Por Geoffrey Smith
Investing.com -- A guerra econômica da Europa contra a Rússia pela Ucrânia teve uma forte piora. Será preciso um milagre para impedir que ela se deteriore ainda mais - e para proteger o resto do mundo das suas repercussões.
Ao longo da última semana, a Rússia vem fechando progressivamente as válvulas de gás para a Europa, o seu maior cliente nos últimos 40 anos. A Alemanha viu uma redução de 60% no seu abastecimento; a diminuição na Itália foi de 50%, enquanto na França, chegou a 100%.
A relação que foi muitas vezes tensa, mas sempre mutuamente benéfica, está agora em farrapos. Moscou não está fazendo segredo do fato de que considera a transformação do fornecimento de energia em arma não só legítima, mas também oportuna.
Na verdade, a Rússia parece feliz em alavancar a sua posição como exportadora crítica em inúmeros mercados globais de commodity, confiante de que pode repassar a culpa pelo sofrimento para os outros. Margarita Simonyan, editora-chefe do canal de notícias RT, que foi, para todos os efeitos, fechado na Europa e nos EUA, brincou durante uma conferência na semana passada que "todos agora estão colocando as suas esperanças na fome, porque quando a fome bater, irão perceber que precisam ser nossos amigos e as sanções serão suspensas".
Da sua parte, a Europa está dando sinais de que desistiu de qualquer esperança de relação econômica com aquele que era seu maior fornecedor de energia até março. As perspectivas para a sua economia estão definhando proporcionalmente, e a taxa de câmbio do euro começou a refletir receios de estagflação. A Europa aceitou que não só terá de pagar preços mais caros pela sua energia no futuro próximo, como também suspender, na prática, a sua contribuição para a desaceleração mudanças climáticas, um duro golpe para a autoimagem - reconhecidamente narcisista - que cultivou nas últimas três décadas.
Alemanha, Áustria e os Países Baixos indicarão que irão religar as centrais elétricas movidas a carvão este ano, para substituir a geração a partir do gás. O vice-chanceler alemão, Robert Habeck - que deve o seu cargo no governo, em grande parte, a uma campanha bem-sucedida de pressão para desativar a energia a carvão na Alemanha - chamou a iniciativa de "amarga". A notícia só aliviou um pouco da pressão dos preços de referência do gás europeu esta semana, que permanecem mais de cinco vezes acima do seu nível no início de 2021.
Como sugere a reação do mercado, mesmo isso pode não ser suficiente para evitar o racionamento de gás na Europa no final deste ano. A ação da Gazprom forçou as empresas de serviços públicos europeias a queimarem o gás que armazenavam para o inverno na semana passada, pondo um fim abrupto à temporada habitual de injeção. De acordo com dados Gas Infrastructure Europe, 54,7% das instalações de armazenamento da UE estavam cheias no fim de semana. Isto está mais ou menos em linha com os padrões sazonais, mas ainda significa que é preciso encontrar muito gás até setembro se a Gazprom (MCX:GAZP) – que normalmente abastece 25% das necessidades do bloco – não estiver brincando.
A escalada continuou nesta semana, já que a Lituânia - com o apoio explícito da UE - interrompeu o trânsito de mercadorias sancionados por ferrovia no seu território entre o enclave báltico de Kaliningrado e o resto da Federação Russa, causando um sério golpe para uma economia local já duramente atingida pelo colapso do comércio com os seus vizinhos. A força dessa ação irá aumentar à medida que a lista de sanções da UE se estender para bens como o carvão e combustíveis até o final do ano.
Muitos no Kremlin - e um número ainda maior de gurus nos talk shows tóxicos da TV estatal russa, exalando bravados pueris - consideraria isso como um desafio escancarado, um convite para restaurar as conexões pela força. Nikolay Patrushev, o antigo chefe do FSB que agora preside o Conselho de Segurança da Rússia, prometeu uma resposta que teria "graves consequências negativas para a população da Lituânia".
Contudo, a Lituânia – em contraste com a Ucrânia – é simultaneamente membro da União Europeia e, ainda mais importante, da OTAN, e sua soberania é, em última análise, pelos arsenais nucleares de três membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Apesar de todos os erros imprudentes de cálculo do regime de Vladimir Putin ao longo dos últimos anos, um ataque direto à OTAN ainda é - pelo menos por enquanto - impensável.
Talvez devêssemos ser gratos por tais pequenas graças. No entanto, o que aconteceu na última semana consolidou as divisões. Ambos os lados, obviamente, continuam determinados a garantir algo que possam chamar de vitória. Isso significa meses, senão anos, a mais de miséria para o povo da Ucrânia, além de sofrimento econômico para a Europa e todos aqueles que, na África e na Ásia, precisam dos cereais da bacia do Mar Negro para alimentar as suas populações. Realmente, um pobre conforto.