Chatbots de IA começam a substituir trabalhadores de call center na Índia

Publicado 15.10.2025, 11:26
Atualizado 15.10.2025, 11:28
© Reuters.

Por Munsif Vengattil e Aditya Kalra

BENGALURU, Índia (Reuters) - Em uma startup na cidade indiana de Bengaluru, desenvolvedores estão aperfeiçoando chatbots com inteligência artificial que falam e enviam mensagens como seres humanos.

A empresa LimeChat tem uma meta audaciosa: tornar os trabalhos de atendimento ao cliente quase obsoletos. A companhia afirma que seus agentes de IA generativa permitem que os clientes reduzam em 80% o número de funcionários necessários para lidar com 10 mil consultas mensais.

"Depois de contratar um agente do LimeChat, você nunca mais precisará contratar", disse à Reuters Nikhil Gupta, cofundador da empresa, de 28 anos.

A mão de obra barata e a proficiência em inglês ajudaram a tornar a Índia o back office do mundo - às vezes às custas de trabalhadores de outros lugares. Agora, os sistemas de IA estão substituindo os trabalhadores de call centers indianos, segundo uma pesquisa da Reuters.

Isso está impulsionando negócios de startups de IA que ajudam empresas a cortarem custos com pessoal e a escalar as operações, embora muitos consumidores ainda prefiram lidar com um ser humano.

Mudanças disruptivas estão transformando o setor de tecnologia da informação da Índia, de US$283 bilhões. A Reuters entrevistou 30 pessoas, incluindo executivos do setor, recrutadores, trabalhadores e funcionários governamentais atuais e antigos. A Reuters também visitou duas startups de IA e testou chatbots de voz e texto que lidam com interações cada vez mais sofisticadas com clientes de forma semelhante à humana.

Em vez de pisar no freio à medida que a tecnologia ameaça empregos baseados em tarefas rotineiras, a Índia está acelerando, apostando que uma abordagem de "deixar rolar" criará novas oportunidades suficientes para absorver os trabalhadores demitidos. O resultado da aposta da Índia tem peso muito além de suas fronteiras - um caso de teste para saber se a adoção da disrupção impulsionada pela IA pode elevar uma economia em desenvolvimento ou torná-la uma história de advertência.

O mercado global de IA conversacional está crescendo 24% ao ano e deve chegar a US$41 bilhões até 2030, segundo estimativas da consultoria Grand View Research.

A Índia, que depende do setor de TI para 7,5% de seu PIB, está aceitando. Em um discurso em fevereiro, o primeiro-ministro, Narendra Modi, disse que "o trabalho não desaparece devido à tecnologia. Sua natureza muda e novos tipos de empregos são criados."

Nem todos compartilham a confiança de Modi na preparação da Índia. Santosh Mehrotra, ex-funcionário indiano e professor visitante do Centro de Estudos de Desenvolvimento da Universidade de Bath, criticou o governo pela falta de urgência em avaliar os efeitos da IA na força de trabalho jovem da Índia. "Não há um plano de jogo", disse ele.

O gerenciamento de processos de negócios emprega 1,65 milhão de trabalhadores em call centers, folha de pagamento e processamento de dados na Índia. As contratações despencaram devido ao aumento da automação e da digitalização, apesar da crescente demanda por coordenadores de IA e analistas de processos, disse Neeti Sharma, presidente-executivo da empresa de recrutamento TeamLease Digital.

O número líquido de funcionários no segmento, que representa 20% da produção de TI, cresceu em menos de 17 mil trabalhadores em cada um dos últimos dois anos, abaixo dos 130 mil em 2022-2023 e dos 177 mil em 2021-2022, segundo números da TeamLease Digital.

A Reuters conversou com três funcionários atuais e cinco ex-funcionários de atendimento ao cliente, que descreveram o aumento da insegurança no trabalho e a integração da IA, incluindo ferramentas que sugerem respostas e bots que lidam com quase todas as consultas de rotina de forma autônoma.

Megha S., 32 anos, recebia US$10 mil por ano em um fornecedor de soluções de software com sede em Bengaluru. Ela disse que foi demitida no mês passado, pouco antes da temporada de festas da Índia, quando a empresa passou a implementar ferramentas de IA para analisar a qualidade das chamadas de vendas.

"Disseram-me que sou a primeira a ser substituída pela IA", disse Megha, que falou sob a condição de que seu nome completo e seu antigo empregador não fossem identificados. "Eu não contei aos meus pais."

Sumita Dawra, ex-secretária do Ministério do Trabalho que supervisionou uma força-tarefa do governo indiano sobre o impacto da IA na força de trabalho antes de se aposentar em março, disse que, embora a tecnologia ofereça ganhos de produtividade que levarão a novos empregos, a Índia pode considerar medidas de segurança social mais fortes, como seguros em caso de desemprego, para ajudar os trabalhadores demitidos.

No entanto, uma autoridade sênior indiana disse à Reuters que o governo acredita que a IA terá pouco impacto sobre o emprego em geral. Os ministérios de TI e do Trabalho da Índia, bem como o gabinete de Modi, não responderam a pedidos de comentários.

CORRIDA DA AUTOMAÇÃO

Além da IA, os fatores que obscurecem as perspectivas para o setor de TI da Índia incluem as tarifas de importação dos Estados Unidos. Além disso, há uma proposta de um parlamentar dos EUA para um imposto de 25% sobre empresas que usam serviços de terceirização estrangeiros; e uma taxa de US$100 mil sobre novos vistos H-1B, que são amplamente usados por empresas de tecnologia para patrocinar trabalhadores indianos.

O banco de investimentos Jefferies previu em setembro que os call centers da Índia enfrentarão um impacto de 50% na receita - e cerca de 35% em outras funções de back-office - com a adoção da IA nos próximos cinco anos.

Isso significa demissões no curto prazo na Índia, que responde por 52% do mercado global de terceirização.

"O maior impacto será sobre os jovens estudantes que estão saindo da faculdade", disse Pramod Bhasin, que na década de 1990 estabeleceu o primeiro call center da Índia com 18 funcionários para a GE Capital, onde as estações de trabalho eram divididas por tecidos pendurados no teto.

No longo prazo, a Índia pode fazer a transição de "back office" para a "fábrica de IA" do mundo, capitalizando a demanda por engenheiros de IA e implantação de automação, disse Bhasin, que fundou a empresa de serviços de TI Genpact.

Um dos beneficiários dessa demanda é a LimeChat, que a Reuters visitou em agosto. Gupta, o cofundador, disse que seus desenvolvedores e engenheiros ajudaram a automatizar 5.000 empregos em toda a Índia. Os bots da empresa lidam com 70% das reclamações de seus clientes e a empresa planeja atingir 90% a  95% em um ano, disse ele.

"Se você nos der 100 mil rúpias por mês, estará automatizando o trabalho de pelo menos 15 agentes", disse Gupta. A esse preço - cerca de US$1.130 - o serviço custa aproximadamente o mesmo que três funcionários de atendimento ao cliente, disse ele.

As vendas do LimeChat aumentaram para US$1,5 milhão em 2024, em comparação com US$79 mil dois anos antes. No ano passado, a empresa começou a integrar os modelos de linguagem e algoritmos do Azure, da Microsoft, em uma parceria para lançar um novo chatbot de comércio eletrônico.

Entre os clientes de Gupta está a empresa indiana de produtos de medicina tradicional indiana Kapiva, que implantou um bot do LimeChat para interações com clientes pelo WhatsApp.

Ao digitar um prompt - "Que tipo de dieta devo fazer para reduzir o peso?" - o chatbot gerou um criador de planos de refeições com IA. Uma consulta de acompanhamento em inglês e hindi sobre como um suco emagrecedor difere de outro item também foi respondida, e o chatbot acabou compartilhando links para os produtos da Kapiva com um emoji sorridente. A Kapiva não respondeu às perguntas da Reuters.

Os rivais do LimeChat incluem a Reliance, o conglomerado presidido por Mukesh Ambani, que adquiriu a startup indiana Haptik em 2019.

A Haptik diz que oferece "agentes de IA que proporcionam experiências de cliente semelhantes às humanas" que custam US$120 e podem reduzir os custos de suporte em 30%. A receita disparou para quase US$18 milhões no ano passado, de menos de US $1 milhão em 2020.

A Haptik promoveu um webinar em setembro fazendo a seguinte pergunta: "E se você tivesse um funcionário em tempo integral que nunca dorme e custa apenas 10.000 rúpias?"

"Estamos vendo uma grande mudança", disse o gerente de produtos da Haptik, Suji Ravi, no webinar, do qual participaram repórteres da Reuters. "As marcas não estão investindo em agentes humanos e querem implantar agentes de IA."

Para a Mamaearth, cliente da LimeChat, uma marca indiana de produtos de cuidados pessoais, a principal atração dos chatbots de IA é a escalabilidade, disse Vipul Maheshwari, chefe de produtos e análises da empresa controladora Honasa Consumer.

"Fornecer um bom suporte ao cliente é fundamental para nós", disse ele. "Mas será que podemos dimensionar infinitamente minha equipe de suporte ao cliente? Absolutamente não."

O chatbot usado pela Mamaearth poderia ir além da assistência simples, como o rastreamento de pedidos, e ajudar os usuários com perguntas como a recomendação dos produtos certos durante a gravidez ou, em alguns casos, lidar com um cliente agitado, disse Maheshwari.

CAFÉ COM NEHA

As promessas e os perigos da IA são evidentes na The Media Ant. A agência de publicidade sediada em Bengaluru cortou 40% de sua força de trabalho, para cerca de 100 pessoas, no ano passado e desocupou um espaço em outro prédio para economizar no aluguel, disse o fundador Samir Chaudhary.

A empresa eliminou 15 vendedores, substituindo-os por bots de IA que identificam leads e enviam emails para clientes em potencial, disse Chaudhary. Uma central de atendimento com seis membros foi substituída por uma agente de voz chamada Neha, que fala um inglês quase perfeito, com sotaque indiano.

Quando um repórter da Reuters perguntou para Neha sobre publicidade no YouTube, ela pediu detalhes sobre o orçamento e os mercados-alvo, anotou os requisitos e encerrou a conversa com: "Vou lhe enviar os detalhes por email... tenha um ótimo dia."

"Convide-a para tomar um café e ela dará risada", disse Chaudhary.

No entanto, a corrida para adotar a IA nem sempre é tranquila para as empresas.

Veja o caso da Klarna, da Suécia. Os chatbots ajudaram a empresa de fintech a cortar milhares de empregos no ano passado, mas seu presidente-executivo disse à Reuters em setembro que a empresa agora está "tentando corrigir o curso" e usar a tecnologia para melhorar os produtos em vez de reduzir custos.

Os chatbots têm limitações. Embora a maioria das perguntas genéricas relacionadas a comércio eletrônico feitas por um repórter da Reuters tenha sido bem atendida pelos bots do LimeChat, algumas os deixaram  confusos.

Quando o bot da Knya, cliente do LimeChat, foi solicitado a provar sua afirmação de que 1 milhão de profissionais da área médica confiam em seus produtos, como estetoscópios, ele respondeu: "Sinto muito, mas não tenho informações suficientes para responder à sua pergunta" A Knya não respondeu a um pedido de comentário.

Pesquisas com clientes mostram que os chatbots ainda não são apreciados por muitos.

Uma pesquisa da EY realizada em agosto de 2024 com 1.000 consumidores indianos revelou que 62% fizeram compras influenciadas por recomendações de IA, em comparação com 30% em todo o mundo. No entanto, "o desejo de uma conexão humana continua forte", observou a EY, com 78% preferindo plataformas online que oferecem suporte humano.

Gupta, da LimeChat, no entanto, disse que agentes de IA bem treinados poderão resolver as consultas mais rapidamente do que os humanos. Ele disse que muitos bots padrão passam as conversas para um agente humano quando encontram clientes irritados: "Você precisa de um número muito pequeno de pessoas para lidar apenas com experiências negativas."

DO JAVA À IA

Nas décadas de 1990 e 2000, o boom tecnológico da Índia impulsionou a migração da zona rural para a urbana. Cidades como Bengaluru se tornaram centros de terceirização à medida que as empresas nacionais, incluindo Tata Consultancy Services, Infosys e Wipro, se tornaram gigantes globais.

Essa expansão chegou a Ameerpet, um bairro de Hyderabad onde graduados universitários lotam salas de aula para aprender habilidades de TI e obter certificações para empregos na área de tecnologia.

Os centros de treinamento de Ameerpet tradicionalmente ofereciam cursos do Microsoft Office e de linguagens de programação como Java. Em uma visita em abril, a Reuters viu que esses centros estão cada vez mais focados no treinamento em IA.

Do lado de fora de um deles, o Quality Thought, um banner mostrava um robô com vista para um globo com as letras "AI" (IA, em inglês).

O centro estava oferecendo um curso de nove meses em ciência de dados de IA e engenharia de prompt por cerca de US$1.360, mais do que o dobro do preço de um programa tradicional de desenvolvimento web.

"Os recrutadores estão pedindo alunos com habilidades básicas em IA", disse a funcionária Priyanka Kandulapati. "Vamos focar ainda mais nossos cursos para atender à demanda."

Em um debate com fundadores de startups no mês passado sobre o ritmo da mudança, o investidor de risco Vinod Khosla, que cofundou a Sun Microsystems, ofereceu uma visão clara do futuro da Índia.

"Todos os serviços de TI serão substituídos nos próximos cinco anos", disse ele. "Vai ser bem caótico."

((Tradução Redação São Paulo, 55 11 56447753))

REUTERS AAJ

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