Por Bernardo Caram
BRASÍLIA (Reuters) - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teve uma vitória tática nas negociações sobre a tributação de combustíveis, com o anúncio da reoneração a partir de março sendo recebido com surpresa por agentes do mercado, enquanto membros da equipe econômica celebravam a decisão nos bastidores.
Apesar de posições contrárias de aliados políticos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu reonerar parcialmente gasolina e etanol a partir de março, com validade de quatro meses. Também será taxada a exportação de petróleo pelo mesmo período.
Com a iniciativa, a Fazenda conseguirá recuperar integralmente os quase 29 bilhões de reais estimados por Haddad em janeiro, quando previu uma reoneração integral já a partir de março.
Isso será possível porque apesar de uma perda de 6,6 bilhões de reais em relação ao plano original com a reoneração apenas parcial por quatro meses, o mesmo montante deve ser arrecadado com a taxação das exportações de petróleo. Após esse período, a reoneração será integral se o Congresso não alterar a medida.
Após a vitória, a pasta poderá centrar esforços nas tratativas para apresentar ainda em março o novo arcabouço fiscal, que também atravessará temas politicamente sensíveis.
A Reuters mostrou na semana passada que a equipe econômica contava com a reoneração imediata, mas ainda temia uma guinada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já que ele se inclinou à ala política ao prorrogar o benefício em janeiro.
Com a concretização do cenário defendido por Haddad, uma fonte do Ministério da Fazenda afirmou se tratar de uma vitória importante, destacando que o resultado dá um impulso de confiança para as negociações em torno do novo arcabouço fiscal que substituirá o teto de gastos.
“Bom resultado para o país. Agora é seguir o trabalho com foco nas reformas estruturais”, ressaltou uma segunda fonte, sob condição de anonimato.
O economista da XP (BVMF:XPBR31) Tiago Sbardelotto afirmou que a instituição espera que o déficit primário do governo neste ano fique em 84 bilhões de reais com as medidas.
A XP projetava que a inflação ficaria em 5,7% em 2023 com a reoneração completa, cálculo que deve mudar com a retirada parcial do benefício. Sbardelotto ressaltou que a melhora fiscal com a medida pode melhorar as expectativas futuras para a inflação.
Para o economista-chefe do Banco Original, Marco Caruso, a decisão gera saldo positivo para Haddad.
“Foi uma surpresa positiva do ministro Haddad contra o que os jornais chamam de ala política”, disse.
Após Haddad ser derrotado em janeiro, quando Lula determinou a prorrogação do benefício até fevereiro para gasolina, álcool, querosene de aviação e gás natural veicular e até dezembro para diesel e gás de cozinha, houve divergência pública entre a equipe econômica e aliados políticos do presidente.
Haddad manteve sua posição contra a manutenção das desonerações a esses insumos, inserindo os 29 bilhões de reais em incremento de receitas com a reoneração no plano de ajuste apresentado em janeiro.
A equipe da Fazenda também vinha se posicionando contra essas isenções tributárias com o argumento de que conceder benefícios a combustíveis fósseis contraria os princípios do governo de defesa do meio ambiente.
A ala política, no entanto, demonstrava preocupação com o efeito inflacionário da recomposição dos tributos. A disputa ganhou publicidade após a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), ter se colocado contra a reoneração e afirmado na sexta que a medida penalizaria o consumidor e pressionaria a inflação.
Após o anúncio desta terça, Gleisi ajustou o discurso e disse em redes sociais que "Lula teve sensibilidade para diminuir o impacto da reoneração de combustíveis no bolso do consumidor", sem fazer menção a Haddad.
A decisão final também atendeu parcialmente a ala política, já que o governo negociou com a Petrobras (BVMF:PETR4) e viu concretizada uma redução nos preços de combustíveis para amenizar o impacto da reoneração, minimizando o efeito sentido pelo consumidor.
INTERESSES POLÍTICOS
Foco da equipe econômica juntamente com a reforma tributária, a definição do arcabouço fiscal também vai esbarrar em interesses de políticos e promessas de campanha de Lula, já que compromissos como a política de valorização do salário mínimo, a ampliação de gastos sociais e a concessão de reajustes ao funcionalismo geram novas despesas continuadas.
Em entrevista à Reuters neste mês, o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, afirmou que o novo arcabouço fiscal precisará ter uma regra de controle do crescimento dos gastos, especialmente os permanentes.
A própria equipe de Haddad tem defendido, por outro lado, que a nova regra fiscal tenha certa flexibilidade para permitir gastos maiores em áreas consideradas estratégicas pelo governo e que também preveja um mecanismo para autorizar gastos maiores em situações de choque econômico.
O teste da influência de Haddad sobre Lula também está em foco porque a Fazenda precisará negociar com o Planalto indicações para diretorias do Banco Central, que vinha sendo alvo de críticas do presidente enquanto Haddad exibia tom conciliador com a autoridade monetária.
Os embates públicos do presidente com o BC cessaram recentemente --a diretriz no governo é retirar Lula dessa linha de frente, deixando-a a cargo do PT.
Os mandatos dos diretores de Política Monetária e de Fiscalização da autarquia terminam nesta terça-feira e o mercado aguarda as indicações de Lula para entender se serão apresentados nomes que poderiam atuar como contraponto às visões do presidente do BC, Roberto Campos Neto.
Haddad, que já antecipou que os nomes não serão revelados nesta semana, afirmou neste mês que debateu com Campos Neto nomes técnicos para ocupar as vagas e que levaria sugestões a Lula, a quem cabe a definição.