Os grãos tiveram sua melhor cotação da década quando a pior seca em meio século quase dizimou a produção de soja, milho e trigo nos EUA em 2012 – uma rara ocorrência que afligiu os três maiores mercados agrícolas de uma só vez.
Desde então, cada componente do setor de grãos apresentou seus próprios altos e baixos, aparentemente com base nos fundamentos. Mas, por mais estranho que pareça, o mesmo personagem esteve por trás da volatilidade desses três mercados nos últimos anos: o presidente dos EUA, Donald Trump.
Em 2012, mais de 70% do Centro-Oeste norte-americano apresentou algum estágio de seca no mês de julho, configurando as piores condições de cultivo dos EUA desde 1956.
Embora a seca tenha feito os preços dos grãos disparar, a queda de produtividade e as safras perdidas foram ruins tanto para os produtores quanto para os consumidores, já que o milho, a soja e o trigo dos EUA, maior país exportador desses grãos no mundo, ficaram improdutivos no campo ou foram enterrados apenas para sinistros de seguro.
Os grãos atingiram sua maior cotação desta década durante a seca de 2012
No auge da seca de 2012, a soja era negociada ao redor de US$ 17,89 por bushel; o trigo, a quase US$ 9,44; e o milho, a aproximadamente US$ 8,44.
Sempre como catalisador da imprevisibilidade do mercado, Trump fez a soja atingir as mínimas de 10 anos, ao redor de US$ 7,91 por bushel, em maio deste ano, com o acirramento da guerra comercial contra a China. Até a deflagração da disputa comercial em meados de 2018, mais da metade das aquisições de soja da China vinha dos EUA.
Além de aplicar tarifas retaliativas contra os EUA no ano passado, a China também reduziu a zero as importações de soja norte-americana nos meses de agosto, setembro e outubro de 2018.
Depois de um ano, a situação da soja americana melhorou, graças ao recuo chinês em relação à sobretaxação do produto, em um gesto que parece indicar que o acordo comercial pode estar em andamento. Os futuros da soja negociados em Chicago se recuperaram nos últimos tempos, alcançando US$ 9,41 por bushel.
Situação da soja continua incerta até a assinatura do acordo comercial
Até a assinatura do acordo comercial, a demanda da soja norte-americana não está exatamente garantida.
Diversas reportagens dão conta da insatisfação chinesa com o fato de Trump ter condicionado o acordo ao compromisso antecipado de Pequim de comprar US$ 50 bilhões em produtos agrícolas norte-americanos por ano, sem, contudo, termos conhecimento dos termos desse compromisso.
E quanto mais demora a assinatura do acordo, mais incerta se torna a negociação da soja, principalmente com a reação de Trump, que busca reeleição em novembro.
Desde que começaram a aumentar os rumores de um possível acordo entre os dois países no final de outubro, as aquisições mensais da soja americana pela China mais do que dobraram, atingindo 2,6 milhões de toneladas em novembro. Mas o Brasil continua sendo o maior fornecedor de soja da China, que importou do país sul-americano 3,9 milhões de toneladas no mês passado.
Pequim também vem aumentando suas importações do grão provenientes da Rússia. Na semana passada, a imprensa russa noticiou que o país está usando pela primeira vez o transporte ferroviário para entregar o produto à China, de acordo com o CoFeed, banco de dados agrícola chinês. A estatal chinesa China Oil and Food Corporation (COFCO) receberá 250 toneladas de soja russa neste mês.
Autoridades americanas e chinesas disseram que iniciarão as negociações da segunda fase do acordo comercial assim que a primeira fase for concluída. No entanto, o porta-voz do Ministério do Comércio da China, Gao Feng, declarou, na semana passada, que Pequim “se opunha firmemente” à Lei de Autorização de Defesa Nacional dos EUA, sancionada por Trump neste mês.
O país asiático foi mencionado 202 vezes na lei, e os legisladores americanos planejam confrontar a China em relação a uma série de ameaças e preocupações, como sanções a empresas chinesas, esforços de infiltração de chineses em universidades e institutos de pesquisa norte-americanos e a Iniciativa do Cinturão e Rota de Pequim. A lei também torna mais difícil levantar as sanções à gigante de telecomunicações Huawei.
China continua reclamando da intervenção dos EUA “em operações corporativas empresas”
As restrições impostas pela lei à “aquisição de produtos e exportações de empresas chinesas são maus exemplos da intervenção governamental em atividades e operações corporativas normais, o que vai de encontro com os valores americanos de um comércio livre e justo. Ela prejudica o comércio internacional e a cadeia industrial global”, declarou Gao. “A China vai monitorar de perto os impactos dessa lei nas empresas do país e tomar as medidas cabíveis para proteger os direitos das companhias chinesas”.
Além dos transtornos ao comércio de soja, Trump desagradou o lobby do milho na semana passada, ao beneficiar os refinadores de petróleo quanto à redução do teor de etanol na gasolina.
Milho perto das mínimas de 3 meses, enquanto Trump desagrada o lobby do etanol
O milho está perto das mínimas de três meses, ao redor de US$ 3,89 por bushel, mas ainda longe da mínima de seis anos, a US$ 3,01, atingida em agosto de 2016, quando ocorreu um excesso de oferta mundial do grão.
O governo Trump definiu os requisitos de mistura de biocombustíveis para a última semana de 2020, deixando inalterada uma parte essencial da norma em relação a uma proposta anterior, considerada inadequada pelo lobby do milho para ajudar os produtores em dificuldade.
A iniciativa deve enfurecer os representantes da indústria de biocombustíveis e os senadores dos estados produtores de milho, que vinham pressionando o governo até o último momento para que fizesse alterações, chegando até a ameaçar o apoio dos agricultores ao presidente antes da eleição do ano que vem.
De acordo com a Norma de Combustíveis Renováveis dos EUA, a Agência de Proteção Ambiental do país será responsável por definir os requisitos de mistura dos biocombustíveis para que a indústria de refino auxilie os agricultores, impulsionando a demanda de combustíveis à base de milho e soja, ao mesmo tempo em que reduz a dependência do país ao petróleo.
A lei aumenta o volume dos requisitos de mistura de 19,92 bilhões de galões, em 2019, para 20,09 bilhões de galões em 2020. O decreto não alterou o volume de 15 bilhões de galões de biocombustíveis convencionais, como etanol, de 2019.
Trump e autoridades da Casa Branca intervieram diretamente nas discussões sobre os requisitos dos biocombustíveis, em uma tentativa de apaziguar os agricultores, cujo apoio Trump considera importante para a eleição presidencial de novembro.
“Aparentemente o presidente Trump não dá a mínima importância para sua promessa com os agricultores de Iowa”, declarou Jim Greif, presidente da Associação de Produtores de Milho, que disse ainda que o lobby “não vai parar de lutar pelo acesso do milho ao mercado de todas as formas.”
Presidente denigre o trigo e prejudica agricultores
Em relação ao trigo, em meados do ano, Trump fez comentários depreciativos sobre as vendas do grão ao Japão, descrevendo o trigo como um intercâmbio comercial ruim, em comparação com os carros japoneses vendidos aos Estados Unidos.
O governo Trump conseguiu firmar um acordo comercial com Tóquio no início deste mês, pavimentando o caminho para a venda de produtos agrícolas e de proteína animal mais baratos ao Japão. Tóquio, por sua vez, conseguiu cortes tarifários nos EUA para determinados bens manufaturados, como ferramentas mecânicas e instrumentos musicais.
E os preços do trigo estão perto das máximas de dois anos e meio, a US$ 5,58 por bushel, novamente por causa da seca, desta vez na Austrália e na Rússia.
Mas quando Trump fez seus comentários sobre o trigo em agosto, o mercado estava próximo das mínimas de três meses, ao redor de US$ 4,56 por bushel, levando a Liga de Produtores de Trigo do Oregon a dizer que estava “profundamente desapontada” com o presidente.
“Reconhecemos muitos avanços que o governo Trump proporcionou à agricultura, mas sinceramente esperamos que o presidente reserve tempo para se informar melhor sobre a grande história de sucesso e o legado construído entre os produtores norte-americanos e nossos clientes no Japão”, declarou a Liga em uma nota.
A organização sugeriu que Trump ignorava totalmente a relação entre os moleiros japoneses e os agricultores norte-americanos, que teve início em 1949, quando se formou uma delegação comercial para estudar a expansão das vendas do trigo.
Desde então, o Japão se tornou o principal mercado do trigo norte-americano e o segundo principal consumidor do trigo branco fino cultivado no Noroeste do Pacífico, afirmou a Liga. O trigo norte-americano tem 50% de participação de mercado no Japão.
“Nossos clientes japoneses não compram nosso trigo por uma questão de favor ou para nos deixar felizes; eles compram nosso trigo porque construímos uma relação com eles, ganhamos sua confiança, ouvimos suas necessidades e prestamos um excelente atendimento", afirmou a organização.
“Não se trata de uma situação em que eles estão simplesmente comprando algo equivalente a quase US$ 1 bilhão em trigo por ano por razões políticas", declarou Steve Mercer, vice-presidente de comunicação da Associação do Trigo dos EUA, braço mercadológico da indústria no exterior. “A indústria deles precisa e quer comprar o trigo dos EUA”.
O Japão adquiriu em média 2,91 milhões de toneladas métricas em cada um dos últimos cinco anos, explicou Mercer.
Chandler Goule, CEO da Associação Nacional dos Produtores de Trigo, também descreveu os comentários de Trump como “muito frustrantes”.
Goule afirmou:
“O presidente afirma que apoia firmemente os agricultores, mas ele começou uma guerra comercial e agora ataca diretamente a commodity do cesto de pães dos EUA.”