Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) -O relator do projeto de lei que pretende regular as redes sociais no país, Orlando Silva (PCdoB-SP), disse que há uma "posição majoritária" na Câmara dos Deputados para votar a proposta nesta terça-feira, mas caberá ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), decidir se levará a iniciativa ao plenário.
"Houve uma consulta e a maioria dos partidos -- dos que falaram, estavam quase todos presentes -- sinalizaram uma posição majoritária de votar hoje", disse o relator a jornalistas.
"Até o final da tarde, o presidente Arthur Lira vai consolidar uma posição e decidir se vota no dia de hoje", emendou ele, na saída de uma reunião na residência oficial da Câmara com Lira e os líderes partidários.
Na chegada à Câmara, no final da tarde, o próprio presidente da Casa disse rapidamente que iria ao gabinete para "fazer as contas" com os lideres partidários sobre o apoio à proposta.
"Se tiver (votos para aprovar), é claro que vota. Se não tiver, meu intuito é que não vote hoje", disse ele, ao destacar que uma derrota na Câmara enterraria a proposta.
Uma fonte ligada a Lira disse mais cedo à Reuters que a contagem de votos estava bem dividida por bancada, mas levemente mais desfavorável à proposta. O presidente só deve levar adiante o plano de colocar o projeto em votação se houver ambiente para aprová-lo, e o texto não for desfigurado, disse.
É possível que somente a votação do texto-base seja realizada nesta terça, deixando pontos polêmicos para votações separadamente por meio de emendas ou destaques.
Apesar de estar em tramitação há anos na Câmara, o projeto tornou-se uma espécie de primeiro teste para Lira e para o governo na Casa diante do empenho do ministro da Justiça, Flávio Dino, no apoio à iniciativa. Mais cedo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que não iria se meter na votação da proposta.
ARTICULAÇÃO
A Câmara articula votar o ambicioso projeto que conta com apoio do governo Lula e da cúpula do Judiciário enquanto se acirra a campanha contrária de gigantes de tecnologia globais, de líderes religiosos e de oposicionistas, em especial os ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro. O PL, partido do ex-presidente e maior sigla da oposição, se declarou contrário ao texto.
O parecer da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência, conhecida como PL das Fake News, propõe responsabilizar as plataformas por conteúdos divulgados, em uma guinada em relação à norma atual, regida pelo Marco Civil da Internet.
As empresas terão que, por exemplo, atuar de forma ativa na busca -- e impedimento de divulgação -- de conteúdos que envolvam discriminação de gênero, idade e raça e que preguem crimes contra o Estado, as eleições e atos de terrorismo, mesmo ainda em fase preparatória.
A proposta ainda prevê que as plataformas terão de remunerar empresas jornalísticas por uso de conteúdos, deixando valores para uma regulamentação posterior. Grupos de mídia nacionais têm se colocado favoráveis ao texto.
"A situação atual (de regulação das redes) criou o ambiente para o 8 de janeiro, produziu um ambiente de violência em escolas e tragédias como as que aconteceram em São Paulo e Santa Catarina", disse o relator do texto à Reuters. "Tem um anseio da população para que haja parâmetros", destacou.
Pressionado por parlamentares, Orlando Silva fez recuos na última versão da proposta. Ele retirou a criação da autoridade autônoma no âmbito do governo para fiscalizar as redes sociais.
"Optei por tirar do texto essa proposta para permitir o debate fluir, porque tem muitos outros itens e se nós ficássemos paralisados, por não ter acordo com o papel dessa entidade, poderíamos perder uma oportunidade", disse o relator.
Para o parlamentar, a opção com maior apoio no momento é transferir essas competências para a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Outra possibilidade, contou, é deixar para a autorregulação das plataformas e, o que não for cumprido, seguirá para a esfera judicial.
CAMPANHA CONTRÁRIA
As plataformas ativaram uma intensa campanha contra o texto e, de forma geral, argumentam que a proposta traz riscos para a liberdade de expressão e para os negócios ao mesmo tempo em que cobram mais tempo para debatê-la, dizendo que trechos foram acrescidos nos últimos dias.
Os embates chegaram a um novo patamar quando o Google, que também controla o YouTube, lançou mão de sua própria plataforma para difundir críticas ao projeto.
Na segunda-feira, um link abaixo da janela principal do buscador no Brasil levava os usuários a um texto que afirma que o PL das Fake News teria o "potencial de impactar a vida de milhões de brasileiros e empresas todos os dias".
Nesta terça, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça, determinou que o Google sinalizasse imediatamente como propaganda o texto contrário ao projeto em sua página principal e que divulgue no mesmo espaço texto favorável à proposta, sob pena de multa de 1 milhão de reais por hora de descumprimento.
O Google retirou o link após o anúncio da Senacon, mas afirmou que já utilizou o expediente antes: "São recursos que já utilizamos em diversas ocasiões, incluindo para estimular a vacinação durante a pandemia e o voto informado nas eleições."
Também nesta terça, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a Polícia Federal colha depoimentos de representantes das plataformas Google, da Alphabet (NASDAQ:GOOGL), Meta e Spotify (NYSE:SPOT) no Brasil para que expliquem sua conduta em relação ao texto.
Horas depois foi a vez de o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) instaurar procedimento para apurar se houve suposto abuso de posição dominante por Google e Meta.
Para a Câmara Brasileira de Economia Digital, entidade que reúne Google, Facebook (NASDAQ:META) e TikTok, que se diz a favor de uma regulação, o projeto "agrava riscos de controle estatal".
A câmara afirma ainda que, mesmo após a supressão da entidade autônoma de fiscalização das plataformas, consta do texto a figura de um órgão emissor que poderia demandar às plataformas a remoção de conteúdos "com base em premissas genéricas, sem critérios objetivos".
Se aprovado, o projeto de regulação das plataformas digitais seguirá para votação no Senado.
(Reportagem adicional de Maria Carolina MarcelloEdição de Flávia Marreiro, Pedro Fonseca e Eduardo Simões)