Por Paula Arend Laier
SÃO PAULO (Reuters) - O aperto monetário imposto pelo banco central norte-americano pode frustrar o ciclo de cortes de juros em economias emergentes, como a brasileira, na visão da equipe da Kinea Investimentos, gestora independente que tem o Itaú Unibanco (BVMF:ITUB4) como sócio, conforme carta a clientes.
Os analistas ressaltam que, no atual ciclo econômico, esses países tiveram uma tendência de subir juros antes dos Estados Unidos e demais países desenvolvidos. No caso do Brasil, o movimento começou cerca de um ano antes do que o Federal Reserve.
E com um maior controle inflacionário em economias como a do Brasil e do Chile, observam, o mercado passou a esperar que os cortes de juros também começassem nos emergentes. Assim, afirmam, criou-se uma "situação inusitada", na qual emergentes precificam cortes na curva e alguns desenvolvidos, subidas de juros.
Na decisão de juros de setembro, o Fed indicou que as taxas de juros na economia norte-americana devem permanecer mais elevadas por um período mais longo de tempo, ratificando o recente movimento do mercado de juros, que já vinha elevando as taxas ao longo da curva durante o mês.
O BC comandado por Jerome Powell reconheceu a resiliência da economia, um mercado de trabalho ainda bastante apertado, e, como consequência, uma inflação que deve demorar mais tempo para convergir para a sua meta.
Nesse contexto, a equipe da gestora cita que há países, como o Chile e a Hungria, já indicando que a trajetória de cortes pode não ser a mesma imaginada inicialmente pelo mercado.
"Em um cenário de contínuo aperto nos Estados Unidos, imaginamos que essa situação possa se repetir em outros emergentes. E isso nos conduz à atual precificação dos cortes no Brasil", afirma a Kinea, que tem atualmente quase 100 bilhões de reais em ativos sob gestão.
As últimas comunicações do Comitê de Política Monetária (Copom) e de autoridades do BC brasileiro relacionadas à taxa Selic, atualmente em 12,75% ao ano, têm sido na direção de cortes de 0,50 ponto percentual nas próximas reuniões, mesmo ritmo das duas primeiras reduções.
Para a gestora, com os juros da maior economia global nas máximas de 20 anos e uma situação fiscal doméstica desafiadora, o BC terá dificuldades de acelerar o processo de cortes de juros no Brasil. E, caso o ambiente de mercado se torne adverso, "pode ter dificuldade em seguir com o ciclo de corte", acrescentou.
Além dos riscos associados com cortes de juros em emergentes em um ambiente de elevação de juros no hemisfério norte, destacam, a questão fiscal deixa o Brasil em situação ainda mais delicada do que seus pares.
Os analistas da Kinea citam que, desde o começo do ano, têm visto o governo traçando compromissos fiscais ambiciosos e buscando fontes alternativas de receita para cumprir suas metas. Mas, ponderam, as pressões para aumento de gastos permanecem e alas do governo e do Congresso já defendem uma mudança da meta fiscal para 2024.
A equipe da Kinea avalia que, no momento, a ala mais fiscalista, capitaneada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, "vem ganhando as batalhas, mas a guerra está longe de ser vencida".
"A realidade é que o arcabouço proposto só se sustenta com o aumento de arrecadação, e isso, em um país com a carga tributária que nós temos, enfrenta bastante resistência", escreveram na primeira versão da carta que será publicada no fim de semana e que a Reuters teve acesso.
Eles sublinham que grande parte das medidas precisam do aval do Congresso e, ainda que aprovadas, há muita incerteza quanto ao potencial arrecadatório, dado que não são tradicionais medidas de alta de impostos, mas ações com maior arrecadação no Carf, mudança de regras de cobrança de tributos, entre outras.
"Ainda, para fechar a conta de 2024, o governo teria que fazer um contingenciamento das despesas da ordem de 20 bilhões de reais – o que, certamente, enfrentará muita resistência em um ano de eleições municipais", afirmam. "Não apostamos, portanto, no cumprimento da meta fiscal proposta para o ano que vem."
A Kinea trabalha com uma projeção de déficit da ordem de 0,8% do PIB no próximo ano, acima da banda de tolerância de 0,25% proposta. E avaliam que de 2025 em diante será ainda mais difícil para o governo cumprir suas metas
"Não só porque muitas das receitas são não recorrentes, mas também pela razão de que a regra do arcabouço implica um menor crescimento dos gastos nos próximos anos, o que vai na contramão do ciclo eleitoral, de aumentar os gastos", observam, lembrando das eleições em 2026.