Por José de Castro e Luana Maria Benedito
SÃO PAULO (Reuters) - O recrudescimento de temores fiscais domésticos voltou a pressionar o dólar para cima nas últimas semanas, mas por ora analistas têm evitado de forma geral alterar as estimativas para a taxa de câmbio, prevendo algum alívio nas tensões em Brasília e também citando efeitos dos juros mais altos e dos preços das commodities.
Entre a mínima de 29 de julho e a máxima de agosto (do dia 9), o dólar futuro acumulou alta de 5,4%, com a moeda saindo de 5,04 reais para pouco acima de 5,31 reais. Aos preços desta sexta, a valorização ainda é de 4%, com a taxa de câmbio em torno de 5,23 reais por dólar.
As renovadas preocupações com as contas públicas vieram à tona em 30 de julho, depois de o ministro da Economia, Paulo Guedes, dizer que a equipe econômica havia verificado desde o ano passado aumento atípico de uma outra despesa pública que poderá demandar uma reação por parte do governo. Posteriormente, divulgou-se que esse gasto era referente aos precatórios, que somariam em torno de 89 bilhões de reais para 2022.
O ministro, então, propôs parcelamento dos pagamentos sob certos critérios, o que liberaria espaço no Orçamento para acomodar um Bolsa Família turbinado --numa estratégia do governo Bolsonaro para recuperar popularidade, já de olho nas eleições de 2022.
A proposta sobre os precatórios, contudo, foi bastante mal recebida por investidores, com alguns avaliando que se tratava na prática de uma pedalada fiscal. Paralelamente, o governo continuou insistindo num Bolsa Família de valores maiores, com um aumento mínimo médio de pelo menos 50% no benefício.
Além disso, os textos da reforma do Imposto de Renda também causaram estresse nos preços dos ativos, já que implicam menor arrecadação pelo governo, o que também ocorreria com um novo Refis aprovado pelo Senado. A Câmara dos Deputados adiou para a próxima terça-feira a votação do projeto que altera regras do IR, o que na véspera deu gás à alta do dólar.
Profissionais de bancos e gestores concordam que os eventos recentes adicionam um elemento de risco, mas ponderam haver expectativa de algum desfecho menos custoso à percepção fiscal e aos cofres do governo.
"Acho que até lá vai haver um refresco nessas preocupações de agora; não é algo para daqui a uma, duas semanas, mas deverá acontecer, e os fluxos de dólar seguem fortes", afirmou Victor Scalet, estrategista macro da XP.
Scalet disse que a equipe da casa se reuniu na quinta e decidiu manter a previsão de dólar a 4,90 reais ao fim do ano, o que implicaria queda nominal de 6,3% ante os patamares atuais.
O Rabobank vê uma taxa mais alta ao fim do ano, de 5,15 reais, mas manteve premissas que ajudariam a evitar uma depreciação extra do real. Essa cotação embute recuo de 1,6% do dólar desta sexta até dezembro.
Os estrategistas Maurício Une e Gabriel Santos acreditam que o Congresso manterá os debates sobre reformas estruturais até o fim deste ano, o que amenizaria a percepção de risco em outras frentes. A melhora dos termos de troca e números de conta corrente benignos também trabalham a favor da taxa de câmbio, que deve terminar 2022 em 5,20 por dólar, de acordo com o Rabobank.
Selic para cima
Os juros mais altos são um importante componente na conta de um real menos pressionado, a despeito dos barulhos político-fiscais. O Banco Central voltou a subir as taxas em março, e desde então a Selic saiu de uma mínima histórica de 2% ao ano para 5,25%, com o BC adotando um discurso cada vez mais duro com a inflação e deixando claro que o juro subirá acima da taxa neutra nominal, estimada atualmente no mercado entre 6,5% e 7%.
Com isso, aumentaram os retornos do real. A taxa embutida em contratos de NDF de um ano --instrumento bastante utilizado por estrangeiros para posicionamento na taxa de câmbio brasileira-- já roda a casa de 7% ao ano, contra 3,5% do começo de 2021 e acima dos rendimentos pagos por contratos similares de moedas emergentes pares.
"Vamos ter de esperar o BC continuar fazendo o seu trabalho bem-feito, engrossar o discurso de perseguir a meta. Isso (correção no juro real) vai acontecer em algum momento, e aí teremos o diferencial de juros jogando a favor da nossa moeda", afirmou Gustavo Menezes, gestor macro da AZ Quest com foco em câmbio.
Menezes entende que os "barulhos políticos e fiscais" não devam se sobressair aos "fatos" (uma política fiscal mais austera) e, por isso, ainda mantém posições favoráveis ao real contra o dólar e uma cesta de pares, embora em tamanho menor do que antes. Assim, a equipe de análise macroeconômica da AZ Quest mantém prognóstico de dólar a 4,80 reais ao fim de 2021 e de 2022 --queda de 8,3% ante a cotação negociada nesta sexta.
Em revisão de cenário divulgada na quinta-feira, o Itaú Unibanco (SA:ITUB4) manteve prognóstico de que o dólar fechará 2021 em 4,75 reais em 2021 e 2022 em 5,10 reais. "Reconhecemos, no entanto, que os riscos para esse cenário de apreciação cambial aumentaram em linha com o aumento das preocupações fiscais", disse o banco em relatório.
Por ora, o Citi segue vendo dólar de 5,32 reais ao término de dezembro, com a cotação indo a 5,40 reais no encerramento de 2022. Mais conservador, o Société Générale (PA:SOGN) mantém previsão de taxa de 6,00 reais ainda neste ano, com o real pressionado pelas incertezas domésticas.
Veja a distribuição de frequência das projeções para a taxa de câmbio na pesquisa Focus:
Risco FED
Algumas casas, contudo, fizeram ajustes nas expectativas para o dólar, considerando também fatores externos.
É o caso do BTG Pactual (SA:BPAC11), que passou a apostar num dólar a 5,00 reais ao fim de 2021, contra projeção anterior de 4,90 reais. O banco apontou, além do ruído fiscal doméstico, sinais de que o banco central dos Estados Unidos está intensificando o debate sobre uma redução de seu programa de apoio à economia.
Com esse pano de fundo, o BTG enxerga um dólar fortalecido ao redor do mundo nos próximos meses, o que segundo o banco pode se estender ao mercado de câmbio no Brasil. O índice do dólar se aproximou na véspera de máximas em quatro meses.
Pesquisa da Reuters com economistas mostrou que a maioria dos entrevistados espera que o Fed anuncie redução de seu estímulo em sua reunião de setembro e comece a cortar as compras efetivamente já no primeiro trimestre do ano que vem. Isso poderia afetar ativos emergentes, já que na prática se traduziria em menor liquidez.
"A busca por ativos de mercados emergentes é algo natural em momentos (de ampla liquidez), e, por mais que o Brasil não deslumbre nenhum investidor estrangeiro, nossos 'concorrentes' também passam por momentos turbulentos", disse a RB Investimentos em relatório assinado pelo estrategista Gustavo Cruz, apontando ambientes geopolíticos e econômicos complicados no México, na África do Sul e na Turquia.