Os ataques do grupo palestino Hamas contra Israel provocaram efeitos em cascata que vão muito além das fronteiras da Faixa de Gaza. O conflito minou, por exemplo, as expectativas de um reordenamento pacífico das relações no Oriente Médio, com a aproximação entre Israel e vários países árabes, incluindo a Arábia Saudita.
Duas semanas antes do ataque, o líder interino do governo saudita, Mohammed bin Salman, e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmaram que seus países se aproximavam “a cada dia” e que estavam “à beira de um acordo, que seria um salto quântico para a região”. Mas agora essa perspectiva ficou distante.
O próprio Bin Salman parece ter reavaliado seu desinteresse por uma solução de 2 Estados que dê aos palestinos um país independente, com Jerusalém Oriental como sua capital.
Numa entrevista ao canal norte-americano Fox News no final de setembro, ele sequer mencionou a solução de 2 Estados. Apenas disse que o novo acordo com Israel “supriria as necessidades dos palestinos e lhes garantiria uma vida boa”. Mas agora isso mudou.
Apoio à solução de 2 Estados
Após a eclosão da guerra, no sábado (7.out), a Arábia Saudita voltou a advogar publicamente por uma solução de 2 Estados e tem se mostrado uma apoiadora firme da população palestina.Se a maioria dos países do mundo tem se posicionado do lado de Israel e de seu direito de defesa, entre os países árabes e muçulmanos, o interesse pelo destino dos palestinos voltou ao 1º plano. Entre a população há muita solidariedade com os palestinos, e os ressentimentos em relação a Israel ressurgiram.
Esse ressurgimento da questão palestina, assim como o arrefecimento dos esforços de normalização de relações entre países árabes e Israel, pode ser considerado uma grande vitória para o grupo Hamas, que recebe apoio do Irã e é classificado como uma organização terrorista por países como Alemanha e Estados Unidos, bem como pela UE (União Europeia).
“As ações do Hamas enviam um lembrete claro aos sauditas de que a questão palestina não deve ser tratada como apenas mais um subtópico nas negociações de normalização”, escreveu Richard LeBaron, do think tank americano Atlantic Council, no site da organização. “Os ataques vão afastar a narrativa da normalização dos laços entre Arábia Saudita e Israel.”
Laços em jogo
O analista Jonathan Panikoff, também do Atlantic Council, avalia ser improvável que haja progresso na normalização saudita-israelense num futuro próximo. “As políticas e as negociações necessárias para isso serão inviáveis se a operação de Israel resultar em mortes e destruição significativas em Gaza”, declarou Panikoff à DW (Deutsche Welle).Na tarde de 2ª feira (9.out), o Ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, deu ordem para isolar completamente Gaza: “Não haverá envio de eletricidade, alimentos ou combustível à região”, disse.
Para o pesquisador Hugh Lovatt, do Conselho Europeu de Relações Exteriores, a opinião pública árabe –que já é amplamente hostil a Israel– ficará ainda mais hostil se a resposta israelense resultar em cada vez mais vítimas civis no lado palestino.
Lovatt vê esse sentimento como um forte obstáculo para um acordo iminente entre Israel e a Arábia Saudita, ao mesmo tempo em que coloca os integrantes árabes dos Acordos de Abraão, como Marrocos e Emirados Árabes Unidos, sob pressão para assumirem uma posição mais crítica em relação a Israel.
Os Emirados Árabes, que assinaram um acordo de normalização com Israel em 2020, ofereceram condolências aos civis israelenses e pediram uma desescalada do conflito, mas não chegaram a condenar abertamente o Hamas.
Equilíbrio entre EUA e Irã
No entanto, não é apenas a pressão árabe que influencia a decisão da Arábia Saudita sobre prosseguir com um acordo de normalização com Israel. Outros 2 países desempenham um papel importante: Irã e EUA.Apesar de uma reaproximação entre a Arábia Saudita e seu antigo rival Irã neste ano, os 2 países continuam divergindo quanto a seus aliados. O Irã apoia o Hamas, que governa Gaza e lançou os ataques a Israel. Já a Arábia Saudita é um tradicional aliado dos EUA.
O reino saudita esperava que a normalização dos laços com Israel levasse as suas próprias relações com os EUA de volta ao ponto em que estavam antes do assassinato do crítico saudita Jamal Khashoggi, em 2018.
O acerto trilateral também concederia à Arábia Saudita uma aliança militar ainda mais forte com os EUA, bem como uma permissão para enriquecer urânio sob supervisão americana.
“Os estrategistas em Riad devem agora ter em mente a questão real de quanta morte e destruição a Arábia Saudita enfrentaria num conflito semelhante, já que suas defesas não chegam nem perto das de Israel”, disse Panikoff.
No longo prazo, isso poderia, apesar da atual pressão por solidariedade para com os palestinos, levar a Arábia Saudita a voltar à mesa de negociações com Israel para obter as garantias de segurança dos EUA, que eram parte integrante das conversas relatadas, acrescenta Panikoff.