Por Caroline Gerber
Em 2019, as ações atingiram máximas históricas, apesar das constantes preocupações com a desaceleração do crescimento mundial.
Os imprevistos do Brexit e as tensões da guerra comercial entre EUA e China dominaram as manchetes ao longo de todo o ano passado, mas os avanços feitos nesses dois fronts – a vitória acachapante de Boris Johnson em meados de dezembro e a possível primeira fase do acordo comercial – arrefeceram as preocupações dos investidores. Além disso, os mercados financeiros praticamente ignoraram o processo de impeachment contra Trump, por considerar que sua remoção do cargo seria improvável.
Durante o ano, o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) reduziu as taxas de juros em três oportunidades, ao mesmo tempo que o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, implementava novos estímulos monetários antes do fim do seu mandato. Em novembro, Christine Lagarde assumiu sua posição.
Hong Kong, centro financeiro da Ásia, foi tomada por protestos contra o governo a partir de junho. A incerteza gerada desde então vem pesando sobre as ações, bem como sobre a economia local e possivelmente mundial, mantendo os mercados em alerta.
Os persistentes ventos contrários à economia global ajudaram a impulsionar o ouro, que subiu 15,78% em 2019. Os distúrbios políticos, os riscos da guerra comercial e a estagnação do crescimento na Europa e no Japão continuaram ameaçando os mercados.
A valorização dos mercados de petróleo foi atenuada por temores de uma desaceleração da demanda mundial, bem como pelo recorde de produção nos EUA. Embora o petróleo tenha subido cerca de 34,46% em 2019, essa alta parece ser menos expressiva se considerarmos que a commodity havia recuado quase 25% de outubro a dezembro de 2018.
Confira o que alguns dos nossos colunistas mais seguidos esperam do ouro, do dólar e dos mercados em geral com a chegada de 2020.
Matthew Weller: o dólar recuperará seu reinado em 2020?
Para definir minhas expectativas com as principais moedas neste ano-novo, procurei me debruçar sobre os dados de posicionamento de longo prazo do relatório “Commitment of Trader (COT)”, da Comissão de Negociação de Futuros de Commodities (CFTC, na sigla em inglês).
No início desta nova década, os investidores do mercado de câmbio não estão mostrando desequilíbrios significativos em relação ao ano passado. No entanto, vale a pena destacar que o posicionamento altista no dólar apresentou um declínio para a mínima de 52 semanas, preparando o terreno para outra possível pernada de alta da moeda de reserva mundial.
Essa análise de sentimento se apoia nos fundamentos da economia norte-americana, que continua tendo um desempenho superior ao dos seus pares do G10. Depois de realizar três cortes de juros em 2019, o Fed sinaliza que permanecerá em compasso de espera no primeiro semestre de 2020, enquanto outros grandes bancos centrais, como o europeu, seguem levando ao extremo uma política monetária não convencional.
O fator preponderante que me faz ter uma perspectiva altista para a moeda americana em 2020 é a possibilidade de os EUA abrirem outro front na guerra comercial global. A retórica e as ações recentes do governo Trump sugerem que o autoproclamado “Homem-Tarifa” está cada vez mais insatisfeito com o estado da relação comercial entre os EUA e a União Europeia.
Apesar de a quantidade absoluta de importações tarifadas da Europa ser baixa no momento em que escrevo, temos visto uma rápida escalada nas taxações retaliativas às importações. A Zona do Euro se mostra particularmente vulnerável a um choque negativo, haja vista que a indústria europeia já enfrenta dificuldades por causa da desaceleração da economia local, sem falar na permanente incerteza em torno do Brexit.
Desde a crise da dívida da Grécia há cerca de uma década, muitos investidores alimentam esperanças de que a paridade EUR/USD caia para 1,00. Em minha visão, 2020 tem tudo para que isso finalmente aconteça.
Mark Mead Baillie: Queda do SPX pode fazer o ouro atingir US$ 1.675
Três pilares dão sustentação à valorização do ouro: a desvalorização do dólar, o endividamento e os derivativos. Cotado a US$ 1519,95 no momento em que escrevo, o ouro deveria atingir 2991, com base em nossa medida de valuation e considerando apenas a desvalorização do meio circulante (M2) nos EUA. Não, o preço do metal não deve disparar tanto assim em 2020.
Entretanto, como o ouro se valoriza em cenários de incerteza e não há qualquer razão sensata para sua venda, principalmente em vista da importante eleição presidencial em novembro, nos EUA, nossa expectativa é que o metal precioso atinja a máxima de US$ 1.675.
O S&P 500 deve oscilar bastante ao longo do ano, por causa das pesquisas eleitorais. Nossa visão objetiva, sem qualquer viés político, é que o atual presente dos EUA seja reeleito por uma simples questão matemática, haja vista que sua base eleitoral supera em muito os opositores inveterados de Trump.
Mas a oportunidade do ano será vender o S&P perto do dia da eleição, em 3 de novembro, em antecipação ao movimento. O índice está extremamente caro, levando em conta que seu índice P/L estimado em 31 de dezembro era de cerca de 25, além de ter apresentado uma valorização de mais de 28,88% no acumulado do ano, sem falar que mais de um terço dos seus componentes não melhorou seus resultados em 2019. Por isso, é preciso ficar atento com toda essa euforia no mercado.
Michele Schneider: As melhores oportunidades podem estar nas commodities
Em 2019, a relação entre ações e commodities atingiu a mínima de 100 anos. No final do ano passado, essa relação se contraiu um pouco, mas pode se estreitar ainda mais em 2020. Desde 1979, a inflação nos EUA tem se mantido em patamares reduzidos. Como as taxas de juros devem continuar baixas por lá, segundo Steven Kaplan, presidente do Dallas Reserve, e o futuro do dólar como moeda de reserva mundial é questionável, as melhores oportunidades em 2020 podem estar nas commodities.
Os futuros do açúcar, barômetro secreto da inflação, subiram de patamar. Se o preço spot do açúcar superar 13,75, romperá uma média móvel de 2 anos. Outra possível oportunidade para acompanhar a inflação é a relação entre a prata e o ouro.
Há anos o desempenho da prata tem ficado abaixo do ouro. Uma eventual mudança dessa relação em favor da prata seria não só um sinal altista para os metais, mas também uma excelente oportunidade para aproveitar a alta da inflação.
Lance Roberts: Proteger o capital contra o que pode dar errado
Certa vez foi feito um estudo para saber quem fazia as "previsões" mais precisas. Considerou-se um amplo grupo que abrangia desde físicos até meteorologistas, e o resultado foi o seguinte: os meteorologistas eram os que previam o futuro com mais precisão, mas suas projeções estavam corretas em apenas um em cada três dias.
Considerando que prever o que vai acontecer nos mercados financeiros no próximo ano requer sempre uma perspectiva de longo prazo, essas projeções devem ser encaradas com alto grau de ceticismo.
Em nossa prática de gestão de portfólio, partimos da suposição básica de que, em 88% das vezes, o mercado encerra o ano em um patamar superior ao que iniciou. Nos últimos 120 anos, essa foi a porcentagem dos mercados que fecharam em alta, em comparação com os que fecharam em baixa. Já que essa presunção básica elimina todo o “trabalho de adivinhação” sobre o que precisa dar certo, o que nos resta é focar nas coisas que podem dar errado.
Apresentamos a seguir uma breve lista de eventos que podem exigir a proteção do seu portfólio em 2020:
- China deixa de cumprir os termos da primeira fase do acordo comercial, acirrando novamente a guerra comercial.
- O crescimento das receitas deixa a desejar e se torna uma preocupação para o valuation dos mercados.
- Os lucros corporativos, que têm permanecido estáveis desde 2014, se deterioram devido à desaceleração do crescimento econômico.
- O crescimento econômico mundial segue fraco e se espalha pelos EUA.
- O mercado fica preocupado com os valuations excessivos.
- Um evento relacionado ao crédito causa uma escassez de liquidez no mercado. (A alavancagem financeira e os rebaixamentos do grau BBB são possíveis ameaças).
- O presidente Trump perde a eleição de 2020 para um candidato anticapitalista.
Embora alguns desses eventos possam parecer pouco prováveis para o mercado e a economia em 2020, ninguém esperava o declínio do setor imobiliário em 2008 ou o estouro da bolha das empresas “ponto com” em 2000.
Como investidores, nossa preocupação nunca deve ser o que pode dar certo quando estamos posicionados nos mercados. Em nossa visão, faz muito mais sentido focar na proteção do capital contra o que pode dar errado.