petróleo.
Os investidores internacionais também ficarão atentos à maneira como os dois irmãos Salman coordenam a abertura de capital da Aramco, um processo que iniciou antes do fim do mandato de Naimi e agora se estendeu além do mandato de Falih.
A Arábia Saudita pretende listar 1% do patrimônio da Aramco na Bolsa de Valores de Riad antes do fim de 2019 e outro 1% em 2020, segundo a Reuters na segunda-feira, citando fontes familiares ao tema. Trata-se de uma mudança radical em relação aos planos anteriores de abertura de capital, que seria feita nas bolsas de valores de Nova York ou Londres.
Kilduff, sócio da Again Capital, declarou:
“Se Falih estivesse por perto, receberia a culpa por supostamente ter atuado para atrasar a abertura de capital. Agora, está nas mãos da família real. É o seu bebê."