Se o seu dinheiro só falar apenas “real”, ele vai ficar mais burro e pobre

Publicado 26.07.2025, 12:05

O rendimento do CDI brasileiro nos últimos dez anos, acumulando 142% em termos nominais, tem sido frequentemente apresentado como prova da robustez da renda fixa nacional. Em uma primeira leitura, o número impressiona e sugere que o investidor conservador teria sido amplamente recompensado pelo simples fato de permanecer no mercado doméstico. Entretanto, basta um olhar técnico e desapaixonado para perceber o quanto essa trajetória esconde armadilhas e limitações que, ao final, colocam o investidor brasileiro em desvantagem estrutural frente ao cenário internacional.

CDI X IPCA X DÓLAR – “TÔ RICO. TÔ POBRE"

A cena clássica e hilária do “Estou cansado dessa agonia de ficar rico, ficar pobre, ficar rico, ficar pobre” do João Grilo, no emblemático filme “O Auto da Compadecida” do saudoso Ariano Suassuna, resume bem o que é investir apenas no Brasil, principalmente quando focamos apenas na renda fixa.

Quando descontada a inflação acumulada, a rentabilidade real do CDI cai para apenas 38% no período – menos de 4% ao ano. Convertido para o dólar, esse retorno se reduz a meros 4% em uma década. Ou seja, toda a exuberância dos juros altos nacionais é, na prática, drenada pelo próprio custo Brasil: inflação persistente, desvalorizações cambiais recorrentes e uma taxa de juros que revela mais as mazelas fiscais do país do que qualquer virtude econômica.

Esse fenômeno não é isolado. O mesmo ambiente que oferece “retornos gordos” em renda fixa é o que inibe a tomada de risco, tolhe a diversificação e perpetua a armadilha do mercado local. O investidor que opta por permanecer exclusivamente atrelado ao CDI faz uma escolha de proteção – compreensível à luz das crises históricas brasileiras –, mas, ao mesmo tempo, abdica do acesso ao crescimento global, à inovação e à solidez de moedas fortes. Um dado eloquente: no mesmo intervalo de dez anos em que o CDI rendeu 142%, o S&P 500, principal índice acionário dos Estados Unidos, avançou cerca de 190%, em dólares e antes de dividendos. Isso significa que quem diversificou internacionalmente não apenas defendeu seu patrimônio contra a inflação, mas também multiplicou seu poder de compra global.

Do ponto de vista fundamentalista, a preferência quase religiosa pelo CDI é o sintoma de uma cultura financeira reativa, moldada por décadas de choques macroeconômicos, planos fracassados e volatilidade institucional. As taxas altas são, sobretudo, um prêmio de risco pela instabilidade fiscal e política do país. Os investidores, por sua vez, respondem a essa incerteza buscando refúgio em instrumentos pós-fixados, blindados pelo Banco Central e pelo Tesouro. Entretanto, a própria história da renda fixa brasileira demonstra que grandes fortunas raramente foram construídas dessa forma. O prêmio oferecido pelo CDI é corroído por crises, saltos inflacionários, mudanças abruptas de regras e, sobretudo, pela incapacidade de sustentar ciclos longos de crescimento.

A análise dos fluxos globais de capitais recentes reforça o argumento da oportunidade perdida. Em 2024 e 2025, o mundo assiste a um movimento relevante de realocação de recursos dos países desenvolvidos para mercados emergentes, especialmente para dívidas em moeda local. Dados do Bank of America (NYSE:BAC) e do Financial Times mostram um aumento do apetite por bonds de países como Brasil, México, Índia e Indonésia. Isso não acontece por acaso: após anos de dólar forte e de juros baixos no mundo desenvolvido, o cenário mudou. A desvalorização da moeda americana e o diferencial de taxas de juros estimularam a busca por retornos mais elevados nos emergentes. Ao mesmo tempo, o ambiente global está mais atento ao equilíbrio fiscal, à qualidade das reservas internacionais e à solidez institucional de cada país – fatores que podem favorecer o Brasil se, e somente se, houver disciplina macroeconômica a partir de 2027.

O investidor atento percebe que o ciclo global não se resume à simples comparação de números passados. O contexto atual exige novas abordagens de diversificação. Uma carteira verdadeiramente resiliente é aquela que se expande além das fronteiras geográficas e dos setores tradicionais. Investimentos em índices globais, títulos soberanos indexados à inflação, commodities e ativos alternativos se tornam não apenas desejáveis, mas necessários. Os grandes gestores do mundo já não operam com a lógica de “apostar no vencedor do ano”. Eles montam portfólios com múltiplos motores de retorno, ajustando exposição conforme o ciclo global muda.

No Brasil, a lista de ações que conseguiram superar o CDI na última década é diminuta. Segundo levantamento da Economatica, apenas algumas dezenas de papéis conseguiram esse feito, liderados por casos extraordinários como PetroRio (BVMF:PRIO3), que rendeu mais de 11.000%. No entanto, é preciso reconhecer que esses exemplos são outliers – exceções, não regra. O investidor pessoa física raramente tem acesso a informações, tempo e disciplina para repetir esses resultados no longo prazo. O risco de estar exposto exclusivamente ao mercado local é ficar sujeito a eventos políticos, fiscais ou regulatórios que, da noite para o dia, mudam completamente o jogo. Até porque, como já dizia Pedro Malam – “No Brasil, até o passado é incerto”.

Por outro lado, a reabertura dos fluxos globais, a tendência de desdolarização parcial de reservas internacionais e a busca por retorno em países com fundamentos sólidos abrem janelas de oportunidade para quem está preparado e atento. O investidor que antecipa movimentos e estrutura sua carteira com exposição internacional, seja por meio de BDRs, fundos globais, ETFs ou mesmo ativos reais como imóveis e commodities, está em posição privilegiada para capturar o próximo ciclo de crescimento global. Ao mesmo tempo, a elevação dos juros internacionais exige cautela e gestão ativa: duration curta em renda fixa, seleção criteriosa de crédito, proteção cambial e monitoramento contínuo de risco macroeconômico.

O cenário à frente não está livre de desafios. O Brasil segue carregando suas idiossincrasias: volatilidade política, dificuldade de avançar em reformas estruturais, ambiente tributário hostil e muita insegurança fiscal, jurídica e econômica. Mas, paradoxalmente, é justamente nesse contexto de incerteza que surgem as maiores oportunidades para quem consegue fugir do rebanho. O investidor que se liberta da dependência exclusiva do CDI – e do conforto ilusório dos retornos nominais altos – terá maior capacidade de preservar e expandir patrimônio. Diversificar deixou de ser um conselho genérico; tornou-se questão de sobrevivência – a “Gaita Mágica de João Grilo”.

Em síntese, o retorno do CDI nos últimos dez anos ilustra tanto a resiliência do investidor brasileiro quanto as limitações de uma estratégia centrada no mercado doméstico. O ambiente global exige olhar amplo, disciplina técnica e capacidade de adaptação. Em um mundo onde o capital flui rapidamente para onde encontra melhor risco-retorno, quem permanece inerte corre o risco de se tornar irrelevante. O Brasil continuará oferecendo prêmios – mas, para capturá-los plenamente, é preciso ousar, aprender e agir além das fronteiras convencionais. Até porque, se o seu dinheiro falar apenas “real”...

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