O Plano Real completa 20 anos. Em evento ocorrido no Instituto FHC, na semana passada, vários membros das equipes econômicas que contribuíram para sua elaboração e consolidação, debateram sobre estes anos, se mostrando preocupados com os atuais rumos da economia brasileira.
Armínio Fraga, por exemplo, ex-presidente do BACEN, afirmou que “a economia brasileira vive um momento de grande frustração e grave perigo”, e o mercado já precificou um possível rebaixamento pelas agências, dado o custo mais alto cobrado pelo mercado na rolagem da dívida pública. Disse também que a política econômica atual é “esquizofrênica” e que os problemas vêm desde o fim do segundo mandato do governo Lula, quando um modelo mais equilibrado deu lugar a chamada “nova matriz macro”, mais tolerante com a inflação, no limite superior do sistema de metas, com mais depreciação cambial, repassada aos preços, e gestão fiscal leniente, caracterizada por maquiagens e falta de transparência.
Mas, passados os 20 anos da implantação do Plano Real que lições podemos tirar? A seguir alguns comentários sobre sua elaboração, resultados e o que esperar para o futuro.
Foi uma bela obra de engenharia econômica. Se dividiu em três fases. Na primeira, o plano foi sendo gestado ao final de 1993, depois do lançamento do Plano de Ação Imediata e do Fundo Social de Emergência, mecanismos que deram um suporte à gestão pública, dosando mais a demanda agregada, através de cortes no Orçamento.
Em seguida, veio a Unidade Real de Valor (URV), grande inovação do Real. Através de uma “superindexação” de preços e contratos, os agentes passaram a ter como referência uma “moeda estável”, sempre corrigido pela inflação corrente o que, contraditoriamente, acabou servindo para desindexar a economia através do alinhamento dos preços relativos, tornando possível uma transição controlada para um novo regime monetário. Para Gustavo Franco, a URV “assumiu a forma de segunda moeda nacional, porém apenas virtual, ou para servir de padrão monetário”. Por fim, a URV se transformou em real, estabelecendo um novo ambiente monetário e de negociações entre os agentes.
Além disto, o Real foi adotado de forma gradual e transparente, sem rupturas, congelamentos e medidas de surpresa. Para Edmar Bacha, o maior legado do Real foi “o fato de ter sido uma reforma monetária amplamente pré-anunciada e integralmente negociada no Congresso. Antes, o que havia era a adoção de planos elaborados na calada da noite e colocados goela abaixo no Congresso no dia seguinte.“
Na verdade foi um acúmulo de experiências dos planos fracassados anteriores, na sua maioria, heterodoxos, ora pelo erro do congelamento, ora por não conduzirem bem as gestões fiscais e monetárias, além de reajustes salariais populistas. Como manter um congelamento, sem ajustes fiscais e monetários, com os preços relativos totalmente desalinhados? Algumas empresas tinham “gordura para queimar”, outras, pelos custos mais altos, precisavam repassá-los. Parte desta desorganização era decorrente da hiperinflação existente, mortal para a programação e o fluxo de recursos das empresas.
Salientemos também que a operacionalidade do Real já havia sido aventada por André Lara Resende e Pérsio Arida, por ocasião do Plano Larida, com a criação de uma moeda paralela, aventada antes da elaboração do Plano Cruzado em 1986. O receio de fracasso, no entanto, diante do ineditismo da medida, com as experiências de congelamento já “testadas” (a princípio), acabou adiando este mecanismo.
O que veio depois. Passada a estabilização do real, entre 1994 e 1995, uma série de reformas estruturantes foram anunciadas, como privatizações, Proer (para acudir os bancos em dificuldade com o fim do float inflacionário), fim do monopólio do petróleo, criação da Lei de Responsabilidade Fiscal, do sistema de metas e de um novo regime cambial. Tem-se daí o debate entre a criação de regras estáveis e permanentes de política monetária e os anúncios a cada momento de medidas repentinas, na linguagem acadêmica, discricionárias. Sobre estas, é impossível ter qualquer visão sobre o futuro da economia.
Armínio Fraga afirmou que, amarrando o Real em torno do tripé de política econômica, tentou-se firmar uma estratégia que trouxesse maior coordenação nas expectativas dos agentes e uma maior previsibilidade para os mercados. O contrário, de certa forma, a discricionariedade, é o que vemos observando atualmente, com falta de sintonia e rumo da política econômica.
Depois da gestão Lula. Este tripé do Real foi mantido até meados do segundo governo Lula. Com as barganhas políticas que vieram para garantir a eleição de Dilma e o perfil da equipe econômica a partir daí, este tripé acabou em crise, abandonado. Partiu-se do errado diagnóstico de que dava para estimular a economia através do crédito ao consumo e juro mais baixo, além da depreciação cambial, mesmos às custas de inflação mais alta. Acabou dando errado. A economia não cresce mais de 2% na média anual da gestão Dilma, a inflação testa o teto do sistema de metas e a taxa de juros já se aproxima de 11%. Diante da crise de confiança que se espalha pelos agentes, em relação as ações desastradas de política econômica, o governo volta a flertar com uma política mais ortodoxa ou consensual para os mercados.
Algumas propostas de mudança. Chama atenção, neste momento de inflexão, a ausência de propostas de governo, diante da proximidade das eleições. Sobre isto, Armínio Fraga, ao colaborar num programa econômico para um candidato de oposição, deu algumas sugestões interessantes. Vejamos.
Reforço do sistema de metas de inflação. Defesa da perseguição do centro da meta, em 4,5%, e depois da redução modesta e gradual desta meta e o estreitamento da banda. Atualmente, o sistema trabalha com o centro em 4,5% com tolerância, para cima e para baixo, de dois pontos percentuais.
Autonomia operacional do BACEN. Formalização desta autonomia. O governo Lula chegou a cogitar de enviar esta medida ao Congresso, mas algo travou esta pauta. Armínio lembra que esta autonomia formal do BACEN acontece em vários países.
Limite legal para os gastos públicos em relação ao PIB. As despesas públicas não podem crescer mais do que o PIB. Esta medida seria essencial para dar uma disciplina maior aos gastos públicos.
Enfim, não são medidas para um candidato em particular, mas para qualquer um que venha a ser eleito. São adotadas e consagradas em vários países. Não dá mais para ficarmos tergiversando sobre debates ideológicos e exotéricos. O tempo urge e o bom senso precisa prevalecer. Esperamos que o eleito, não importa qual seja, esteja atento à crise, muito mais gerada por erros e teimosias do que por choques incontroláveis. É urgente um repensar sobre o País, com uma agenda liberal em que o “Estado se tornaria mais eficiente, da mesma forma que é gerida a iniciativa privada”. Uma agenda de reformas continua na mesa a espera de quem tenha coragem política de levá-la adiante. Com a palavra os nossos candidatos a presidência.