Por Jonathan Saul e Parisa Hafezi
LONDRES/DUBAI (Reuters) - Mais de 20 navios com cerca de 1 milhão de toneladas de grãos estão parados próximos a portos do Irã devido a problemas de pagamentos criados pelas sanções impostas pelos Estados Unidos, que dificultam os esforços do país asiático para importar commodities vitais, disseram fontes diretamente envolvidas no comércio.
Empresas de trading como Bunge e a chinesa Cofco International estão entre as afetadas por atrasos de pagamentos e custos adicionais de até 15 mil dólares por dia, uma vez que as restrições norte-americanas impedem o processamento das transações, segundo as fontes.
Alimentos, medicamentos e outros suprimentos humanitários estão isentos das sanções reimpostas por Washington depois de o presidente dos EUA, Donald Trump, afirmar que está deixando o acordo internacional de 2015 relacionado ao programa nuclear iraniano.
No entanto, as medidas norte-americanas, que têm como alvo praticamente tudo, de vendas de petróleo a atividades financeiras e de transporte, impediram vários bancos estrangeiros de processarem quaisquer negócios iranianos, incluindo os humanitários, como embarques de alimentos.
Os poucos credores remanescentes a ainda processarem negócios da República Islâmica enfrentam diversos obstáculos para facilitar os pagamentos, já que os canais de financiamento estão congelados.
Seis fontes ocidentais e do Irã afirmaram que a situação contribui para que os carregamentos estejam parados há mais de um mês perto de dois dos maiores portos iranianos, Bandar Imam Khomeini e Bandar Abbas.
Os navios possuem cargas que incluem soja e milho, sendo a maior parte proveniente da América do Sul, disseram as fontes. As embarcações são visíveis por dados de monitoramento de navios.
"Não há restrições para negócios humanitários, mas você não é pago por eles", disse uma fonte europeia. "Você pode ter de esperar meses para receber um pagamento."
Outra fonte disse que "há nervosismo entre operadores quanto à realização de novas vendas para o Irã antes de o congestionamento (de navios) ser liberado".
Uma autoridade portuária sênior da República Islâmica, que pediu para não ser identificada, disse à Reuters que problemas vêm ocorrendo desde as sanções impostas pelos EUA ao sistema bancário do país em novembro de 2018.
"O que mudou é que agora o número de bancos e operadores se afastando da realização de negócios com o Irã está aumentando", disse a autoridade.
Novas sanções impostas em setembro pelos EUA ao banco central iraniano --após os ataques a instalações petrolíferas da Arábia Saudita, pelos quais os norte-americanos culparam o Irã-- criaram mais dificuldades para as transações.
"Alguns pequenos bancos com os quais costumávamos trabalhar estão nos informando que não farão mais negócios conosco", disse a fonte, que se recusou a citar quais seriam essas instituições.
Uma autoridade do Ministério da Agricultura do Irã disse que desde a década de 1980 o país visa garantir estoques suficientes de grãos.
"Aumentamos as quantidades em estoque por causa da política de Trump sobre o Irã e pelas tensões nos últimos meses", disse a autoridade. "Está ficando cada vez mais difícil devido às sanções."
A Organização para Agricultura e Alimentação das Nações Unidas (FAO) estimou no mês passado os estoques totais de cereais do Irã em 2019 em 5,1 milhões de toneladas e previu um recuo para 4,8 milhões de toneladas em 2020, ante 9,9 milhões de toneladas em 2016.
PRESSÃO NOS PORTOS
Fontes do mercado disseram que os portos iranianos também enfrentam dificuldades para receber os navios, devido à falta de berços disponíveis.
Dos navios ainda ancorados, ao menos 20 continuam aguardando perto de Bandar Imam Khomeini, mostraram dados da Refinitiv. Outras duas embarcações conseguiram descarregar seus produtos após semanas de espera, segundo os dados.
Informações da plataforma de inteligência marítima MarineTraffics apontaram um número semelhante de navios parados há mais de um mês.
Uma terceira autoridade governamental iraniana confirmou que os navios estão aguardando, mas recusou-se a fornecer detalhes.
Fontes do mercado disseram que o turco Halkbank --um dos principais bancos dos quais o Irã depende para o comércio-- não tem conseguido processar os pagamentos rápido o suficiente devido à complexidade dos processos, e em alguns casos sequer completou as transações com fornecedores. O Halkbank se recusou a comentar.
Na espera para o descarregamento, restaram aos fornecedores custos adicionais, conhecidos como "demurrage", de até 15 mil dólares por dia.
Fontes afirmaram que o grupo agrícola norte-americano Bunge e a chinesa Cofco International estão entre as companhias afetadas, ao lado de empresas de menor porte de Turquia e Irã.
A Cofco International se recusou a comentar.
O porta-voz da Bunge, Frank Mantero, disse que "embora não comentemos ou confirmemos contratos comerciais, as exportações de commodities agrícolas pela Bunge estão de acordo com todas as estruturas legais aplicáveis".
Duas fontes contaram que as crescentes dificuldades levaram a empresa norte-americana do agronegócio Archer Daniels Midland a interromper o comércio com o Irã desde agosto. Uma porta-voz da ADM não comentou o assunto.
Outras fontes do mercado haviam dito à Reuters em dezembro que a Bunge e a rival Cargill, bem como outros fornecedores, interromperam novas transações de alimentos com o Irã devido aos problemas de pagamentos.
A Cargill disse em um comunicado que "em certos países onde existem sanções internacionais, fornecemos alimentos utilizando as exceções humanitárias para medicamentos e alimentos".
Um porta-voz do Tesouro norte-americano disse que Washington designou o banco central do Irã para as autoridades de combate ao terrorismo, acrescentando que as amplas exceções às sanções antes aplicadas, como o comércio humanitário, não são mais aplicáveis às transações envolvendo o banco central do país asiático.
O porta-voz disse ainda que o departamento continua a encorajar o setor privado e outros países a fornecerem assistência humanitária caso as transações sejam conduzidas com instituições financeiras iranianas ou entidades que não estejam sob sanções dos EUA.
(Reportagem adicional de Karl Plume em Chicago, Timothy Gardner em Washington, Michael Hogan em Hamburgo, Nigel Hunt em Londres e Ebru Tuncay em Istambul)