Por Camila Moreira
SÃO PAULO (Reuters) - O ciclo de aperto monetário do Banco Central vai durar pelo menos até março mas há o risco de precisar ir além, de acordo com a ex-diretora do Banco Central e chefe de pesquisa econômica para a América Latina do BNP Paribas (EPA:BNPP), Fernanda Guardado, que diz não ver exageros nas altas recentes das taxas futuras embutidas nas negociações do mercado de juros.
Depois de o BC ter voltado a elevar a Selic em setembro, em 0,25 ponto percentual, a 10,75%, o BNP prevê mais dois aumentos de 0,50 ponto na taxa básica de juros nas duas últimas reuniões de 2024, seguidos por mais duas altas de 0,25 ponto em janeiro e março de 2025, chegando a 12,25%.
"Acho que o Banco Central vai precisar esperar até março pelo menos para começar a ver números que tragam maior conforto para terminar o ciclo de juros", disse ela em entrevista à Reuters, citando que o cenário no começo do próximo ano deverá ser de inflação ainda bastante pressionada.
"Nós sempre enxergamos o risco de eles precisarem ir além, ou com mais 50 possivelmente em janeiro, ou entregando mais aumentos de 25 nos meses subsequentes. Vai depender muito de como os dados vão estar saindo no primeiro trimestre de 2025", completou.
Guardado cita riscos para o cenário do BC provenientes do mercado de trabalho forte e do aumento da renda, o que estimula a inflação de serviços, ponto de atenção do BC.
"Observamos que a inflação de serviços não tem diminuído, parece que ela atingiu um platô e ali ficou, em torno de 5%. Então, eu acho que esse foi um dos fatores que levou a essa decisão do Banco Central de voltar a subir juros, sem dúvida", disse.
O BNP elevou esta semana sua projeção para a inflação cheia no país para 4,7% este ano e 4% em 2025, bem acima da meta central de 3% do BC.
Na contramão de comentários recentes do ministro Fernando Haddad e do próprio presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de que haveria certo exagero nos prêmios de risco embutidos na parte longa da curva de juros brasileira, Guardado aponta que o movimento do mercado é um reflexo justificado das incertezas relacionadas à sustentabilidade da dívida pública.
"Com os dados de hoje, é difícil acreditar numa estabilidade da dívida pública. E isso para um país que já tem um nível de dívida/PIB bem acima dos seus pares. Então é verdade que todo mundo piorou, mas a gente piorou para caramba também, partindo de um nível pior", disse ela.
Nesse sentido, a economista diz ter recebido com surpresa a decisão da agência de classificação de risco Moody's de elevar no início do mês a nota do Brasil de Ba2 para Ba1 -- um degrau abaixo do grau de investimento -- e manter a perspectiva positiva.
"Recebi (a decisão) com muita surpresa, não só o 'upgrade', mas a manutenção do outlook positivo após o 'upgrade'. E com justificativas que se referiam muito mais ao passado ... do que ao futuro, que deveria ser o foco da agência", avaliou.
"Quando você vai olhar os números e, mesmo tentando se questionar, ainda tem um desafio muito grande para os próximos dois anos do ponto de vista fiscal. Acho que por isso que acabou não tendo tanto impacto quanto se imaginaria".
GALÍPOLO
Guardado conviveu por seis meses com o atual diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, cuja indicação para assumir a presidência da autarquia a partir do início de 2025 foi aprovada nesta semana pelo Senado.
Para ela, que chefiava a diretoria de Assuntos Internacionais e era também uma das porta-vozes da autarquia para questões de política monetária, a principal característica de Galípolo é ser um agregador, alguém que gosta de escutar e está sempre aberto a discutir e ouvir outras opiniões.
"Eu acho que isso é muito positivo, porque ele vai ser presidente de um colegiado. Os diretores todos têm o mesmo voto, o mesmo peso para votar, então isso é muito importante. E vejo ele muito determinado em manter o Banco Central no seu papel institucional e na entrega das suas exigências constitucionais", disse.
Guardado descarta preocupações de que a proximidade de Galípolo com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva possa comprometer a independência de sua gestão, argumentando que Galípolo já deixou claro que entende a importância da autonomia.
"Espero que assim seja, é importante, porque muitas vezes no Banco Central tem que se tomar decisões difíceis, e é importante poder agir de forma autônoma para isso".
Por outro lado, ela vê a proximidade com Lula como algo positivo, no sentido de que o presidente vai querer ouvir Galípolo e confiar em sua avaliação na economia.
REPRESENTATIVIDADE
Guardado foi uma das poucas mulheres a comandar uma diretoria no Banco Central, mas acredita que elas tenham criado um "efeito farol" para que outras sigam seu caminho.
"O segmento de economia e finanças em particular ainda é um setor dominado por homens e é onde as mulheres encontram muita dificuldade em avançar. É surpreendente o percentual baixo de mulheres cursando economia", disse ela.
"No dia a dia ali, tocando uma diretoria, a gente consegue fazer o mesmo trabalho e atingir, às vezes, os mesmos resultados usando um pouco mais de inteligência emocional."
Segundo ela, dentro do próprio corpo do BC a quantidade de servidoras está aquém da de homens, mas muitas delas com capacidade de assumir uma diretoria.
"A gente precisa incentivar mulheres a fazer economia, a fazer engenharia, a prestar o concurso para o BC. Acho que o BC tem muita oportunidade para as mulheres. Tem tido uma preocupação em fazer com que mais mulheres virem chefes de unidades dentro do BC", afirmou.