Por Bernardo Caram
BRASÍLIA (Reuters) - A PEC da Transição vai provocar um aumento do déficit público e da dívida do governo, disse nesta sexta-feira o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ressaltando que a questão fiscal poderá interferir nos cenários avaliados pela autoridade monetária para definir sua atuação.
Campos Neto afirmou, em evento promovido pela Bloomberg, que é muito importante ter coordenação entre políticas fiscal e monetária. Segundo ele, o elemento incerteza define grande parte do trabalho do BC.
"A política fiscal é um 'input' para nós. E se, através desse 'input', nós acreditarmos que a convergência (da inflação) que a gente havia planejado não será atingida, reagiremos", disse.
A estimativa apresentada pelo presidente do BC aponta que eventual aprovação da PEC apresentada pelo governo eleito deve levar o déficit primário do governo central de 0,8% para 1,5% do PIB em 2023. Como consequência, o aumento da dívida bruta do governo entre 2022 e 2023, atualmente estimado de 77,7% para 81,9% do PIB, "seria ainda maior".
Na apresentação, Campos Neto disse que muitos dos programas temporários do governo devem se tornar permanentes, sendo difícil para os agentes econômicos entender qual será o arcabouço fiscal do país à frente, e destacando que "o mercado não é um monstro ou uma entidade", mas um mecanismo de alocação de recursos na economia.
"O Brasil tinha o mercado precificando o início da reversão do processo (de aperto monetário) entre fevereiro e junho (de 2023), mas por conta da incerteza nos planos fiscais do governo eleito, começamos a ver que agora não apenas você não precifica taxas mais baixas, mas na verdade você precifica taxas mais altas no curto prazo", afirmou.
Campos Neto disse ser necessário olhar para o social juntamente com a disciplina fiscal. Ele alertou que quando o governo passa do ponto "tentando fazer mais, na verdade significa que você está fazendo menos" porque desorganiza o mercado, afetando mais fortemente aqueles que inicialmente eram o foco da ajuda.
Ele foi cauteloso ao afirmar ser preciso esperar para ver o que de fato será aprovado na área fiscal, ponderando que o mercado vê uma vontade do governo eleito em gastar mais do que o esperado.
"Se temos menos incerteza, somos capazes de gastar mais com menos dano ao mercado e à credibilidade. Gerar incerteza provavelmente retira o espaço que você tem para gastar", disse.
A PEC apresentada pela equipe de Luiz Inácio Lula da Silva retira da contabilidade do teto de gastos quase 200 bilhões de reais em 2023 principalmente para bancar repasses sociais, além de não delimitar um prazo de vigência para a exceção à regra fiscal. Como mostrou a Reuters, a medida tem potencial para elevar a dívida bruta a 90% do PIB no mandato do petista, segundo apontam analistas, além de pressionar a inflação e dificultar o trabalho do Banco Central.
INFLAÇÃO
Em relação à dinâmica da inflação, o presidente do BC disse não achar que o trabalho da autoridade monetária está feito, não havendo razões para celebrar e sendo necessário persistir.
Para ele, o BC ainda tem que entender os avanços recentes nos números da inflação, mas não vê um cenário de dominância fiscal --quando o descontrole das contas públicas chega a um ponto crítico que prejudica a capacidade do BC de manejar a inflação por meio da política monetária.
Sobre a atividade econômica, o presidente do BC disse que a autarquia projeta uma desaceleração do crescimento em 2023, fruto da redução de preços das commodities, arrefecimento da economia global e efeito do aperto monetário doméstico.
O BC interrompeu seu ciclo de alta de juros para combater a inflação e manteve a taxa Selic em 13,75% ao ano nas duas últimas reuniões do Comitê de Política Monetária, mas deixou a porta aberta para novos ajustes se considerar necessário.
Campos Neto afirmou ainda que a liberação de crédito subsidiado tem impacto na taxa neutra de juros do país, ressaltando que um retorno a um cenário com bancos públicos concedendo esse tipo de crédito "mudará nosso quadro".