Por Tatiana Bautzer e Carolina Mandl
SÃO PAULO (Reuters) - Companhias latinoamericanas, da Petrobras (SA:PETR4)à cimenteira mexicana Cemex, estão enfrentando quedas drásticas de receita ligadas ao coronavírus e correndo para sacar linhas de crédito pré-aprovadas, com os mercados locais de bônus fechados e a ajuda do Estado demorando a se materializar.
A corrida por caixa está ocorrendo no mundo todo, com as empresas lidando com a forte queda da demanda com dezenas de países decretando quarentenas. Mas o pequeno volume de intervenções monetárias e de outras ajudas estatais na América Latina para as empresas estão emergindo como um fator adicional de estresse na região.
"Nunca vi na minha carreira tanta demanda por crédito de empresas. Nem mesmo na crise financeira de 2008", afirmou um veterano executivo de um dos maiores bancos brasileiros.
Desde que o coronavírus chegou à América Latina, saques das empresas nas linhas internacionais de crédito rotativo, normalmente disponíveis para grandes corporações, subiram de 10% para 65%, segundo um executivo de um dos maiores bancos norte-americanos com atuação na América Latina, que espera que as empresas que têm acesso a essas linhas saquem 100% no curto prazo.
A Petrobras (SA:PETR4) já informou ter sacado quase 9 bilhões de dólares de suas linhas de crédito e a mineradora Vale SA (SA:VALE3) sacou 5 bilhões de dólares.
Outras grandes empresas regionais como as mexicanas America Movil SAB de CV (MX:AMXL) e Cemex (MX:CEMEXCPO) e a cervejaria Ambev (SA:ABEV3) também sacaram bilhões em suas linhas de crédito, segundo duas fontes com conhecimento do assunto.
O grupo petroquímico mexicano Orbia Advance Corp (MX:ORBIA) informou semana passada ter sacado 1 bilhão de dólares de suas linhas de crédito. A Televisa sacou 600 milhões de dólares.
O grupo Cemex confirmou num comunicado à Reuters que sacou recursos de suas linhas de crédito para aumentar a liquidez e enfrentar problemas no mercado, e que avalia adiar investimentos. A Ambev disse que continua a avaliar oportunidades para aumentar sua liquidez, apesar de ter terminado 2019 com caixa de 12 bilhões de reais. A America Movil não respondeu a pedidos de comentário.
Outras empresas que anunciaram estar procurando crédito são a processadora de alimentos BRF SA (SA:BRFS3), que está buscando 2 bilhões de reais, e a empresa aérea Azul (SA:AZUL4), que não informou quanto está negociando com bancos.
A subsidiária brasileira da Fiat Chrysler SpA (MI:FCHA) também está buscando linhas de crédito adicionais, segundo uma fonte com conhecimento do assunto. A Fiat disse num comunicado que mantém contatos com o mercado financeiro local para assegurar acesso a crédito quando necessário.
Empresas menores que não têm acesso a linhas rotativas de crédito estão correndo para conseguir crédito nos bancos, além de reduzir os planos de investimento e adiar pagamento de dividendos.
Cerca de metade de 245 empresas brasileiras listadas analisadas pela consultoria Economática tem caixa suficiente para aguentar três meses sem receita, mas cerca de 25% ficariam sem dinheiro em menos de um mês.
Os bancos estão aumentando a pressão sobre as empresas, aumentando juros e reduzindo o prazo dos empréstimos. Em um dos maiores bancos brasileiros, o prazo máximo dos empréstimos corporativos caiu para 1 ano, comparado com mais de 6 anos antes da pandemia de coronavírus, segundo uma fonte.
O sócio de uma gestora de fundo de private equity no Brasil disse que uma das empresas no seu portfólio estava pagando antes da pandemia juros de CDI mais 1% ao ano por empréstimos com prazo de 6 anos. A empresa recentemente pediu mais crédito e a taxa havia subido para CDI mais 5% por 2 anos. A empresa aceitou o empréstimo mesmo assim.
"Vejo os empréstimos como um seguro hoje", disse, o executivo. "Apesar das taxas mais altas, preferimos ter caixa porque não sabemos o que vai acontecer."
Temendo potenciais falências, bancos locais e internacionais não estão emprestando para empresas aéreas e agências de viagem, segundo o executivo do banco norte-americano.
Reagindo à falta de crédito privado, o BNDES disse no último domingo que ajudará as empresas aéreas com linhas emergenciais em abril.
As autoridades brasileiras têm sido relativamente lentas e às vezes as medidas não são efetivas. A medida inicial do Banco Central para reduzir capital em empréstimos não aumentou o acesso a empréstimos corporativos, por exemplo.
O BC decidiu então prover liquidez para bancos que comprarem títulos corporativos e está pedindo autorização para comprar diretamente os papéis, numa estratégia semelhante à do banco central norte-americano.
O Tesouro Nacional e os bancos privados Itaú Unibanco Holding SA (SA:ITUB4), Banco Bradesco SA (SA:BBDC4) e Banco Santander Brasil SA (SA:SANB11) também prometeram emprestar 40 bilhões de reais para que as empresas pequenas consigam pagar funcionários.
Mesmo assim, empresas menores, listadas em bolsa ou não e de praticamente todos os setores, que se financiavam por meio de venda de créditos para fundos de direitos creditórios (FDIC), não têm conseguido se financiar.
"As empresas médias que se financiavam com recebíveis estão tendo muita dificuldade. O fluxo de caixa delas agora é imprevisível", diz o advogado Luiz Meneghini Souza, sócio do escritório Souza Mello Torres.
O México tem sido ainda mais lento nas medidas de ajuda às empresas. O ministério das Finanças sugeriu aos bancos que deem carência no pagamento de juros e principal de empréstimos.
Associações empresariais estão pedindo ao governo que dê carência para pagamento de impostos e aumentando preços de produtos com componentes importados, disse Juan Manuel Chaparro, da associação Canacintra. O rating do México foi rebaixado pela Standard & Poor's em 26 de março devido à queda dos preços de petróleo. [nL1N2BJ3KL]
(Reportagem adicional de Sharay Angulo e Julia Love na Cidade do México)