Não nego, o resultado do Bradesco foi bem ruim. Algumas linhas vieram boas mas, no geral, a queda de alguns indicadores mostrou aos investidores que o Covid-19 também impactou o nosso setor financeiro.
Porém, continuo achando o banco barato e admito que o carrego vai ser mais árduo agora. Mas estamos falando de um dos maiores bancos privados do país que nos últimos anos tem apresentado resultados cada vez mais fortes e sólidos. Uma hora toda essa tempestade passa e, quando passar, geralmente, o preço já não vai estar no mesmo lugar (rs).
COMO O BANCO REAGIU AO COVID-19
Vou inverter desta vez. Geralmente começo falando do resultado, mas acho válido começar falando do que o banco tem feito em relação a todo esse cenário.
O banco instaurou um comitê de crise formado pelo Diretor-Presidente, todos os Vice-Presidentes e pelo CRO (Chief Risk Officer), que seria o Diretor de Risco, que se reúne diariamente e reporta ao conselho de Administração as mudanças sobre a evolução do Covid e o que pode ser feito.
Além disso, acionaram o PCN (Plano de Continuação de Negócios) desde a segunda quinzena de março. Sendo assim, foi possível continuar trabalhando remotamente: cerca de 96% das transações começaram a ser realizadas pelo meio de autosserviços. Mobile Banking cresceu de forma considerável, juntamente, com o número de transações via mobile.
Disponibilizaram 36 mil gerentes de conta equipados e prontos para realização de negócios e transações, oferecendo consultoria a clientes por áudios ou teleconferências.
As agências estão funcionando em todas as localidades em que há permissão, com horário de atendimento diferenciado para idosos e grupo de riscos.
Intensificaram a comunicação com os clientes, enviando SMS e mensagens pelo aplicativo, auxiliando com o uso do app mobile, bem como novas funcionalidades e serviços disponíveis.
Não poderiam ficar de fora os clientes da companhia:
Por fim, o banco reforçou a sua governança e suas políticas. Em políticas de Crédito, o principal foco da companhia é apoiar os clientes, com muitos “ratings” sendo mantidos até junho. Mantiveram a equipe de recuperação de crédito 100% ativa e incorporaram aos seus modelos de créditos as novas variáveis de risco do cenário atual.
Parece que o banco tentou fazer um bom dever de casa, vamos perceber melhor os impactos olhando agora para os resultados.
RESULTADO BRADESCO
Olhando para o resultado, de cara já percebemos que não foi bom. Tivemos uma queda expressiva no Lucro Líquido do banco, uma provisão extremamente grande em comparação ao período anterior, resultado das operações de seguros e previdência, que foram muito aquém do esperado, e, para completar, a cereja do bolo: o índice que mede a rentabilidade do banco caiu quase 9p.p. em comparação ao mesmo período anterior.
Vou tentar passar por cada um para explicar melhor. Começando pelo Lucro Líquido:
Aqui fica mais claro para entender o que aconteceu. Notem que eu sublinhei de vermelho o que considero importante. Olhar essa demonstração é quase como olhar uma outra DR, de uma companhia de outro setor.
A Margem Financeira é como se fosse a Receita Líquida da companhia. Percebe-se, inclusive, que ela foi levemente melhor em relação ao 1T19, sendo que 90% do resultado vem de Margem com Clientes, que teve alta de 8,4% vs 1T19. Já a Margem de Mercado caiu drasticamente e, segundo a companhia, grande parte dessa piora vem de marcação a mercado de ativos de Renda Variável e os impactos do IPCA e Selic em alguns de seus ativos.
Mas, no geral, Margem Financeira foi ok. Passando para PDD (Provisão de Devedores Duvidosos), aí sim fica claro que o impacto foi nesta linha. De todas as outras linhas, a única que cresceu quase 100% foi essa.
Foi um mix de uma provisão muito maior e de pouca recuperação de crédito para tentar equalizar um pouco a conta. O impacto já é visto no Resultado Bruto da Intermediação Financeira (como se fosse o Lucro Bruto). Se formos descendo ainda, temos o Resultado de Operações de Seguros, Previdência e Capitalização, que caiu 23,4% vs 1T19. Porém, mesmo com essa queda, o impacto final continua por conta da PDD. As outras linhas não têm muito impacto, como despesas operacionais, que ficaram de lado, despesas tributárias ou resultado de coligadas. E não há muito o que se fazer na parte de IR/CS. Então, o que impactou o Lucro Líquido da companhia foi uma PDD muito maior neste trimestre.
Mas Breno, me explica melhor como ficou essa PDD...
A provisão total ficou em R$ 5,1 bilhões, sendo R$ 200 milhões de provisões requeridas para o mês de março. Desses R$ 200 milhões, algumas já estão dadas como perdidas e algumas ainda podem ser recuperadas. Isso não quer dizer que tudo vai virar inadimplência… algumas vão e outras não, é bom ter isso em mente.
Ainda dentro da nova provisão complementar, existe uma diferença entre reserva e provisão na contabilidade. Provisão é dado como algo certo e a companhia já está deixando esse dinheiro preparado para pagar seja o que for. Mas, neste caso dos bancos, ainda não aconteceu e a provisão é mais uma reserva. Isso acontece pelo seguinte motivo.
O banco lança o que seria o “risco real” de um calote acontecer, mas esse lançamento pode ir mudando com o passar do tempo. De forma bem rápida e resumida, parte desse PDD no próximo resultado pode ter sido pago ou renegociado, logo, ele volta para a DRE como “Recuperação de Crédito”, o que é positivo para o banco. O PDD é uma conta redutora de ativos do banco e, se acontece pagamento pela parte devedora, o PDD é reduzido e volta para o caixa do banco.
Então calma, pessoal. Se o banco fizer um bom trabalho, parte desse PDD pode voltar e nem tudo é o fim do mundo. Mas vale ressaltar que a companhia já adiantou em sua teleconferência que os próximos resultados podem continuar tendo aumento do PDD por conta do novo cenário mais desafiador e que isso pode perdurar até o fim do ano.
Além disso, entrando um pouco na parte de Seguros e Previdência, a companhia comentou que o mais impactou essa linha foi efeito de mercado. Porém, comentam que se deve ver um aumento de eventos indenizáveis por conta da pandemia. Na medida que a gente tem um cenário de flexibilização do distanciamento, é muito provável que a frequência de sinistro aumente um pouco mais e novas vendas fiquem para uma recuperação. Hoje os esforços estão sendo alocados para renovação.
Outro ponto que comentaram é que estavam crescendo 36% no crédito pessoal até a primeira quinzena de março (com margem muito boa). Mas, depois dos impactos, a carteira de crédito pessoal não vai conseguir crescer mais nesses níveis neste ano. Crédito imobiliário deve crescer menos por conta do mercado, cartão de crédito vai diminuir por conta da queda demanda e recuperação deve ser mais lenta.
Para finalizar, vamos olhar para os três indicadores que dizem respeitos a inadimplência, cobertura e performance dos seus ativos:
Aqui está o pulo do gato. É o que me preocupa, mas, ao mesmo tempo, acredito que o banco vai saber manobrar em cima disso.
O Índice de Inadimplência acima de 90 dias saiu de 3,3% em março de 2019 para 3,7% em março de 2020 com alta de 0,4 p.p. devido ao agravamento da crise do Covid-19. O que me deixa preocupado é o fato deste índice ter aumentado relativamente bastante em pouco tempo para o banco, pois foi a partir da segunda quinzena de março que tudo começou a piorar para eles.
O Índice de Cobertura caiu para 227,9 por conta do aumento também da inadimplência no período. Este índice mede a relação entre reserva financeira e as despesas fixas do banco - se a inadimplência de 90 dias sobe, isso piora o índice de cobertura, porque dificulta suas condições de manter um padrão de custos.
Por fim, o NPL Creation total em relação a carteira de crédito atingiu 1,5% no 1T20. O NPL nada mais é que um índice que mede os “ativos não produtivos de juros” do banco, são empréstimos ou financiamentos que não são honrados. Esse índice também piora com o aumento da inadimplência e diz respeito aos ativos da companhia, pois empréstimos e financiamentos são onerosos para o banco. Sendo assim, esse índice indo para 1,5% da carteira de crédito, quer dizer que 1,5% do total da carteira de crédito não está rendendo para o banco.
MEU OUTLOOK PARA BBDC4 (SA:BBDC4)
Eu concordo que o cenário ficou mais desafiador para os bancos, ainda por cima com suspensão de dividendos ou JCP’s por conta do cenário do Covid-19.
Mas eu ainda vejo como oportunidade. O cenário é complicado, mas é passageiro. Estamos falando de uma das maiores instituições financeiras do país que já tem ciência do cenário adverso e está trabalhando em cima dele para não ficar para trás.
O banco já tem feito muita coisa para poder continuar operando bem. O foco agora é tentar minimizar os impactos dos próximos trimestres até essa crise passar.
Todavia, o que me atrai ainda no case são os múltiplos em que ele negocia:
Para 2020 eu espero que o banco esteja negociando 8,1x lucros e 1,1x em relação ao seu valor patrimonial. Se voltarmos a pouco tempo atrás, essa relação entre preço e valor patrimonial estava em mais de 2x.
Hoje me parece mais factível pelo desconto em seus múltiplos ficar exposto aos bancos, mesmo que o carrego seja chato. São setores mais defensivos também quando olhamos para crise: eles sofrem, mas tendem a sofrer bem menos que outros setores.
E que desconto é esse? Um desconto frente ao seu P/L histórico, abaixo de 1 desvio-padrão.
Além disso, quando olhamos para o P/VPA do banco, o mesmo também se encontra abaixo de 1 desvio-padrão e longe da sua média histórica.
Logo, vejo como justo para o banco negociar em torno dos R$ 30,00 por ação.
Era isso, valeu!