Com frequência, as notícias de maior impacto a longo prazo são pouco divulgadas e recebem pouca atenção em meio ao barulho cotidiano do mercado financeiro. Vimos isso recentemente em uma reportagem da Bloomberg sobre o Banco Central Europeu (BCE), que reflete a situação atual da Europa e as possíveis mudanças positivas para suas principais instituições. Essa é uma tendência que, em nossa modesta opinião, tem sido extremamente rara nas últimas décadas, mas que agora vemos ocorrer quase semanalmente.
O foco dessa atualização específica é que o BCE formou uma força-tarefa para estudar formas de simplificar as regras bancárias. A iniciativa teria sido uma resposta a uma carta controversa dos presidentes dos bancos centrais da Alemanha, França, Itália e Espanha, enviada à comissária de Serviços Financeiros da Comissão Europeia, Maria Luis Albuquerque. A carta criticava as normas bancárias europeias por serem “excessivamente complexas” e defendia uma “avaliação abrangente” para garantir igualdade de condições com outras grandes jurisdições, como os EUA.
Um volume gigantesco de recursos está preso à regulação bancária rigorosa
Como já comentamos anteriormente, concordamos com a afirmação do CEO do Société Générale (EPA:SOGN) de que o excesso de camadas regulatórias na Europa, conhecidas como “gold-plating”, acaba retendo indevidamente cerca de €100 bilhões em capital CET1 (Common Equity Tier 1) nos balanços bancários (Bloomberg, 6 de fevereiro de 2025). Esse capital existe, mas não pode ser usado de forma produtiva devido à aplicação excessivamente zelosa das normas pelos reguladores europeus. Outros executivos de bancos europeus compartilham a mesma preocupação. Considerando uma média de 13–14% de capital CET1 no setor, isso poderia equivaler a um impulso de €700 bilhões em ativos ponderados pelo risco, se utilizado de forma produtiva.
O PIB da União Europeia gira atualmente em torno de €17,9 trilhões. Liberar esse capital retido e redirecioná-lo para novos negócios bancários poderia impulsionar o PIB do bloco em até 4%. Os sinais de que os governadores dos bancos centrais mais influentes da UE estão dispostos a contrariar o braço regulador do BCE indicam que os Estados-membros desejam conter o excesso regulatório. É especialmente notável que o presidente do Bundesbank, Joachim Nagel, esteja entre os líderes dessa resistência, visto que a reguladora, presidida por Claudia Buch, também pertence ao próprio Bundesbank. Ambas as instituições têm sedes localizadas a poucos minutos de caminhada uma da outra, em Frankfurt.
Governos e bancos pressionam por reformas
Apesar da expectativa de muitos debates, confrontos e choques culturais, este é um tema demasiado importante para ser ignorado. O momento — logo após a formação do novo governo alemão — sugere que o novo chanceler, Friedrich Merz, apoia as reformas.
Como observação adicional, destacamos anteriormente que o BCE foi desafiado judicialmente no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) por dois dos maiores bancos europeus: UniCredit (BIT:CRDI) e Santander (BVMF:SANB11). O primeiro processo foi iniciado em junho de 2024 e o segundo em fevereiro de 2025. Em nossa experiência, é extremamente incomum que bancos processem seu próprio regulador por conta de decisões regulatórias. Somado à declaração pública do CEO do Société Générale em março de 2025, isso indica que o descontentamento com o regulador bancário europeu vem crescendo há algum tempo e está agora transbordando para o debate público. Consideramos isso extremamente positivo sob a perspectiva do mercado acionário europeu.
Desregulamentação: chave para destravar o crescimento na Europa
Vale lembrar que identificamos iniciativas de médio prazo com potencial conjunto de aumentar o PIB europeu em quase 18% (ver gráfico 1). Com exceção do pacote de infraestrutura da Alemanha, a maior parte desse crescimento viria de capital e poupança já disponíveis na Europa — independentemente das negociações tarifárias com os EUA ou do avanço pela paz na Ucrânia. Em nossa visão, esse crescimento pode ser destravado por meio da desregulamentação — e os primeiros sinais dessa mudança já estão aparecendo.
Gráfico 1: Ventos de mudança para a reforma europeia
Fonte: Análise da Janus Henderson Investors, em 16 de abril de 2025.
Embora esperemos que essas mudanças levem algum tempo até serem sentidas na economia real, muito pouco disso parece estar precificado nas expectativas dos investidores, nas alocações de portfólio ou nas valorizações das ações europeias. Além das iniciativas quantificáveis, também há reformas regulatórias em andamento cujos impactos ainda não conseguimos mensurar, mas que sem dúvida terão efeitos positivos para a economia e, por consequência, para os mercados de ações. Dado esse ponto de partida, estamos otimistas quanto ao desempenho de longo prazo das bolsas europeias.