Olá, pessoal. Convidei o Matheus Pereira para escrever comigo o artigo de hoje. Matheus é mestre pelo Coppead/UFRJ, especialista em planejamento estratégico e modelagem financeira, além de ser um amante da estratégia de Value Investing, nosso tema de hoje. Ele pode ser encontrado nas redes sociais, através do perfil @matheuspereira1986. Espero que vocês gostem do artigo. Escrevemos com muito carinho.
“É melhor comprar uma empresa maravilhosa por um preço justo do que uma empresa justa por um preço maravilhoso” – Warren Buffet.
Essa frase nos ajuda a compreender o que está por detrás da estratégia conhecida como Value Investing. Grandes investidores, como Benjamin Graham, Warren Buffet, Charlie Munger e Peter Lynch utilizaram ou ainda utilizam essa estratégia como principal direcionamento em suas alocações. No Brasil, ela é endossada por ninguém menos que Luiz Barsi Filho, considerado um dos maiores investidores da bolsa brasileira.
A diferença entre preço e valor
Algo muito importante e que está no cerne da estratégia de Value Investing é diferenciar preço e valor: preço é o que você paga, valor é o que você leva. A estratégia de investimento em valor tem como base uma análise bem detalhada da empresa em que você está investindo com o objetivo justamente de se encontrar o seu verdadeiro valor. Ao investir em uma ação da bolsa, você está comprando uma empresa que possui funcionários, clientes, tecnologias, processos etc. É fundamental que a compra desse papel seja realizada após um estudo profundo da empresa, dos problemas que ela resolve para a sociedade e como ela está estruturada para se manter em destaque. Só depois de ter uma sólida referência de quanto essa empresa vale, é que poderemos julgar se o valor que está na tela faz sentido ou não.
O momento "certo" para investir
Outro ponto alto do Value Investing é saber que existem momentos de mercado mais adequados para realizar os investimentos. Isso porque o mercado é muito volátil e o seu “humor” acaba influenciando de maneira positiva ou negativa os preços como um todo. Surge, daí, o conceito de “Margem de Segurança” que sugere que o investidor acompanhe frequentemente a diferença entre preço e valor, de forma a tomar a decisão de compra quando esta margem de segurança estiver favorável a ele.
Como encontrar empresas de valor
Duas questões fundamentais da estratégia de Value Investing já foram devidamente apresentadas. Agora, vamos a uma discussão mais prática: como realizar de fato o processo de investimento de valor? Para isso, há quatro etapas:
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Filtrar o número de ações avaliadas para uma quantidade razoável que possa ser analisada com a devida profundidade;
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Selecionar quais são as empresas de valor, ou seja, que entregam soluções consistentes e sustentáveis para a sociedade;
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Avaliar a empresa com o objetivo de se chegar a um valor realista para a sua ação;
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Acompanhar o mercado a fim de se tomar a decisão de investimento quando o preço de mercado estiver compatível com a sua avaliação (etapa 3).
Nesse artigo, iremos abordar principalmente os dois primeiros itens por se tratarem de etapas que diferenciam a estratégia de Value Investing. Para os interessados, já escrevi aqui na coluna como encontrar o preço-alvo de uma ação, com um caso prático (Petz (BVMF:PETZ3)).
Filtre o universo sob análise
A primeira etapa de filtro é fundamental porque temos hoje na bolsa brasileira mais de 500 empresas listadas. Uma espécie de pré-filtro consiste em excluir empresas de segmentos do mercado pelos quais você não se interessa ou não acredita (por exemplo, você pode não querer investir na indústria de tabaco ou no varejo de carnes por ser vegetariano). Feito isso, a filtragem propriamente dita pode se dar avaliando indicadores financeiros e operacionais das empresas e, assim, encontrar aquelas que historicamente apresentam resultados satisfatórios.
Vários indicadores podem ser utilizados nessa etapa e eis alguns deles: indicadores de eficiência (Margens de contribuição, custos fixos/custos variáveis), indicadores de rentabilidade (ROE, ROIC, ROA) e indicadores de endividamento (Dívida Líquida/Ebtida, Dívida/Capital Próprio). A partir desses, você conseguirá ter uma ideia mais aguçada de quais empresas vêm apresentando mais consistência e, portanto, merecem ser mais bem analisadas.
Outra estratégia interessante para essa etapa de filtro é usar o seu círculo de competência, ou seja, buscar empresas em que você esteja mais familiarizado no seu dia a dia. Por exemplo, se você trabalha no mercado financeiro, provavelmente terá mais facilidade em identificar boas empresas no setor financeiro do que no setor agrário. Outra ideia é quando comparamos empresas de varejo com empresas de siderurgia: a maioria de nós tem um pouco mais de propriedade ao analisar as primeiras por se tratar de um segmento mais familiar, principalmente se estivermos lidando com produtos que consumimos frequentemente. Compreender a dinâmica do mercado siderúrgico é mais distante do nosso dia a dia, principalmente quando fatores, tais como China, preço de minérios e geopolítica internacional entram em cena. Nesse caso, um estudo mais fundamentado será necessário.
A dica aqui é: faça o simples. Cuidado ao entrar em setores e empresas muito complexas, pois a análise vai ser muito mais densa e a chance de você deixar passar fatores de risco e alavancas de valor ou de custo importantes na análise será possivelmente muito grande. Talvez seja uma boa ideia deixar algumas empresas mais complexas para investidores institucionais, que possuem estrutura de análise muito superior à nossa individualmente.
Selecione as empresas de valor
A etapa anterior teve como objetivo reduzir o número de empresas no seu radar. Como em muitas situações cotidianas, foco é importante. Idealmente, um bom número de empresas que chegarão a esta etapa vai de 10 a 20. Grandes investidores, munidos de equipe de analistas, podem, decerto, chegar a um número maior do que esse. Agora, você deve se aprofundar intensamente sobre cada uma delas. E, nesta hora, surge a pergunta crucial: o que avaliar nas empresas filtradas?
Deve-se, neste momento, buscar informações mais qualitativas de cada uma das empresas. Você precisará estudar bastante itens como gestão, vantagem competitiva, histórico dos resultados, sustentabilidade e desafios de sobrevivência. Uma empresa de valor terá uma liderança experiente e alinhada com seu futuro. Em geral, a diretoria já exercerá essa função há mais tempo na empresa e será formada por pessoas mais experientes e respeitadas no mercado. Portanto, vale, na sua análise, se perguntar: quem é o CEO e os diretores dessa empresa? O que eles já fizeram na história? Estão há quanto tempo nessa empresa? Eles estão comprometidos com a empresa - por exemplo, são sócios efetivos dela? A partir dessas respostas você terá maior segurança se a equipe que está à frente da empresa possui características para levá-la ainda mais adiante com resultados interessantes.
A vantagem competitiva da empresa deve ser esmiuçada. Esse fator é o que determina se a empresa tem uma posição de destaque no mercado e não sofrerá tão facilmente ataque de competidores. No mercado atual, essa vantagem competitiva pode ser vista de várias formas. As mais comuns são:
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Alto preço de troca: quando estamos acostumados a usar determinado serviço e é muito custoso fazer a troca do mesmo. Esse item é muito comum em empresas de tecnologia.
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Economia de escala: muitas empresas conseguem escalar o seu negócio o suficiente para oferecerem preços abaixo do mercado e, ainda assim, continuam lucrativas.
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Ativos intangíveis: marcas, patentes, concessões e direitos autorais são exemplos de ativos intangíveis que podem consistir em vantagem(ns) competitiva(s). Apenas atente para a validade de patentes, concessões etc. para pensar por quanto tempo uma determinada vantagem persistirá no mercado.
O histórico de resultados, claro, sempre será algo a ser avaliado com a devida atenção. Se a empresa já entrega tudo o que promete e, ainda assim, não vem apresentando bons resultados, isso não pode passar despercebido e precisará ser analisado. Se a empresa não alcançou a sua maturidade e, por esse motivo, ainda não atingiu os resultados que você vislumbra para ela, avalie os riscos envolvidos até se chegar lá.
Um ponto relevante que devemos exigir das empresas investidas é se o seu negócio é sustentável, sob o ponto de vista ESG. Não há mais espaço para empresas que não respeitem e cumpram essa agenda. O risco regulatório e da própria sociedade se virar contra a empresa não pode ser negligenciado. Por fim, cobre-se compreender quais serão os desafios de sobrevivência da empresa. Toda empresa tem seus desafios. Não se fazer essa pergunta impede a devida análise. Busque os contextos mais adversos para que você encontre respostas adequadas e avalie como a empresa alcançará sua perenidade.
Pessoal, é muito difícil encontrarmos a empresa perfeita, que passe por todos os itens acima “com louvor”. A ideia é realmente encontrar aquelas que tendem a vencer os desafios apontados. Ao montar uma carteira seguindo as 4 etapas citadas, sua maior chance será ter em mãos uma boa estratégia, que entregue uma rentabilidade média bacana no médio e longo prazo. Decerto, fazer Value Investing não é tarefa fácil: o processo é trabalhoso. Não obstante, o resultado é recompensador e nos dá paz de espírito por ter feito o dever de casa corretamente. Esperamos que esse artigo ajude você neste processo.
Fica o convite para nos seguirem nas redes sociais @carlosheitorcampani e @matheuspereira1986. Obrigado Matheus por essa parceria. E comentem abaixo o que acharam deste artigo!
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Professor do Coppead/UFRJ, Pesquisador da Cátedra Brasilprev em Previdência e Pesquisador da ENS – Escola de Negócios e Seguros. Ele pode ser encontrado em www.carlosheitorcampani.com e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai a cada duas semanas, sempre na sexta-feira.