Investing.com – A China elevou a tensão sobre a economia mundial com sua desaceleração. A visão a respeito da retomada da economia chinesa tomou outros rumos frente às perspectivas otimistas com o abandono da política covid-zero no início do ano. Cortes de projeções de bancos, economistas e analistas indicam elevação do pessimismo, com maior receio de que a segunda maior economia do mundo não cumpra suas projeções, apesar de medidas de apoio, e que riscos de contágio se concretizem.
Com uma população de quase um bilhão e meio de pessoas, os analistas estavam construtivos no começo do ano com a tese do potencial da reabertura, que vem se demonstrando abaixo das expectativas. Mas este ano tem sido de notícias ruins, com expansão da atividade mais lenta do que o previsto, desemprego recorde entre os jovens, moeda mais fraca e forte crise no setor imobiliário, que, até recentemente, representava um terço de toda a riqueza do país.
Ainda assim, economistas e analistas consultados pelo Investing.com Brasil acreditam que, apesar de as perspectivas não serem tão favoráveis quanto esperado anteriormente, o ajuste no ritmo de crescimento está longe de ser um freio total na economia e que as exportações brasileiras não devem ter grandes oscilações. Assim, são poucas as sugestões de alteração no portfólio, apesar da indicação de maior cuidado com os ativos expostos à tese chinesa.
“Bomba-relógio” e fim do “crescimento heroico”?
O crescimento heroico da China chegou ao fim, avaliou o economista Paul Krugman, vencedor do prêmio Nobel de Economia de 2008, em referência aos anos de expansão de dois dígitos na atividade. Enquanto isso, o Financial Times publicou artigo em que afirma que o colapso acelerado do setor imobiliário chinês ameaça outros mercados e o nervosismo com o risco de contágio poderia afetar as commodities. Já o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, considerou a economia chinesa uma “bomba relógio”.
Com projeções em baixa e pessimismo em alta, os especialistas consultados pelo Investing.com acreditam ser pouco provável que essa bomba-relógio de fato possa explodir, mas destacam que os desafios são muitos, diante do enfraquecimento da demanda interna e percepção negativa do setor imobiliário, que está com alto endividamento, levando a problemas de liquidez de companhias como a gigante Evergrande (OTC:EGRNY).
Para tentar mitigar a situação e seguir em busca da projeção de Pequim de crescimento da economia neste ano em 5%, a China cortou os juros e diminuiu regulamentações para aquisição de residências. Ainda assim, as famílias chinesas – que possuem características mais poupadoras – seguem cautelosas, derrubando preços de casas novas.
Na opinião do economista Livio Ribeiro, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e sócio BRCG, especialista em China, a economia do gigante asiático vem apresentando sérios problemas na dinâmica de crescimento no curto prazo, pelo menos desde abril, e o mês mais negativo foi maio, em sua visão. Dali em diante, principalmente em julho, a reação do mercado parece um tanto descoordenada, entende, ao apontar uma recuperação posterior. “Tanto o pânico quanto o alívio derivam de uma cobertura pouco cuidadosa com o que está ocorrendo com a China. Então, na nossa visão, a economia chinesa terá dificuldade para crescer a um ritmo robusto por questões conjunturais e estruturais”, aponta, na expectativa de que o Produto Interno Bruto (PIB) apresente expansão em torno de 4,8% a 5%.
Ribeiro acredita que, apesar de uma desaceleração no crescimento chinês, as exportações brasileiras terão números próximos do ano passado, com importações menores e um saldo comercial recorde. “Algumas questões, no caso brasileiro, são mais estruturais, como a ascensão das exportações de petróleo, onde a China tem uma relevância grande, mas outros mercados têm ocupado o lugar dela”. Quanto ao minério de ferro, o Brasil tem elevado as exportações, a despeito da desaceleração do mercado imobiliário, segundo o especialista, devido à recomposição de estoques.
Pessimismo exagerado?
A atividade chinesa segue mostrando sinais de enfraquecimento, mas os números mais recentes indicam um cenário um tanto mais promissor, segundo Ribeiro. A realidade, de acordo com ele, estaria mais desconectada de um pessimismo exagerado de manchetes.
A Empiricus avaliava que uma retomada mais robusta do consumo seria realmente mais demorada, com maior propensão de poupança da China e cautela frente às recentes medidas. Ou seja, um delay nos resultados da retomada e estímulos já era previsto. Com o passar do tempo, a situação ficou pior, com problemas de alavancagem da construção civil voltando a permear a situação da China. “Sem o motor da construção civil, a China se viu meio atravancada e sem capacidade de continuar expandindo seus investimentos. De certa forma, a economia chinesa parou, entre aspas, nesses primeiros seis meses”.
Parecia que a China voltaria a ganhar fôlego neste ano, com euforia em relação ao turismo – e que os problemas associados à construção civil estariam com riscos sistêmicos amenizados. Indicadores econômicos continuaram a patinar, com balança comercial arrefecendo e yuan se desvalorizando. As famílias ainda não se sentem confortáveis em consumir as poupanças e realizar novos investimentos – tendo em vista as perdas no setor de imobiliário.
Além do aprofundamento da briga com os Estados Unidos e maior concorrência em semicondutores, a desvalorização brutal do iene, do Japão, deu espaço para o player fomentar sua balança comercial - penalizando as exportações chinesas. A China perdeu mercado para mercados europeus no cenário pós-pandêmico, para somar à situação.
Gabriel Mota, da Manchester Investimentos, afirma que há uma grande dificuldade de previsibilidade para os dados chineses e o mercado olha muitos informações com certo ceticismo. Mesmo com as dificuldades, ainda que o crescimento relativo frente ao passado seja menor, a economia está em forte crescimento, pondera.
Alocação diante do cenário
Ribeiro não acredita que setores mais expostos à China entrarão em espiral negativa, mas o momento é de menor impulso do gigante asiático. Ou seja “não é necessariamente um cenário tão negativo a ponto de fazer a gente mudar de ideia, mas vai exigir uma análise mais fina por parte dos investidores”.
Quanto à percepção sobre as ações da Vale (BVMF:VALE3) nesse contexto, Ribeiro reforça a tendência de recomposição de estoques do minério de ferro. “Estão discutindo uma resiliência que, na verdade, não é uma resiliência”, aponta, ao lembrar do monopólio da companhia e de outras gigantes como BHP e Rio Tinto (LON:RIO), mas ponderar que a China pode exercer seu poder de formação de preços.
João Piccioni, analista da Empiricus Research, recorda que uma das apostas da casa de análises era nas ações do Booking, mas a recomendação agora é embasada na migração do vetor China para um aumento da ida de americanos à Europa. Além disso, a Empiricus recomendava um ETF chinês ligado à economia interna, com investimentos em ações locais listadas, como redes de supermercados e restaurantes. Ao longo do semestre, com a mudança de percepção sobre a economia chinesa, trocou a posição por Japão, que considera mais promissora nesse momento.
Em relação aos vetores brasileiros para a tese, a Empiricus segue contrativa com as ações da Vale, que considera baratas. “A Vale está sendo negociada a múltiplos muito interessantes, tem toda essa história da margem de segurança, capacidade de distribuir dividendos. Mas outro ponto que precisamos ficar na cabeça é o avanço das demais economias asiáticas, como a Índia, que vai demandar volume de aço expressivo e um dos principais exportadores de aço para a Índia é justamente a China”.
A Manchester entende que os receios dos investidores ocorrem porque as projeções eram de uma retomada robusta após a flexibilização das medidas de covid-zero, o que não aconteceu, penalizando papéis atrelados ao país.
“A gente tem a visualização de que alguns ativos que são relacionados à China, como Vale, estão com depreciação além do que deveria estar, então tem espaço para performar, mas a precificação em China deve ter um pouquinho mais de cautela”, orienta, pois depois de toda a percepção de que a economia andaria após as medidas de covid-zero, os números ainda não apareceram.
“Ativos depreciados que precisam de China, como Vale e JBS (BVMF:JBSS3), ainda estão muito descontados e tem espaço legal para performar bem. Para a gente já está no preço, até além do que deveria estar. E isso abre oportunidades”.
No entanto, a Manchester não recomenda mudanças de alocação e Vale segue na carteira recomendada. “Todo esse cenário não descredencia nada para nossa bolsa no Brasil e outros ativos podem puxar o índice”, completa.