(Reuters) - A relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre os ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), propôs nesta terça-feira o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro pelos crimes de associação criminosa, violência política e tentativas de abolição do Estado democrático de direito e de golpe de Estado.
Bolsonaro é o primeiro da lista de possíveis indiciados no relatório de Eliziane, que apontou o ex-presidente como responsável direto e mentor moral dos ataques de 8 de janeiro, quando vândalos bolsonaristas radicais invadiram e depredaram o Palácio do Planalto e os prédios do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Procurada, a assessoria de Bolsonaro ainda não respondeu a pedido de comentário sobre o parecer da senadora.
A senadora também pede, no relatório, os indiciamentos dos generais da reserva Walter Braga Netto, que foi ministro da Defesa e da Casa Civil sob o governo Bolsonaro e seu candidato a vice na eleição de 2022, e Augusto Heleno, que chefiou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) na administração Bolsonaro.
Para a relatora, a retórica adotada pelo ex-presidente ao longo de seu mandato preparou o terreno para as ações antidemocráticas que resultaram nos eventos de 8 de janeiro.
"A violência física do 8 de janeiro foi precedida pela violência simbólica que, durante todo o mandato de Jair Bolsonaro, constituiu parte essencial da estratégia de comunicação política do governo federal", disse Eliziane no texto apresentado à CPI.
"Normalizada no primeiro escalão da República, a virulência verbal se disseminou entre o cordão de apoiadores do ex-presidente... em uma escalada de agressividade e intolerância que culminaria com tentativa de supressão material da própria oportunidade de diálogo, por meio do ataque às instituições democráticas", afirmou.
Eliziane dividiu seu relatório em tópicos que destrincham, em suas palavras, temas como a atuação de milícias digitais na propagação de desinformações, a cooptação política das forças de segurança e o aparelhamento da Polícia Rodoviária Federal, além da estratégia armamentista da gestão anterior. A senadora também mencionou os acampamentos de apoiadores do ex-presidente em frente a quartéis e instalações militares pelo país.
Além disso, o parecer cita sistemáticos ataques à democracia, ao sistema eleitoral e a suas instituições, por parte de Bolsonaro e seus aliados, além de tentativas de obstrução das eleições entre o primeiro e o segundo turno e do esforço pela anulação das eleições em que o ex-presidente foi derrotado.
Nesse sentido, a senadora abordou a chamada minuta do golpe, rascunho de instrumento legal que estabelecia as condições para a reversão da vitória eleitoral do agora presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao instituir um Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
"Não se pode analisar o dia 8 de janeiro como um ato isolado, desvinculado de quaisquer acontecimentos pretéritos, como o dia 12 de dezembro (ataque à sede da Polícia Federal em Brasília); ou o dia 24 de dezembro (colocação de artefato explosivo em um caminhão-tanque nas proximidades do Aeroporto Internacional de Brasília)", disse a relatora, no texto apresentado nesta terça.
Para a senadora, não se pode considerar que aqueles que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, recusando-se a aceitar o resultado eleitoral, fossem "ratos solitários".
"Muitas dessas pessoas foram manipuladas por indivíduos que as instrumentalizaram para seus fins criminosos, contrários à convivência pacífica que deve permear as relações sociais e políticas, no Brasil e no mundo."
Eliziane lembrou depoimento do hacker Walter Delgatti à CPI. Segundo ele, Bolsonaro teria oferecido um indulto em troca de colocar em dúvida a lisura das urnas eletrônicas. O hacker também teria de assumir a autoria de um suposto grampo telefônico contra o presidente do TSE e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.
A relatora ainda mencionou a reunião feita pelo então presidente com embaixadores na qual Bolsonaro colocou em dúvida o sistema eletrônico de votação brasileiro.
Com cerca de 1.300 páginas, o relatório apresentado em reunião da CPI nesta terça-feira deve ter sua discussão iniciada na manhã da quarta-feira. Encerrada a discussão, que não deve ser breve, integrantes do colegiado passam à votação.
Caso o relatório de Eliziane com o pedido de indiciamento de Bolsonaro seja aprovado na comissão, o documento deverá ser encaminhado ao Ministério Público, a quem caberá decidir se indicia o ex-presidente.
(Por Eduardo Simões, em São Paulo; Reportagem adicional de Maria Carolina Marcello, em Brasília)