Por Eduardo Simões
(Reuters) - A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça, determinou nesta terça-feira que o Google sinalize imediatamente como propaganda o texto contrário ao projeto de lei das Fake News que a empresa publicou em sua página principal e que divulgue no mesmo espaço texto favorável à proposta, sob pena de multa de 1 milhão de reais por hora de descumprimento.
Decisão posterior do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou a remoção integral de anúncios, textos e informações veiculados, propagados ou impulsionados pelo Google, da Alphabet (NASDAQ:GOOGL), Meta Spotify (NYSE:SPOT) e Brasil Paralelo, contra o projeto. Também determinou que a Polícia Federal colha depoimentos de representantes das empresas para que expliquem sua conduta em cinco dias.
Em entrevista coletiva em Brasília, o ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que o Google realizou propaganda enganosa e abusiva ao colocar o link para o texto contrário à proposta em sua página principal. Ele acusou a empresa de ter uma postura arrogante e buscar manipular a opinião pública sobre o tema, além de afirmar que plataformas e redes sociais querem o "faroeste cibernético" no país.
"Precisamos acabar com o faroeste digital. Essas empresas querem o faroeste cibernético no Brasil. E esse faroeste digital, este faroeste cibernético mata. Para que não haja nenhuma dúvida, este faroeste cibernético mata. Mata crianças, mata adolescentes, mata pessoas por doenças e todas as empresas no Brasil são reguladas", disse Dino.
A página principal do Google já não exibe mais o link para o texto contrário à proposta.
De acordo com o secretário nacional de Defesa do Consumidor, Wadih Damous, também presente na coletiva, a decisão cautelar da Senacon também determina que o Google se abstenha de favorecer a divulgação de posicionamentos contrários ao PL das Fake News, assim como de restringir o acesso a publicações favoráveis à proposta.
Dino disse ainda que a Senacon tem "centenas de indícios" de que empresas estariam manipulando seus termos de uso a favor de interesses próprios e em detrimento de outras vozes. Ele afirmou que esses indícios serão alvos de apuração e que, embora o ministério atue na seara administrativa, há possibilidade de que as alegadas condutas impliquem em crimes, a ser objeto de análise do Ministério Público.
O Ministério Público Federal em São Paulo notificou na segunda o Google e a Meta por supostamente estarem atuando em suas plataformas contra o projeto. Elas terão 10 dias para prestar esclarecimentos.
Procurado, o Google informou que apoia as discussões para combater a desinformação, mas manifestou "preocupações" em relação ao projeto. Também confirmou ter reforçado esse posicionamento em seu blog oficial e na página inicial da Busca, por meio de link sobre o PL, argumentando que os recursos já foram utilizados em outras ocasiões, como a pandemia de Covid-19.
"É importante ressaltar que nunca alteramos manualmente as listas de resultados para favorecer a posição de uma página de web específica. Não ampliamos o alcance de páginas com conteúdos contrários ao PL 2630 na Busca, em detrimento de outras com conteúdos favoráveis", acrescenta.
Na noite de segunda, em comunicado após as reações à publicação do link com o texto contrário ao PL, a empresa considerou "falsas" as alegações de que estaria favorecendo em seu mecanismo de busca conteúdos contrários ao PL das Fake News. Argumentou ainda que a proposta, que tramita no Congresso há três anos, não foi suficientemente debatida. Também aponta que o texto sofreu várias alterações nas últimas semanas.
CENSURA "CLANDESTINA"
Na coletiva de imprensa, Dino ainda afirmou que o ministério está tentando impedir uma censura "privada e clandestina" ao debate do PL das Fake News, que transcorre na Câmara dos Deputados.
O ministro afirmou ainda que a regulação das plataformas de redes sociais é, além de uma necessidade urgente, uma exigência da Constituição. Ele garantiu que a regulação irá ocorrer, se não pela via legislativa --que para ele é preferível--, por meio de decisões administrativas e de determinações do Poder Judiciário.
"Que fique a mensagem consignada enfaticamente: os adeptos dessas práticas deletérias, nocivas, agressivas, imorais perderão. Eles vão perder. Não sei se hoje, se amanhã ou semana que vem, mas perderão, porque não é possível que haja esta burla, esta fraude em que interesses financeiros se disfarçam de defesa de princípios morais", disse.
"Não são princípios morais que os adeptos do faroeste digital defendem, eles defendem seus negócios. E esses negócios são legítimos apenas e tão somente se cumprirem a lei."
A proposta está pautada para esta terça-feira na Câmara, mas o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), convocou líderes e o relator para avaliar o cenário e só deve levar adiante o plano de votação se houver ambiente para aprovar o projeto, segundo fontes próximas a ele e deputados ouvidos pela Reuters.
(Por Eduardo Simões, em São Paulo. Reportagem adicional de Ricardo Brito e Maria Carolina Marcello, em Brasília)