Por Geoffrey Smith
Investing.com – A maioria dos líderes políticos geralmente vive um período de “lua de mel”. Mas não Liz Truss – e ela não pode culpar ninguém a não ser a si mesma.
A primeira-ministra britânica e seu chefe de economia, Kwasi Kwarteng, conseguiram a proeza de ofender, enfurecer ou desapontar praticamente todo o país, em um primeiro mês caótico e cheio de tropeços.
Ao fazer isso, também ensejou o aparecimento de poderosas forças nos mercados globais que estavam adormecidas havia décadas. Pela primeira vez desde a crise financeira de 2008-2009, criou-se uma atmosfera de risco sistêmico.
Graças às suas generosas propostas de cortar impostos e oferecer subsídios de energia sem a devida previsão orçamentária, o banco central da Inglaterra foi obrigado a fazer uma intervenção, a fim de evitar o colapso de grande parte do sistema de pensões do Reino Unido.
Por algumas horas, na semana passada, um destrutivo círculo vicioso se formou, no qual fundos de pensão tiveram que vender seus “gilts” para atender às chamadas de margem em swaps de juros de longo prazo. Com isso, as vendas empurraram as operações de hedge dos fundos para fora do mercado, exigindo mais margens e mais liquidações.
A perspectiva de uma oculta alavancagem sistêmica sendo exposta por um forte movimento adverso nos juros trouxe à mente a desconfortável lembrança do que aconteceu em 2007 e dos primeiros abalos dos mercados de crédito “subprime”, que provocaram, um ano depois, a maior crise financeira em 80 anos. Foi uma sensação instantaneamente reconhecível e, inevitavelmente, suscitou pensamentos de que debilidades parecidas também estivessem à espreita dos mercados financeiros da zona do euro e dos EUA (para não falar dos mercados do Japão e da China), à espera apenas do primeiro gatilho.
A operação do Banco da Inglaterra ainda está em vigor, com um custo final de 65 bilhões de libras. Porém, ainda que tenha sucesso, a maneira atabalhoada e descuidada com que o governo lidou com a situação acabou por destruir sua credibilidade nos mercados financeiros.
Truss herdou uma economia com alguns problemas importantes de curto prazo (disparada das contas de energia e da inflação) e um grande número de outros problemas crônicos: a ressaca da pandemia, a baixa produtividade, a falta de crescimento, o acesso escasso aos mercados vizinhos, por conta do Brexit, e a necessidade de fazer a transição para emissões de carbono neutras, para citar alguns. Sua tarefa era enfrentar os obstáculos mais emergenciais, enquanto se esforçava para resolver outros de longo prazo.
Em vez disso, Truss e Kwarteng criaram, do nada, um pacote de corte de impostos e subsídios de energia de 100 bilhões de libras, em uma tentativa pouco velada de estimular a economia o suficiente para a primeira-ministra sobreviver até a próxima eleição de 2024.
Ninguém comprou a ideia. Pelo menos não o eleitorado, que mostrou indignação com as prioridades distorcidas de cortes de impostos para os 2% mais ricos, enquanto grande parte do país luta para escolher entre gastar com alimentação ou aquecimento. Tampouco os parlamentares conservadores, que conquistaram seus assentos da última vez com base em uma agenda radicalmente distinta de Boris Johnson, no sentido de priorizar regiões carentes. Os mercados financeiros, então, nem se fala. Eles fizeram a libra afundar e aumentaram os custos da emissão de dívidas pelo governo em mais de meio ponto percentual em um único dia.
Truss e Kwarteng esboçaram um recuo desde então, voltando atrás no anúncio de cortar impostos dos mais ricos, mas o dano já havia sido causado. De fato, não deixaram claro se farão cortes de gastos públicos para financiar as emissões de dívida, além de se contradizerem em público em relação a quem cabia a autoria da ideia do cortar impostos para os mais abastados. Em uma entrevista na quarta-feira, antes de fazer um discurso em uma conferência, Truss se recusou a responder a uma pergunta direta a respeito da sua confiança em Kwarteng para tomar as decisões certas.
As taxas dos gilts referenciais de dez anos registram agora uma alta de 90 pontos-base em relação ao momento em que Truss ascendeu ao cargo, um movimento que exigirá bilhões de libras a mais em serviço da dívida, caso seja mantido. A libra continua sofrendo e prejudicando importadores e consumidores. As taxas de mercado de curto prazo subiram, de modo a refletir as expectativas de que o Banco da Inglaterra terá que elevar os juros mais rápido do que se esperava. Com isso, qualquer benefício que os eleitores e empresários tiverem com seus cortes tributários será absorvido pelos maiores custos de financiamento e crédito.
Em sua defesa, Truss não fez nada de errado desde que se mudou para 10 Downing Street. Ela claramente não irá retirar o apoio britânico à Ucrânia, ao contrário de alguns rumores de quando era ministra de relações exteriores, ao assumir uma postura mais conciliatória com a União Europeia, abandonando discretamente os planos de aprovar uma nova lei para rasgar o acordo do Brexit. No entanto, ela indubitavelmente dificultou sua própria vida – e deixou escapar da garrafa um gênio de mercado que do qual muitos que estão fora da Grã-Bretanha em breve terão motivos para se arrepender.