Por Marta Nogueira
RIO DE JANEIRO (Reuters) - A indicação do economista Roberto Castello Branco para presidir a Petrobras (SA:PETR4) no governo de Jair Bolsonaro sinaliza continuidade de uma política pró-mercado no setor de petróleo nos últimos anos, podendo até mesmo intensificá-la, na avaliação de especialistas.
Ferrenho defensor da independência da gigante estatal em relação ao governo, tendo até já se declarado favorável à privatização da companhia anteriormente, Castello Branco terá que lidar com oposições de sindicatos e possivelmente de militares para implementar suas ideias.
Uma agenda com viés mais liberal, no segmento de petróleo, vem ganhando força desde o início do governo de Michel Temer, que colocou uma série de reformas em curso em busca de maior competição no país, com redução da posição de dominância da Petrobras, atendendo a pleitos antigos do mercado.
"Fiquei muito satisfeito (com a escolha de Castello Branco). Ele tem uma agenda conhecida, muito alinhada com o que vem sendo feito pela ANP", disse o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) à Reuters, Decio Oddone, por telefone nesta segunda-feira.
Castello Branco é doutor em Economia pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e, atualmente, é diretor no Centro de Estudos em Crescimento e Desenvolvimento Econômico da FGV.
Com pós-doutorado pela Universidade de Chicago e extensa experiência nos setores público e privado, Castello Branco já ocupou cargos de direção no Banco Central e na mineradora Vale (SA:VALE3), fez parte do Conselho de Administração da Petrobras e desenvolveu projetos de pesquisa na área de petróleo e gás.
A Universidade de Chicago, também frequentada pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, é considerada uma instituição de linha liberal.
As ações da Petrobras mostravam alguma volatilidade após o anúncio do nome de Castello Branco. Analistas de mercado acreditam na continuidade de uma gestão com foco na recuperação econômica da petroleira, uma das mais endividadas do mundo.
MAIOR LIBERALIZAÇÃO?
A estratégia da equipe econômica de Bolsonaro já estava apontando em uma direção de maior liberalização do setor de petróleo e com a escolha de Castello Branco isso foi reforçado, afirmou o professor e pesquisador do Instituto de Economia da UFRJ, Edmar de Almeida.
Almeida defendeu, no entanto, que o governo precisará deixar mais clara sua visão em relação à companhia, uma das maiores produtoras da América Latina, que durante as eleições ficou na linha de fogo entre posições de conselheiros militares de Bolsonaro e de livre mercado.
Enquanto Bolsonaro vem defendendo a manutenção do controle estatal do miolo da Petrobras, seu braço direito Guedes já disse anteriormente acreditar que a privatização da empresa seria a melhor decisão.
"Ele (Castello Branco), por exemplo, em algumas ocasiões, já manifestou a posição dele favorável à privatização da Petrobras. Então, esse é um ponto que tem que ser imediatamente esclarecido", disse Almeida.
Em busca de reduzir sua enorme dívida, a Petrobras está realizando um plano bilionário de vendas de ativos nos últimos anos, que enfrentou grande resistência de sindicalistas e outros setores, que em parte conseguiram frear os desinvestimentos com medidas judiciais.
"Com a entrada de Castello Branco o sinal é que a direção é essa mesmo (de venda de ativos), mas o governo agora vai ter que explicar o plano que estará em vigor, se será mantido ou se será modificado no sentido de ser mais liberal ainda", afirmou Almeida, para quem o novo CEO enfrentará forte oposição de sindicalistas.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo nesta segunda-feira, Castello Branco indicou que sua gestão continuará com vendas de ativos da Petrobras para focar em seus negócios principais e seguirá buscando a redução do endividamento.
POSTURA DE CHANCELER
O primeiro desafio de Castello Branco em relação à independência do governo poderá ser o fim do programa de subsídio ao diesel, criado como uma resposta do governo federal à histórica greve de caminhoneiros em maio, como forma de atender aos pleitos de redução dos preços do combustível.
Bolsonaro, à época, apoiou entusiasticamente a greve.
O programa termina em 31 de dezembro, e o governo de transição ainda não anunciou se irá implementar alguma medida para suavizar os impactos do fim da subvenção.
Uma fonte próxima a Castello Branco disse à Reuters que o economista tem traquejo muito bom, é uma pessoa experiente e que saberá lidar de forma eficiente com o governo.
"Roberto tem certa postura de chanceler", disse a fonte, defendendo ainda que o economista é considerado também muito focado, estudioso, preparado e extremamente comprometido.
"Fez um trabalho brilhante na Vale, pegou área de relações com investidores naquela fase pós-privatização, quando houve o lançamento das ações no exterior, época do primeiro 'investment grade' da Vale", disse a fonte, destacando que o grau de investimento foi algo inédito, obtido antes mesmo do Brasil.
OPOSIÇÕES
O diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP), que compreende 12 sindicatos de petroleiros, Deyvid Bacelar, afirmou ver o cenário atual preocupante, independentemente do presidente escolhido, por acreditar que o próximo governo já manteria as privatizações da Petrobras.
"A situação da privatização, com o governo que infelizmente foi eleito, iria continuar a todo vapor. Tem que ver a velocidade agora, se será mais rápido ou não", disse Bacelar, que foi Conselheiro da Petrobras na mesma época de Castello Branco.
O líder sindical destacou que, enquanto dividiu a mesa do Conselho da Petrobras com Castello Branco, viu no economista uma pessoa acessível e que considerava ponderações apresentadas por Bacelar, que representava os funcionários no colegiado.
Bacelar também recordou que Castello Branco teve um papel importante na criação de comitês que discutiam e assessoravam decisões do Conselho de administração da Petrobras.
"Sabemos dos desafios por ser um governo neoliberal e por ele (Castello Branco) também concordar com essa forma de gerir o país. Teremos um desafio grande, sem dúvida nenhuma", disse Bacelar.
(Por Marta Nogueira)