O plano do governo de criar um órgão para acompanhar e fiscalizar os preços dos combustíveis no país foi recebido com preocupação por especialistas do setor energético brasileiro. A ideia, anunciada na 2ª feira (30.out.2023) pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, é fundar uma entidade de direito privado, com participação do Executivo, que terá entre as suas funções o monitoramento dos repasses de reajustes por distribuidoras e postos.
Embora considerada positiva para combater fraudes, práticas abusivas e condutas que vão contra as regras do mercado, a medida de criar uma nova estrutura causa o temor de uma possível intervenção ou controle nos preços dos postos, afetando a livre concorrência.
O ministro disse que um projeto de lei será enviado ao Congresso Nacional sobre a criação do Operador Nacional do Sistema de Distribuição de Combustíveis. Sem estipular prazos para envio da proposta, sinalizou que a ideia tem o sinal verde do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e afirmou que o órgão terá função similar a que o ONS (Operador Nacional do Sistema) tem no setor elétrico.
“O ONS é para a Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] o que nós queremos que esse operador que vamos criar seja para a ANP [Agência Nacional de Petróleo]. Uma atuação complementar afim de que possamos ter segurança de que toda vez que a Petrobras (BVMF:PETR4) ou qualquer outra fornecedora, importador ou as refinarias privadas abaixem o preço, que essa queda chegue ao consumidor. E nós sabemos que a ANP tem limitações para poder fazer essa fiscalização hoje”, disse o ministro.
Embora tenha destacado o foco nos preços ao consumidor, o operador também fiscalizaria a regularidade tributária, qualidade e estoques, segundo Silveira.
Emerson Kapaz, presidente do ICL (Instituto Combustível Legal) elogiou a iniciativa do ministério como forma de reduzir a comercialização irregular de combustíveis. A entidade defende uma ampliação no combate e fiscalização de fraudes fiscais e de produtos no setor de combustíveis, que vêm crescendo nos últimos anos.
“Temos visto um aumento de autuações e apreensões de combustíveis adulterados, especialmente com metanol, que é um produto tóxico que pode causar cegueira e levar até a morte. Já fizemos quatro reuniões com o governo para garantir o combate a esses crimes tributários e de qualidade e quantidade do setor”, afirma.
No entanto, Kapaz vê risco de uma possível intervenção nas margens e preço dos combustíveis. “Nós somos favoráveis a criação de uma robusta central de monitoramento de combustíveis para evitar fraudes tanto operacionais quanto fiscais. Porém, hoje o país tem cerca de 43.000 postos de combustíveis que disputam a preferência do consumidor e trabalham em livre concorrência. Isso não pode mudar”.
Na avaliação de Pedro Rodrigues, diretor do Cbie (Centro Brasileiro de Infraestrutura), a proposta causa estranheza. A princípio, pela comparação com o ONS e com o setor elétrico, que, segundo ele, são incomparáveis.
“O ONS tem uma função específica dentro do setor elétrico, que tem um monopólio natural dada a característica do setor e a forma como ele é remunerado através de uma tarifa pública fixada. O ONS é responsável por operar esse sistema. O mercado de combustível é totalmente diferente. Talvez seja mais comparado ao mercado de cerveja, ou varejo. É um mercado que tem preços livres”, afirma.
Rodrigues também cita o temor de controle ou até tabelamento de preços. “Esse órgão vai fiscalizar o revendedor e qual a margem que o revendedor está tendo aquele litro? É muito difícil você pensar numa coisa diferente que não seja algum tipo de intervenção nos preços maior ou menor quando se fala na criação de um órgão que vai fiscalizar o mercado livre de preços”.
Outra pergunta sem resposta é como esse futuro órgão vai fiscalizar os quase 50.000 postos de combustíveis existentes no país. O diretor do Cbie lembra que uma estrutura como a proposta pelo governo tem custos, que serão bancados pelos consumidores, assim como é o caso do ONS.
“O Brasil já tem a ANP, os Procons, o Cade, agências e órgãos estaduais. Precisa de outro órgão para fiscalizar? Quando se cria mais uma entidade, aumenta o custo de transação do setor, porque esse órgão vai ter que ser pago de alguma forma”, afirma Rodrigues.