Por Lisandra Paraguassu
BUENOS AIRES (Reuters) -A proposta de uma moeda comum para transações comerciais com a Argentina, em processo que terá como um primeiro passo a implantação de um mecanismo de financiamento às exportações do país vizinho, visa enfrentar um problema de falta de divisas da economia argentina e permitir que o Brasil recupere terreno na relação comercial com um importante consumidor de produtos industrializados do país, disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nesta segunda-feira.
"Quem está oferecendo financiamento de médio e longo prazo está levando um comércio que seria natural entre Brasil e Argentina", disse Haddad a jornalistas em Buenos Aires, citando a China como principal competidor, não na qualidade dos produtos, mas no prazo de financiamento.
"Nossas exportações de manufaturados são para América do Sul. Se a gente perder esse espaço aumenta a desindustrialização na região", complementou.
A Argentina é o terceiro principal destino das exportações do Brasil e a terceira principal origem das importações brasileiras. Em 2022, do total de 15,4 bilhões de dólares exportados pelo Brasil à Argentina, 91% foram em produtos industrializados.
Depois de afirmar em discurso que parte dessa nova engenharia envolverá o financiamento de exportações pelo Banco do Brasil (BVMF:BBAS3) por meio de cartas de crédito --o que derrubou as ações do banco--, Haddad negou que haverá risco para o banco estatal ou qualquer outra instituição financeira.
"O Banco do Brasil não vai tomar risco nenhum com essa operação de crédito de exportação. Nós vamos ter um fundo garantidor, que é um fundo soberano, que vai garantir as cartas de crédito emitidas pelo BB para os exportadores brasileiros”, repetindo que está sendo negociado um sistema de garantias com a Argentina.
O risco para o banco, diz Haddad, é apenas o de conversão entre o peso e o real. Hoje, com 30 dias, a perda do banco é pequena. Com o aumento do prazo, pode passar a ser maior, mas aí, explica, entra o fundo garantidor de exportações.
Ao mesmo tempo, o governo brasileiro negocia que, a cada operação, o governo argentino irá oferecer colaterais com liquidez internacional --que podem ser títulos da dívida de países estáveis ou contratos futuros de venda de commodities, por exemplo. No caso de a empresa argentina não honrar seu compromisso com o banco brasileiro e o fundo garantidor tiver que ser acionado, o governo brasileiro teria como recuperar os recursos.
MOEDA ÚNICA
Haddad e sua contraparte argentina, o ministro Sergio Massa, repetiram várias vezes que a proposta não envolve uma moeda única, como chegou a ser defendido pelo e-ministro da Economia do governo Jair Bolsonaro, Paulo Guedes.
"Meu antecessor defendia uma moeda única, não é disso que estamos falando, não se trata da ideia de Paulo Guedes, se trata de avançarmos nos instrumentos previstos e que não funcionaram a contento", disse.
O ministro citou como exemplos que não funcionaram bem a possibilidade de pagamento em moeda local pelos dois países e o CCR (BVMF:CCRO3) (Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos), mecanismo de compensação entre bancos centrais.
Ele afirmou que a iniciativa vai além de uma engenharia para pagamento em moedas locais, mas não tem como objetivo chegar a ser algo parecido com um euro --a moeda única da União Europeia.
Em agosto de 2021, Guedes afirmou que uma moeda única para o Mercosul possibilitaria uma integração maior e uma área de livre comércio, e criaria uma divisa que poderia ser uma das "cinco ou seis moedas relevantes no mundo".
Nesta segunda, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, também explicou que a ideia de criar uma moeda comum para transações entre Brasil e Argentina nada tem a ver com uma substituição das moedas nacionais.
"É uma proposta de câmara de compensação para que a gente possa viabilizar comércio na região de forma que ele não fique dependente e condicionado à oferta de dólares, que esta condicionada à política monetária norte-americana", disse à Reuters.
Haddad também disse que a integração de países da América Latina deveria ser “um pouco mais radical”, mencionando que o “Mercosul foi uma grande iniciativa, mas penso que chegou o momento de ser mais ambicioso”.
(Com reportagem adicional de Bernardo Caram, Marecela Ayres e Victor Borges; edição de Isabel Versiani)