Nas últimas semanas, o governo dos Estados Unidos, sob a liderança de Donald Trump, anunciou um novo tarifaço com impacto global: uma elevação generalizada de tarifas de importação de pelo menos 10% para diversos países, incluindo o Brasil. A medida, que atinge setores como aço, alumínio, veículos elétricos, baterias, semicondutores e produtos médicos, busca proteger a indústria americana e reduzir a dependência de insumos estrangeiros — em especial da China. No entanto, seus efeitos extrapolam os alvos declarados e já começam a influenciar fluxos de comércio, cadeias produtivas e decisões de investimento ao redor do mundo.
Em um primeiro momento, esse aumento protecionista tende a elevar a volatilidade nos mercados globais. O índice VIX, conhecido como "termômetro do medo", subiu 12% na semana seguinte ao anúncio das tarifas. Esse aumento na percepção de risco pode reduzir a confiança dos investidores e adiar decisões estratégicas. Operações de M&A, que normalmente exigem estabilidade para precificação adequada de ativos e planejamento de integração, tendem a sofrer em períodos de maior incerteza.
Por outro lado, o real desvalorizado, que acumula perda de cerca de 11% frente ao dólar desde o início do ano, pode tornar os ativos brasileiros mais atraentes para compradores estrangeiros. Empresas americanas e europeias, buscando alternativas de crescimento fora de seus mercados domésticos, podem considerar o Brasil como uma oportunidade de aquisição a preços mais competitivos, especialmente em setores resilientes ao comércio internacional, como saúde, consumo básico e tecnologia. Em 2023, compradores estrangeiros responderam por cerca de 33% das transações de M&A no país — proporção que pode crescer em um cenário de câmbio favorável.
Setores ligados a commodities e manufatura, no entanto, podem enfrentar dificuldades adicionais no curto prazo. A sobretaxa sobre aço e alumínio, por exemplo, impacta diretamente a competitividade da produção brasileira nos EUA — destino de quase 15% das exportações brasileiras de aço. Caso as tarifas reduzam a demanda global ou gerem represálias por parte da China, empresas brasileiras expostas a exportações, como mineração, siderurgia e agronegócio, podem ver seus resultados pressionados. As exportações brasileiras para a China somaram US$ 104 bilhões em 2023 — 30% do total — e uma retração na economia chinesa pode afetar diretamente o valor e o volume de ativos nesses setores.
Do ponto de vista dos investidores financeiros, como fundos de private equity, o tarifaço pode criar oportunidades de aquisição de empresas a preços descontados, especialmente aquelas que enfrentem dificuldades temporárias de caixa. Globalmente, os fundos de private equity estão sentados sobre mais de US$ 2 trilhões em "dry powder" (capital comprometido ainda não investido), e parte desse capital pode ser direcionada para oportunidades em mercados emergentes. No Brasil, fundos locais e internacionais têm mantido interesse em setores defensivos, e movimentos oportunistas devem ganhar força em contextos de estresse seletivo.
Por fim, é importante lembrar que o impacto do tarifaço nos fluxos de M&A no Brasil dependerá em grande parte da duração e da intensidade das medidas protecionistas. Se o conflito comercial se prolongar, poderemos ver movimentos de reconfiguração de cadeias produtivas que até beneficiem o Brasil em certos segmentos. A título de exemplo, em 2023, o México atraiu mais de US$ 35 bilhões em investimento estrangeiro direto com base em estratégias de nearshoring — e há expectativa de que o Brasil possa capturar parte dessa dinâmica, especialmente no setor de manufatura leve.
Assim, o tarifaço de Trump, embora motivado por objetivos domésticos e geopolíticos, reverbera pelo mundo e cria novos desafios — e oportunidades — para a atividade de M&A no Brasil. Investidores atentos à dinâmica global e locais resilientes poderão transformar a volatilidade em vantagem estratégica.