Por Lisandra Paraguassu e Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - Depois de uma série de crises políticas e mal-entendidos, o governo do presidente Jair Bolsonaro enfrenta mais um período turbulento no Congresso, com derrotas seguidas, que podem ter como consequência imediata a queda de uma série de medidas provisórias, como a que abre o capital das empresas aéreas para estrangeiros.
Fontes ouvidas pela Reuters confirmam que, depois de um período de promessas de melhora no diálogo, o governo passa pela pior fase de articulação nesses poucos mais de cinco meses, o que se reflete na incapacidade de conseguir aprovar -ou derrotar- coisas simples, como a convocação do ministro da Educação, Abraham Weintraub, para explicar o contingenciamento no orçamento da sua pasta ao plenário da Câmara.
"Tinha melhorado um pouco, mas piorou de novo, e muito. O governo é o retrato da desarticulação e da falta de coordenação", disse um parlamentar com ótimo trânsito na Casa.
A preocupação central do Planalto agora é não perder o prazo para votar a MP 870, que reestruturou o governo. As fontes lembram, no entanto, que o texto já podia ter sido votado se o próprio partido do presidente, o PSL, não tivesse decidido comprar briga com o retorno do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Ministério da Economia, como foi aprovado na comissão mista que analisou a proposta.
A MP vence apenas no dia 3 de junho, mas por uma decisão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), --após uma provocação do deputado Diego Garcia (Podemos-PR)-- só deverá ser votada depois de outras seis que vencem antes e já estão prontas para ir a plenário.
Esta semana, com a ausência de Maia, que estava no exterior, e com um movimento do chamado centrão, que barrou qualquer negociação, quase nada foi votado.
Mas a MP 870 não é a primeira a caducar. Na próxima quarta-feira cai o texto que altera os limites de participação de capital estrangeiro nas empresas áreas, permitindo que chegue a 100 por cento. Uma versão da mesma proposta tramita em projeto de lei, mas ainda precisa passar pelo Senado.
Outra MP importante que corre o risco de caducar, também em 3 de junho, é a que altera o marco legal do saneamento básico, mudando a regra que permitia a dispensa de licitação para empresas públicas fornecerem o serviço. Esta MP é aguardada pelo governo do Estado de São Paulo para decidir o futuro da Sabesp (SA:SBSP3). A estatal pode ser privatizada ou capitalizada, dependendo da MP.
Entre outras medidas provisórias que podem perder a validade estão a 871, que visa combater fraudes na Previdência, a 872, que trata de gratificações de servidores da Advocacia-Geral da União (AGU), a 869, sobre proteção de dados pessoais, e a 866, que cria a estatal NAV Brasil Serviços de Navegação Aérea.
Com exceção da MP 870, que altera a configuração do próprio governo, o Planalto não demonstrou interesse na negociação de nenhum dos outros textos. Questionadas, fontes do Planalto confirmam que não há conversas sobre as MPs que podem caducar.
Uma das fontes do Congresso confirma que não há mesmo qualquer conversa sobre as MPs.
"O governo não tem articulação para votar nada. Está nas mãos do Rodrigo (Maia, presidente da Câmara). Ele que vai ter que colocar para votar e conversar com os partidos", disse o parlamentar.
Nos bastidores, mesmo entre representantes de partidos que não integram o chamado centrão, não há muita preocupação em correr com as medidas em plenário para garantir a aprovação da MP 870. O sentimento é que o governo que se mexa, se quiser garantir a validade da medida.
O impasse em torno da MP 870 tem como pano de fundo um cabo de guerra entre o Planalto e o Congresso, em que a cada momento o centrão tenta lembrar o governo o tamanho da sua força na Casa.
TATO
A "falta de tato" dos governistas --de parlamentares a ministros-- é um dos principais pontos de atrito e fragiliza a interlocução do governo. Ataques generalizados contra parlamentares fomentados nas redes sociais e crises provocadas pelo Planalto, irritam deputados e senadores.
Fontes lembram a recente confusão sobre o bloqueio de recursos na educação, em que Bolsonaro ligou para o ministro da área na frente de parlamentares para revogar a medida e depois voltou atrás. Em seguida, ministros e líderes do governo acusaram os deputados de criar "boatos".
"Eu não vou ficar de mentiroso perante a imprensa, perante a nação. Quem criou o boato foi o governo", afirmou o deputado Capitão Wagner (Pros-CE), um dos presentes ao encontro com Bolsonaro. "Eu quero ajudar, mas desse jeito o governo está demonstrando mais uma vez que está batendo cabeça."
Para completar, no dia seguinte, Weintraub, durante audiência na Câmara dos Deputados para explicar o contingenciamento na área, desagradou a quase todo mundo em plenário ao indagar se os deputados conheciam uma carteira de trabalho.
"O pessoal acha que eles (parlamentares e ministros) fazem essas coisas com aval do presidente, porque ele não desautoriza", reclamou a fonte.
Um líder de um dos partidos mais próximos ao governo conta ainda que, além do clima ruim causado pelos ataques, o governo não tem cumprido as promessas que faz aos partidos e aos deputados. A distribuição dos cargos regionais ainda não avançou, com quase cinco meses de governo.
"Houve toda aquela conversa de começar a negociar, mas até agora não aconteceu nada. Lógico que tem uma insatisfação generalizada", disse.
O líder lembra ainda que o governo não consegue garantir sua própria articulação interna e dentro do seu partido, que hoje é o único que pode ser chamado de base.
"O PSL é um saco de gatos. Cada um ali acha que pode fazer o que quer porque foi eleito com não sei quantos votos. E como creditam a eleição às redes sociais, não ao partido, o presidente não tem um controle", explicou.
E é nesse cenário que o governo tentará negociar uma aprovação em massa de MPs nos próximos dias. Uma das estratégias, para isso, seria neutralizar a atuação do líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO). De acordo com uma liderança parlamentar, líderes de outros partidos já avisaram que não aceitam negociar com o deputado.
Vitor Hugo não conta com a simpatia do presidente da Câmara e desde o início coleciona crises com os colegas parlamentares.
A mais recente aconteceu durante a tramitação da MP 870 na comissão mista. O governo cedeu, aceitou desmembrar o Ministério do Desenvolvimento Regional em dois --Cidades e Integração Nacional--, e ainda assim sofreu derrotas, como o retorno do Coaf ao Ministério da Economia, e não sob a alçada da pasta da Justiça, como queria o Executivo.
Uma linha de negociação de parte do governo aceitava as mudanças e tentava um acordo para possibilitar a votação da MP. Vitor Hugo, no entanto, afirmou em transmissão ao vivo em seu perfil do Facebook que trabalharia para reverter as mudanças e para evitar a criação de mais uma pasta, sob o argumento de que esse era o desejo dos que trabalharam pela eleição de Bolsonaro.
Mais recentemente, quando líderes do centrão chegaram a dizer que não votariam a MP se o governo insistisse em tentar tirar o Coaf do Ministério da Economia, conta uma das fontes, Victor Hugo deu de ombros e disse que se a MP caducasse governo preencheria os novos cargos com generais.
"Precisa tirar o líder. O centrão já avisou que não fala com ele, então não tem como", disse a liderança.
Bolsonaro, no entanto, continua a repetir que Vitor Hugo tem sua inteira confiança.
Em entrevista à Reuters esta semana, o presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), defendeu que o governo tem que se dar conta que precisa de votos no Congresso e que a bandeira da campanha, anti-establishment, não pode impedir de fazer articulação política.
"O governo tem que entender que precisa dos votos para fazer as reformas que ele quer sem, com isso, se aviltar”, disse.
Bivar afirma que existe um respeito ao movimento que os elegeu, contra o sistema. "Mas nem sempre a regra da política é assim, porque se demoniza muito o político, a articulação, a troca de cargos", afirmou.
Entre as reformas referidas pelo presidente do PSL está a da Previdência, principal bandeira do governo Bolsonaro, e que precisa de 308 votos em dois turnos para ser aprovada na Câmara e de 49 votos também em duas rodadas no Senado.
Na última quinta-feira, Bolsonaro, ainda durante viagem aos Estados Unidos, afirmou em um tuíte que jamais abrirá mão dos princípios fundamentais que sempre defendeu e com os quais a maioria dos brasileiros sempre se identificou.
"O Brasil pediu uma nova forma de se relacionar com os Poderes da República, e assim seguirei, em respeito máximo à população", afirmou.