EUA registram superávit orçamentário surpresa de US$ 27 bilhões em junho, impulsionado por tarifas
À medida que se aproxima a divulgação do próximo IPC, índice de preços ao consumidor dos EUA, volta a circular a mesma dúvida recorrente dos últimos meses: quando os efeitos das tarifas começarão a aparecer? Por enquanto, a resposta continua sendo: ainda não. Economistas que previram um colapso iminente com a entrada em vigor das tarifas impostas pelo presidente Donald Trump continuam perplexos.
Já reconheci, nesta mesma coluna, que fui formado dentro da lógica tradicional de que “tarifas são ruins”. Mas, ao longo dos anos, a insistência de Trump em defender sua eficácia me levou a reconsiderar cuidadosamente em que aspectos elas de fato causam distorções e em quais situações podem ser menos danosas, ou até úteis. Afinal, se tarifas fossem intrinsecamente negativas, como sugere a ortodoxia dominante, seria difícil explicar por que praticamente todos os países do mundo as adotam.
Talvez, há quarenta anos, fosse possível atribuir isso à ignorância dos formuladores de política nos demais países. Mas hoje? Qualquer autoridade econômica em qualquer lugar do mundo pode simplesmente perguntar ao ChatGPT: “Tarifas são ruins?”, e receber uma resposta como esta:
“Tarifas podem ser ferramentas úteis em contextos específicos e bem delimitados, como proteger setores estratégicos ou responder a práticas comerciais desleais. Mas, em geral, tarifas altas e prolongadas tendem a gerar mais custos do que benefícios, especialmente em economias globais altamente integradas.” (ChatGPT, 9 de julho de 2025)
O curioso é que, aparentemente, todos os países sempre encontram esses “contextos específicos e bem delimitados” para aplicar tarifas. O problema só parece surgir quando quem impõe as tarifas são os Estados Unidos. Foi essa percepção que me levou a buscar uma visão mais equilibrada, inclusive em um artigo que publiquei em 2019, do qual ainda gosto bastante.
Apesar de alguns pequenos avanços no debate econômico sobre os efeitos das tarifas, pouco se avançou na visão de que elas seriam intrinsecamente inflacionárias. De fato, toda tarifa tende a elevar preços em alguma medida. Mas a intensidade desse impacto é o ponto crucial.
Além disso, é importante lembrar que tarifas promovem um ajuste pontual no nível de preços, mesmo que esse efeito se distribua ao longo de alguns meses. Por isso, soa estranho ouvir o presidente do Fed, Jerome Powell, afirmar que a autoridade monetária não pode cortar juros ainda porque “aguarda os efeitos das tarifas sobre a inflação”. Essa argumentação não se sustenta do ponto de vista econômico. É um choque de preço pontual, e não um processo de inflação sustentada. Manter os juros elevados em resposta a esse tipo de impacto não faz sentido dentro da teoria monetária.
Sobre esse ponto, vale resgatar uma análise publicada na nossa Perspectiva Trimestral de Inflação referente ao primeiro trimestre (fevereiro), em que procurei estimar, de forma aproximada, os efeitos de uma tarifa genérica de 20%. Claro, a estimativa é apenas um exercício ilustrativo, até porque não existe uma tarifa uniforme de 20% sobre tudo.
A ideia era apenas avaliar a ordem de grandeza do impacto potencial, e não obter um número preciso. (Aliás, incluí nessa análise trechos daquele artigo de 2019, porque não vejo problema em “me plagiar” de vez em quando!) Após essa reprodução, trarei algumas considerações finais. E, para quem quiser acompanhar o material na íntegra, é possível se inscrever aqui.
Tarifas como instrumento para promover crescimento doméstico e arrecadação
Na visão do presidente Trump, o fato de os EUA possuírem uma das estruturas tarifárias mais baixas do mundo, especialmente em comparação com as tarifas (e até com os impostos sobre valor agregado) aplicadas por outros países sobre produtos norte-americanos, é uma evidência de que os EUA são tratados de forma injusta no comércio global.
Durante boa parte do último século, os EUA foram os maiores defensores do livre comércio, com esse movimento ganhando força a partir dos anos 1990, como mostra um gráfico da Deutsche Bank incluído no relatório.
Segundo a teoria de Ricardo, o livre comércio aumenta o tamanho do “bolo econômico global”, permitindo que cada país foque em produzir aquilo em que tem vantagem comparativa. O problema é que, ao aceitar participar desse modelo, os países abrem mão de escolher o tipo de “fatia” que querem do bolo, ou seja, não conseguem determinar quais setores estratégicos desejam proteger.
Em tese, esse arranjo leva a uma alocação eficiente de recursos e amplia o bem-estar coletivo. Se todos forem “cidadãos do mundo”, como propõe o modelo ricardiano, o livre comércio com base na especialização mútua seria o caminho ideal.
Na prática, nem todos os países se beneficiam igualmente desse arranjo. Mesmo no auge do livre comércio nas décadas de 1990 e 2000, diversos governos trataram de proteger setores considerados estratégicos. Apesar de um histórico recente de ineficiência no setor automotivo, os EUA ainda preservam grandes montadoras locais.
Por outro lado, a indústria têxtil praticamente desapareceu no país. Isso revela que o livre comércio só funciona de forma generalizada quando:
- (a) todos os participantes têm capacidades produtivas similares e vivem em paz permanente, o que é irreal; ou
- (b) o país dominante está disposto a abrir mão de parte de seu poder para beneficiar o sistema como um todo, mantendo a estabilidade com base em sua superioridade militar.
É possível argumentar que os EUA seguiram esse segundo caminho, aceitando a perda de competitividade industrial como preço para manter a ordem econômica e política global.
Impacto potencial das tarifas na inflação: simulações e efeitos esperados
O presidente dos EUA, e boa parte de sua base eleitoral, considera injusto o papel desempenhado pelos Estados Unidos como estabilizador global, especialmente quando isso ocorre às custas de sua própria indústria. Em termos práticos, Trump rejeita o ideal teórico do livre-comércio ricardiano e busca assegurar uma fatia maior do “bolo econômico” para os eleitores americanos. É nesse contexto que entram as tarifas recíprocas (nas quais os EUA igualam as tarifas aplicadas por parceiros comerciais) e as chamadas tarifas abrangentes, que incidem sobre todos os produtos importados de determinado setor ou de determinado país, como no caso do alumínio.
Tarifas amplas podem favorecer o crescimento interno [1], mas geram aumento de preços para os consumidores. O impacto sobre a atividade econômica e sobre a inflação depende de fatores como a capacidade de substituição da oferta doméstica, o peso relativo das importações na economia e se o país é, no agregado, exportador ou importador líquido. Também importa o tamanho do setor externo em relação ao PIB.
Como o objetivo aqui é avaliar o impacto inflacionário, vamos simular de forma bastante simplificada o efeito de uma tarifa ampla de 20%, hipótese próxima da proposta apresentada pelo secretário do Tesouro, Scott Bessent. Supondo uma elasticidade média da demanda por importações de 3,33 [2] e da oferta de exportações de 1,0 [3], a incidência da tarifa sobre os consumidores seria de cerca de 23%: [1 / (3,33 + 1)]. Isso significa que, com uma tarifa de 20%, os preços dos bens importados subiriam cerca de 4,6%.
Considerando que as importações representam cerca de 15% do PIB dos EUA, o efeito sobre o nível geral de preços seria da ordem de 0,69% (15% × 4,6%). Ou seja, no caso de uma tarifa ampla de 20% sobre as importações, o impacto estimado seria um aumento único de cerca de 0,7% no índice de preços ao consumidor, distribuído ao longo do período de implementação.
Trata-se de um efeito relevante, mas longe de ser alarmante. Essa estimativa foi incorporada aos nossos modelos de inflação para 2025 e 2026, embora com impacto um pouco menor, já que não projetamos tarifas amplas, mas sim medidas recíprocas e setoriais. Vale destacar que tarifas retaliatórias sobre exportações americanas não afetam diretamente os preços internos, portanto não alteram a análise dos efeitos inflacionários de primeira ordem.
Em resumo, minha estimativa inicial feita em fevereiro apontava que uma tarifa genérica de 20% geraria um impacto inferior a 0,7%, diluído entre 2025 e 2026. Isso não resolve a dúvida sobre o timing, mas é compatível com o fato de que os aumentos de preço ainda não apareceram nos índices. Há razões técnicas para essa defasagem: os prazos de implementação foram ajustados para não encarecer o Natal de 2025 (por exemplo, brinquedos como o GI Joe com golpe de karatê), e os varejistas têm absorvido parte dos custos iniciais por questões estratégicas, o que deve postergar o repasse ao consumidor final.
Para efeito de comparação, estimativas do Budget Lab da Universidade de Yale indicam que as tarifas anunciadas até agora para 2025 equivalem a um aumento de 15,2 pontos percentuais na tarifa média efetiva dos EUA. Aplicando a mesma lógica, isso corresponderia a um impacto inflacionário próximo de 0,5%. Na prática, pode ser até menor, uma vez que tarifas aplicadas de forma seletiva têm impacto mais contido do que tarifas amplas com a mesma alíquota.
Encerrando, vale uma última observação. A inflação ao consumidor (IPC) acumulada em 12 meses atualmente está em 2,35%. No mercado de swaps de inflação, especialmente nas operações de “reset”, que precificam o nível de preços à frente, os investidores projetam uma inflação de 3,29% nos próximos seis meses, o que representa uma alta de quase 1 ponto percentual.
Essa estimativa, porém, é suavizada por uma expectativa de moderação nos preços de energia, que reduzem o impacto projetado em cerca de 20 pontos-base. Assim, o mercado está, de forma implícita, precificando um pico da inflação núcleo em torno de 1,2 ponto percentual acima do nível atual, dentro de um horizonte de seis meses.
Esse movimento não se deve exclusivamente às tarifas, parte decorre da saída de leituras muito baixas nos meses de maio, junho e julho de 2024 da base de comparação. Mas, caso essa inflação se materialize, é provável que os economistas atribuam a culpa a Trump, enquanto o próprio Trump transferirá a responsabilidade para Powell.
De qualquer forma, os cortes de juros desejados pelo presidente parecem improváveis, a menos que o crescimento econômico sofra uma desaceleração mais pronunciada.
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