Seja você, leitor, partidário do governo Bolsonaro ou não, é possível que concordemos que o governo nas últimas semanas se provou uma tremenda bagunça. Se você concorda com o presidente, a culpa é do Rodrigo Maia mimado; se discorda, a culpa é da inabilidade de Bolsonaro e seus ministros em negociar o mínimo que seja. Novamente, independentemente de nossa opinião política temos que esse caos foi gerado por um sistema político que nos deu uma suposta escolha e é baseado em leis diversas (Constituição, código eleitoral, código de processo penal, entre muitas outras). Leis, portanto, podem fracassar e gerar estruturas relativamente disfuncionais.
Isso não ocorre somente em eleições no Brasil. O excelente Lucas Nuzzi da Digital Assets Research fez uma série de tweets defendendo que o modelo de número finito de moedas adotado pelo Bitcoin é sustentável a longo prazo. Um problema possível é que haveria dificuldades em incentivar mineradores a manter a rede segura somente com taxas de transações. Ao passo que ainda tenho dúvidas a respeito disso, creio que Nuzzi tocou num ponto importante: o Bitcoin pode ter incertezas, mas é também incerto que o governo esteja sendo eficiente na condução de política monetária. Dessa maneira, vale novas tentativas de instituições monetárias.
A questão é que dificilmente se faz algo do zero. Um meme recorrente no Bitcoin desde seu surgimento é uma analogia com o ouro. Essa inspiração, desenvolvida no livro “The Bitcoin Standard” sob a perspectiva da escola austríaca de economia, traz em si a inflação zero discutida por Nuzzi. Entretanto, e se a não emissão de moedas causar problemas para a rede? Teremos que mudar a regra, e qual a regra de governança para isso? Forks e trocas para outros padrões fazem sentido? São questões, obviamente, para o futuro, mas é bom lembrar que em nossa empreitada há riscos.A governança para esses problemas eventuais -- tecnológicos ou políticos -- deveria ser um foco das criptomoedas atuais. Aí entra mais um tweet: Stephen Palley, advogado que frequentemente discute tecnologia, defendeu que a lei deveria ser uma inspiração para as criptomoedas por sua resiliência ao longo da história. Essa proposta é similar ao defendido por Vlad Zamfir, da Ethereum foundation, que já foi discutido aqui na coluna e curtiu a postagem de Palley. Contudo, como vimos aqui no Brasil e em diversos outros países em desenvolvimento, a lei pode ser uma bagunça. Também vimos nos ativos digitais, com o caso da EOS que tinha uma constituição ruim e desrespeitada por seus bloco producers. Portanto, devemos nos inspirar no universo jurídico para resolver problemas internos das criptomoedas? Por exemplo, um tribunal para smart contracts?
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A boa notícia é que já há soluções razoáveis para conflitos no mundo crypto. A junção de forks e descentralização permitem que redes coexistam e disputem tanto mineradores quanto investidores capazes de manter segurança e preços altos. Se uma solução não agrada, é possível que um fork ganhe sobrevida. Nick Cowen, pesquisador da NYU, enfatiza que as blockchains públicas são inovadoras por permitir a escolha entre sistemas de governança. Nesse caso, as governanças também são sujeitas a processos de mercado.
Atualmente, as blockchain mais bem-sucedidas são as que usam incentivos e forks para estruturar sua governança, mas se leis vierem a ser úteis, alguém com nome (Vlad Zamfir, por exemplo) pode organizar um fork, por exemplo. Se não conseguir nem isso, como se espera que a lei tenha legitimidade? Há a rejeição da proposta, a nova criptomoeda afunda e devemos aceitar que não houve consenso crível. As propostas de uma governança diferente ficam para o futuro, mas sempre em aberto porque há efetivamente essa possibilidade de entrada e saída de criptomoedas. As criptomoedas permitem monetizar e incentivar debates produtivos e democráticos, se suficientemente descentralizadas e seguras.
Em resumo, a governança de criptomoedas é um problema que ainda precisa de solução, mas possui uma estrutura ótima que possibilita meta-soluções, isto é, as soluções tendem a emergir naturalmente. Obviamente isso pode ser pensado melhor, mas as criptomoedas me parecem ter algumas propriedades anti-fragilidade. Choques geram possibilidades de melhoria que geram forks que geram mercados e, bem, vemos no cotidiano como proibições de mercados são difíceis. Atualmente, não vejo criptoativos como capazes de competir com o governo em instituições monetárias ou smart contracts substituindo leis em países com judiciário funcional, mas ainda estamos no começo das criptomoedas e não faltam países onde essas tecnologias farão diferença. Essas possibilidades de uso são não impossíveis e, se forem concretizadas, trarão grandes retornos para os early adopters.