Kathy Lien, diretora executiva de estratégia de câmbio da BK Asset Management
O Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) reduziu as taxas de juros em 25 pontos-base pela primeira vez de 2008 e, ao invés de derrapar, o dólar norte-americano disparou. Normalmente, os cortes de juros são negativos para a moeda americana, mas, no caso do Fed, os investidores interpretaram as ações de ontem como positivas para a divisa pelas seguintes razões:
Três razões que fizeram o dólar disparar depois dos cortes de juros do Fed
1. Dois membros do FOMC votaram contra um corte de juros;
2. O presidente do Fed, Jerome Powell, declarou que o corte de juros não representa necessariamente o início de uma longa série de cortes;
3. Powell destacou a força do mercado de trabalho, a elevação nas vendas do varejo e a resiliência da economia.
Observando o anúncio de política monetária de ontem, é possível perceber que o mercado já havia descontado totalmente um corte de 25 pontos-base, mas alguns traders esperavam um corte mais agressivo de 50 pontos-base. Em vez disso, enquanto a maioria dos membros do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC, na sigla em inglês) votou a favor do corte de juros, dois integrantes (George e Rosengren) preferiram deixar as taxas inalteradas. Em artigos anteriores, já falamos sobre como o voto era um dos aspectos mais importantes da decisão da política monetária. No geral, o banco central não foi tão flexível quanto o mercado esperava, e esse viés foi reforçado pelos comentários do presidente da instituição, Jerome Powell. De acordo com Powell, o corte de juros de ontem visava elevar a inflação e oferecer proteção contra os riscos de recessão, pois, mesmo com a incerteza mundial e as preocupações com o comércio, o Fed acredita que a perspectiva para a economia é favorável. Powell se esforçou para destacar a força do mercado de trabalho, o recente aumento das vendas no varejo e a resiliência geral da economia. Embora tenha citado certa fraqueza na indústria, afirmou que a economia está mais próxima dos seus objetivos do que já esteve durante muito tempo. Seus comentários preparados não forneceram projeções, mas, durante a sessão de perguntas e respostas, ele afirmou que aquele não era o início de um longo ciclo de afrouxamento, mas poderia haver um novo corte se necessário.
Embora o corte de 25 pontos-base de ontem não seja um movimento excepcional para o Fed, o banco central não vê razão para uma ação subsequente imediata. De fato, considerando que Powell acredita que “nada na economia dos EUA representa um grande perigo no curto prazo”, ele disse que talvez não seja necessário realizar outro corte neste ano. O dólar norte-americano se valorizou em relação a todas as principais moedas, e pode ser que o movimento de alta continue se o Fed acabar sendo um dos bancos centrais menos flexíveis.
Depois de termos tratado do FOMC, vamos agora mudar o foco para a libra esterlina e o Banco da Inglaterra. O Banco da Inglaterra não só tem um anúncio de política no calendário, como também divulgará um relatório de Inflação Trimestral e atualizará as projeções econômicas. Sabemos que, para o banco central inglês, é muito difícil prever o que aguarda a economia do Reino Unido até que o governo decida como será sua saída da União Europeia, e a situação hoje não está mais clara do que há um mês, três meses ou mesmo seis meses.
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Reino Unido tem um novo primeiro-ministro e, a julgar pelo comportamento dos preços da libra na semana passada, os investidores não ficaram impressionados. Sua promessa de ser linha-dura no Brexit e seu compromisso com o prazo de 31 de outubro para deixar a União Europeia deixam todo mundo nervoso, inclusive o Banco da Inglaterra. De acordo com o novo líder do país, “chegou a hora de agir”. Com menos de 20 dias úteis no Parlamento antes do prazo, as chances de se chegar a um acordo dentro desse período são extremamente exíguas. Apesar de ainda acreditarmos que Johnson solicitará uma prorrogação, a UE e o Banco da Inglaterra precisam levar em consideração a possibilidade cada vez maior de um Brexit sem acordo.
Quando o banco central se reuniu pela última vez em junho, suas preocupações se concentravam no crescimento global, mas a instituição também afirmou que “se as previsões estiverem corretas, será necessário adotar uma política de aperto monetário". Sua previsão básica é fechar um acordo de saída, mas só vamos saber se isso vai acontecer na última hora.
Esperamos que o Banco da Inglaterra reconheça o risco maior de um Brexit sem acordo e o distúrbio que isso pode provocar no mercado, mas, ao fim e ao cabo, a instituição não realizará qualquer mudança na política monetária até que os termos da saída venham a público. Se o banco central reiterar que “se as previsões estiverem corretas, será necessário adotar uma política de aperto monetário”, a corrida para cobrir posições de venda a descoberto impulsionará a libra, pois o Banco da Inglaterra seria o único grande banco central a considerar uma elevação nas taxas de juros. No entanto, se não houver qualquer menção sobre a elevações da taxa de juros, a libra ampliará sua queda. Analisando a tabela abaixo, a despesa com consumo e as condições do mercado de trabalho melhoraram desde a última reunião, mas houve uma desaceleração na atividade industrial e do setor de serviços. Ao contrário de outros países onde a inflação está bem abaixo da meta, o IPC do Reino Unido encontra-se exatamente em 2%. Os traders também devem ficar de olho nas mudanças nos dados de crescimento e inflação do banco central, pois esses fatores podem ser mais decisivos para a libra hoje.
Conjunto de dados da libra esterlina
Por fim, os dados da Zona do Euro são mistos, com vendas no varejo na Alemanha apresentando forte alta em junho, ao passo que as condições do mercado de trabalho no país continuam estáveis. O PIB e a inflação na região desaceleraram, mas nenhum desses relatórios teve um impacto significativo no euro, que aguardou o FOMC para ampliar a queda. O dólar australiano, por outro lado, respondeu positivamente ao IPC mais forte e aos PMIs da China. As pressões inflacionárias aumentaram no segundo trimestre em 0,6%, uma alta em relação ao 0% no 1T. Esse aumento foi mais forte do que o esperado e impulsionou a taxa anualizada de 1,3% para 1,6%. Embora essa tenha sido a primeira elevação nas pressões do preço anualizado desde o segundo trimestre de 2018, o baixo nível dos preços deixa a porta aberta para uma flexibilização maior.