Não adianta espernear
Há uma imagem (indigesta, muitos dirão) que se instalou em minha mente meses atrás e, ao que tudo indica, aqui permanecerá.
Votação da admissibilidade do impeachment na Câmara. Cada orador, em poder do microfone, esbravejava o que queria. A despeito do choro e do ranger de dentes, o execrado Eduardo Cunha apenas tirava o drama do caminho e perguntava: como vota, deputado?
Talvez você fique com raiva de mim por fazer uma figura [deixo o adjetivo por sua conta] como Eduardo Cunha o objeto deste texto. Mas até isso, admito, é absolutamente proposital. Como vota?
Naquele momento, naquela circunstância, não importava quanta admiração ou desprezo se nutrisse pelo sujeito. Era ele quem, de trás da mesa, conduzia a sessão impiedosamente. Como vota?
Vale (SA:VALE5) para tudo na vida (cá entre nós, tenho usado essa alegoria a torto e a direito nas mais diversas circunstâncias). Atenho-me, aqui, a seus investimentos: é sempre tentador imaginar como as coisas poderiam ter sido se você tivesse comprado XYZ antes da alta ou vendido XPTO antes da queda. Não adianta lamentar, se revoltar, conjecturar como as coisas são ou poderiam ter sido… sua única opção, neste momento, é escolher o que faz agora. Como vota?
Simplesmente adoramos nos torturar construindo cenários alternativos quando o desfecho não nos agrada. Ocorre que não passa de um monumental dispêndio de energia que nem a vida, nem o mercado, recompensarão. As coisas são como são e, salvo você tenha descoberto como viajar no tempo (nesse caso, me conte), não há o que fazer senão revisitar suas convicções. Como vota?
Admita a possibilidade de estar errado. Mas também admita a possibilidade de estar certo a despeito dos desafios às suas convicções que a realidade apresenta. Se, ao final desse exame de consciência e a despeito das evidências em contrário, você seguir com as mesmas convicções — com sinceridade, enfatizo; não por simples teimosia —, arque com elas.
Simples assim.
Como vota?
Como vota, senador?
É de olho em como votam nossos parlamentares que estamos hoje, muito especialmente com o primeiro turno de votação da PEC do Teto no Senado. Cenário-base é de aprovação com relativa folga, mas evento é importante para medir o apoio ao governo após o episódio Calero-Geddel.
Resultado favorável deve contribuir para queda da curva de juros. Lembrando, só por lembrar, que amanhã sai decisão do Copom.
Em paralelo, segue queda-de-braço com governadores em torno dos recursos da repatriação, que querem dinheiro sem se comprometer com ajuste fiscal. Mais choro e ranger de dentes em estado de completa negação da realidade.
Compasso de espera
No aguardo dos trabalhos em Brasília, nossa bolsa tem dia pesado. Impacta negativamente aqui o mau desempenho das commodities metálicas lá fora, que levam mineração e siderurgia para o extremo inferior das performances do dia.
Na outra ponta, cenário dividido entre celulose (preço e dólar) e sensíveis a juros.
Lá fora o compasso é de espera, com foco na reunião da OPEP (com forte cheiro de mico no ar) e o referendo constitucional que se aproxima na Itália. Mercados sem direção.
Por falar em PEC
Pesquisa Ipsos: 49 por cento dos entrevistados nunca ouviram falar na PEC do Teto, mas 55 por cento acredita que ela será ruim para os mais pobres.
Ao mesmo tempo, 64 por cento acham uma boa ideia reduzir os gastos públicos. E 44 por cento acham bom que exista um limite formal para eles.
Parece que os esforços de comunicação em torno da emenda não foram suficientes.
Desserviço
Comissão do Senado aprovou Projeto de Lei que altera as atribuições do Banco Central. Se aprovado o projeto, que segue para votação, caberá ao BC não somente zelar pela estabilidade da moeda e fiscalizar o sistema financeiro, mas também “estimular o crescimento econômico e a geração de empregos”.
Que lindo! Coisa nenhuma. Q uerem impor ao órgão, que não desfruta de independência formal, objetivos múltiplos e contraditórios, ampliando (ainda mais) o peso da política monetária à serviço do governo da vez.
Belo desserviço. O Brasil, de fato, não é para principiantes.