Independente do governante que esteja no executivo no momento em que você, leitor, estiver lendo este breve artigo, tenha em mente que a situação fiscal do país nesta segunda metade da década de 2010 é complexa por diversos motivos – como o engessamento do orçamento e o aumento de diversos gastos ocorrendo acima da inflação e do PIB há mais de uma década. Reformar é preciso? Sim. É fácil, desejável e socialmente aceitável? Logicamente que não. O motivo principal? Em momentos como esses, alguns grupos acabarão perdendo mais do que outros e, pela natureza humana, ninguém gosta de perder benefícios, direitos, privilégios ou qualquer denominação análoga.
O fato é que, como disse Armínio Fraga pouco mais de um ano atrás [1], não estamos entre a escolha de realizar mudanças ou sermos felizes, mas sim entre colocar reformas em prática ou seguirmos ladeira abaixo. Não se fala aqui especificamente em uma piora irremediável da situação que temos atualmente, mas da complicação considerável que se coloca sobre um cenário em que atualmente já se prevê pouca abertura para investir enquanto gastos seguem ocorrendo. Em uma breve ponderação, a diferença entre gasto e investimento é o tempo em que se observa o bem-estar: no gasto tem-se o bem-estar em tempo presente e no investimento este ocorre ao longo do tempo.
A tarefa de reformar é indigesta e as propostas dispostas parecem não agradar. Então o que se tem de alternativa até o momento? Curiosamente, o mesmo conjunto de escolhas que nos trouxe até aqui. Duvida? Basta analisar alguns dos pontos econômicos propostos pela Frente Brasil Popular [2]. Nela, estão constando basicamente os pontos da ampliação do controle do Estado sobre a economia, da revogação da emenda constitucional que limita os gastos públicos e, um item indispensável para muito do que se tem feito nos últimos governos brasileiros, a enumeração de ideias que parecem ser muito simples, mas ninguém tem a resposta de como fazê-las virar realidade.
Abrindo um pouco sobre estes pontos:
- A ampliação do Estado sobre a economia nos últimos anos não é uma novidade: além dos volumosos empréstimos subsidiados do BNDES (majoritariamente destinados a empresas de grande porte, que poderiam captar recursos por outros meios de mercado [3]) e das participações adquiridas pela BNDESPar, direcionamentos diversos sobre inúmeros setores vêm ocorrendo (citando apenas um, talvez o que tenha saído mais caro: a medida provisória que encurtou contratos de longo prazo buscando redução nas contas de energia [4]) e, como podemos observar, quando não da geração de colossais prejuízos, têm aberto uma janela para a corrupção, como nos mostram as investigações mais recentes da Lava Jato;
- Sinalizar que não há um limite para o orçamento público é, em termos práticos, ignorar que o país vem gastando muito mais do que arrecada em recursos e que o endividamento gerado já apresenta sinais de insustentabilidade no longo prazo; o reconhecimento de que há limite para o orçamento público é uma obviedade (apesar de ser diferente do caso do orçamento doméstico, por motivos mais complexos do que “o saldo ser negativo” [5]), e deixar de reconhecer é não levar em conta a situação atual de saldo negativo ano a ano;
- As soluções simples e erradas são um clássico: “Adoção de uma nova política econômica, tendo como vetor o desenvolvimento, adequando as taxas de juros, o câmbio e a política fiscal à realidade da economia brasileira e dentro dos padrões internacionais”. Não seria tudo isso o que nos ajudou a chegar na situação atual? Só um lembrete: a tal Nova Matriz Econômica, agora órfã (pois ninguém quer assumir sua paternidade, dado que contribuiu para a deterioração econômica observada nos últimos anos [6]), englobou diversos dos pontos desta proposta apresentada como sendo a solução para a crise brasileira atual.
Em suma: sempre que pensar sobre uma reforma ser dura demais, pense nos aspectos que poderiam ser alterados para que assim não o fosse, em mudanças que podem atacar privilégios estabelecidos protegendo os direitos dos menos favorecidos. Imagine por exemplo se, em vez de colocar uma idade mínima para aposentadoria, fosse apenas fixado um valor máximo para todas as aposentadorias do país como sendo o teto do INSS: não resolve a situação demográfica que irá ocorrer, mas deve suavizar os efeitos da atual proposta de esticar o tempo de contribuição. Mas, evite levar a sério aquilo que coloca uma nova roupagem em uma estrutura que já se demonstrou fadada ao fracasso. Aliás, apenas frisando: a conta já está sendo paga, não é mais nem uma questão de “empurrar o problema adiante”...