Por Isabel Versiani
BRASÍLIA (Reuters) - Um dos economistas mais conhecidos do país, famoso pela capacidade de se reinventar e manter protagonismo no debate público e influência junto a diferentes governos, o que fez por mais de cinco décadas, Delfim Netto morreu nesta segunda-feira, aos 96 anos, "em decorrências de complicações no seu quadro de saúde", após uma semana de internação hospitalar, disse sua assessoria de imprensa.
Homem forte da economia durante o regime militar, quando foi ministro de três presidentes e deu aval ao Ato Institucional nº 5, marco do endurecimento da ditadura, Delfim também foi conselheiro informal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seus dois primeiros governos.
Em comunicado, Lula reconheceu Delfim como um "adversário político", mas também disse que o economista tinha "grande inteligência e erudição", destacando ainda seu apoio às medidas implementadas pelo petista durante seus dois primeiros mandatos.
"Durante 30 anos eu fiz críticas ao Delfim Netto. Na minha campanha em 2006, pedi desculpas publicamente porque ele foi um dos maiores defensores do que fizemos em políticas de desenvolvimento e inclusão social que implementei nos meus dois primeiros mandatos", disse Lula.
"Em um curto espaço de tempo, o Brasil perdeu duas referências do debate econômico no país: Delfim Netto e Maria da Conceição Tavares. Fica o legado do trabalho e pensamento dos dois", acrescentou.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também lamentou a morte do economista em publicação no X: "O professor Antônio Delfim Netto merece respeito por ter se dedicado ao progresso econômico brasileiro. Meus sentimentos aos amigos e familiares."
Ex-embaixador do país em Paris, deputado federal por cinco mandatos, consultor e articulista, Delfim manteve durante a vida longa relação com a USP, onde se graduou em Economia, em 1951, na terceira turma da então Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas e veio a se tornar professor catedrático (titular), diretor de pesquisa e membro do conselho universitário.
Em 2012, o economista doou sua biblioteca de mais de 250 mil livros à universidade.
Delfim nasceu em 1928 na cidade de São Paulo e foi criado no então bairro operário do Cambuci (BVMF:CAMB3). Sua mãe era costureira e seu pai, que morreu quando Delfim era adolescente, foi funcionário da companhia municipal de transportes.
No final dos anos 1950, já atuando como acadêmico, o economista foi convidado a integrar a equipe de planejamento do governo do Estado de São Paulo. Em 1966, após o golpe militar, assumiu o comando da Secretaria da Fazenda do Estado, dando início a sua vida política.
Com menos de 40 anos foi nomeado ministro da Fazenda do presidente Artur da Costa e Silva e mantido no cargo no governo seguinte, comandado pelo general Emílio Garrastazu Médici. Sua política econômica, de 1967 a 1974, foi focada principalmente no estímulo ao crescimento por meio dos gastos públicos e no esforço de combate à inflação. Em meio a um ambiente externo favorável, o período acabou ficando conhecido como "milagre econômico", com o país crescendo a taxas médias superiores a 9%.
Ao deixar o governo, Delfim foi nomeado embaixador em Paris. O economista voltaria a Brasília no mandato do general João Figueiredo, último presidente da ditadura, que enfrentou um cenário internacional bem mais adverso.
Primeiro como ministro da Agricultura, depois à frente de uma Secretaria de Planejamento com poderes ampliados, Delfim foi um dos protagonistas da equipe econômica em um período marcado por crises, queda do PIB e disparada da inflação, na primeira metade da "década perdida" dos anos 1980.
Após a redemocratização, Delfim se lançou na política parlamentar e abriu uma consultoria. Foi eleito deputado federal por cinco vezes consecutivas -- primeiro pelo PDS, partido herdeiro da Arena, que dava sustentação ao regime militar, depois pelos sucessores PPR e PPB. Posteriormente foi filiado ao PP e ao PMDB.
Delfim afirmava não se arrepender de ter participado do governo militar e de ter assinado o AI-5, que em dezembro de 1968 suspendeu direitos políticos e garantias como o habeas corpus, reforçou a censura e, em última instância, abriu caminho para a institucionalização da tortura e de outras violações de direitos humanos.
Em entrevista ao programa Roda Viva, em 2019, o economista afirmou que assinaria o ato novamente. "Não tem arrependimento possível sobre alguma coisa que você não tem nenhum controle", afirmou.
O economista também disse considerar tolice as discussões, no então governo Jair Bolsonaro, que negavam o golpe de 1964. "É claro que houve um golpe. Houve sim, porque se quebrou as disposições constitucionais, é por definição."
Delfim voltou a se associar ao governo, dessa vez indiretamente, nos dois primeiros governo de Lula, com quem mantinha diálogo constante. Em 2022, anunciou que votaria no petista, que disputou a Presidência com Bolsonaro.
Delfim foi alvo de busca e apreensão da operação Lava Jato, suspeito de ter recebido propina durante projeto de construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Ele negou as acusações, dizendo que recebeu pagamento de uma construtora por uma consultoria e que teria declarado o dinheiro.
Mesmo tendo sido colunista dos principais veículos de imprensa durante anos tratando essencialmente de política econômica, Delfim, que era pouco afeito a tecnologia e escrevia seus textos em máquina de escrever, ganhou destaque nas redes sociais com um vídeo em que defendia o sedentarismo.
"Das piores coisas para a sobrevivência é ginástica", disse o economista, em um vídeo mais antigo que gerou muitas visualizações e polêmica nos anos recentes. Com aparente ironia, ele argumentava que o coração tem uma vida útil limitada, que seria encurtada pelo exercício físico.
(Reportagem adicional de Fernando Cardoso, em São Paulo)