No meio de uma das maiores crises do setor aéreo global, a Gol (SA:GOLL4) anunciou na segunda-feira, 7, uma nova tentativa de incorporar as ações da Smiles (SA:SMLS3), companhia de fidelidade de capital aberto e que tem a aérea como principal parceria e acionista majoritária. Na avaliação de especialistas, a movimentação da Gol veio em um momento mais favorável para o negócio, uma vez que a diferença entre os papéis está longe do que costumava ser em 2018.
À época, uma ação da Smiles valia quase três da Gol, quando as tratativas para uma incorporação deram os primeiros passos. Além disso, a aérea ganharia ainda alguns benefícios financeiros por ter a companhia de fidelidade dentro de sua estrutura, sem contar a possibilidade movimentar o caixa entre as empresas sem os recentes embates com os minoritários da Smiles. O cenário fez o papel da aérea chegar a avançar mais de 5% durante o pregão.
Desde o seu IPO, em 2013, a Smiles era vista com queridinha pelo mercado, sobretudo por ser boa pagadora de dividendos. Em dezembro de 2017, a empresa de fidelidade chegou a ser cotada acima de R$ 60 por papel, contra R$ 13 da aérea. O cenário, entretanto, mudou significativamente em 15 de outubro de 2018, segunda-feira em que a Smiles perdeu 38,8% do seu valor de mercado, um dia após a Gol anunciar que não renovaria a parceria com a empresa de fidelidade, que tem validade até 2032. O fim desse acordo, segundo especialistas que falaram sobre a condição de anonimato, impôs tempo de vida para a Smiles.
Pela nova proposta, cada ação ordinária da Smiles dará a seu titular o direito de receber uma contrapartida referente a 0,825 ação preferencial da Gol, ou R$ 22,32 em dinheiro (nos dois casos, limite de 80%). Segundo a aérea, a relação de troca representa prêmio de aproximadamente 26,3% sobre o preço médio ponderado pelo volume dos últimos 30 dias.
O tema ainda terá de ser votado pelos acionistas das duas empresas, em assembleia que deve ocorrer até janeiro. A acionista minoritária da Smiles, a Esh Capital, afirmou ter sido "pega de surpresa". "A nova tentativa de incorporação nos termos proposta é uma afronta", disse Vladimir Timerman, gestor da ESH Capital, em nota.
Segundo ele, a proposta atual é muito pior do que a primeira feita no início do ano, sendo que nos últimos três trimestres de 2020 a Gol teve R$ 6 bilhões de prejuízo enquanto a Smiles R$ 100 milhões de lucro."A Gol está propondo pagar R$ 22,32 por ação da Smiles. Se levarmos em consideração que a Gol detém 52% das ações, o valor destinado aos acionistas minoritários é de R$ 1,33 bilhão", disse.
Em 2020, a Smiles transferiu R$ 1,6 bilhão de seu caixa à Gol por adiantamento de passagens, tema que hoje é alvo de arbitragem. "Ou seja: no fim das contas, o que o controlador deseja é utilizar o caixa da Smiles para adquirir a participação dos acionistas minoritários", disse.
A Gol iniciou em outubro de 2018 uma tentativa para conseguir incorporar a Smiles. A empreitada, entretanto, não deu certo. Em 19 de junho de 2019, a aérea anunciou que as negociações haviam sido encerradas. Desta vez, argumentou que mudanças na dinâmica competitiva no mercado de transporte aéreo, aceleradas pelos efeitos da pandemia, tornaram necessária a reestruturação. Após a reintegração do LifeMiles pela Avianca, a negociação da compra do Club Premier pela Aeromexico, a compra da Aeroplan pela Air Canada e a compra da Multiplus (SA:MPLU3) pela Latam, a Smiles se tornou o único programa de milhagem nas Américas separado de sua companhia aérea patrocinadora.
"A primeira coisa a ser resolvida é o fato de o investidor da Smiles estar no Novo Mercado da B3, e a Gol não. Tirar esse investidor dessa governança mais forte precisa ter aval", disse um especialista na condição de anonimato. "A grande pergunta é se a Smiles vale algo sem a Gol. Provavelmente não, e com isso o valor a ser ofertado não será muito acima do que temos na tela", acrescentou. Ele diz isso por conta da não renovação do acordo entre as duas empresas. A relação entre os minoritários da Smiles e a Gol não tem sido das melhores, sobretudo diante das compra antecipada de passagens da Gol feita pela Smiles.
Os aportes da Smiles foram fundamentais para a Gol manter sua posição de liquidez durante a pandemia e fechar com caixa de R$ 2,2 bilhões no terceiro trimestre. A Azul (SA:AZUL4), concorrente, emitiu debêntures conversíveis de R$ 1,745 bilhão e hoje tem em caixa R$ 4 bilhões. Já o grupo Latam conseguiu US$ 2,3 bilhões dentro do seu processo de recuperação judicial nos Estados Unidos.
Segundo Fabio Falkenburger, sócio de infraestrutura do Machado Meyer Advogados, o movimento da Gol fecha de vez o antigo ciclo apontando para a segregação das companhias de benefício. "Não só da Gol como várias outras seguiram esse caminho e essas subsidiárias tinham valor de mercado até maior. Agora com a situação da pandemia e crise econômica do setor, a Gol avaliou que faria sentido trazer de volta o programa", disse o especialista.
O analista da Necton Marcel Zambello disse que o cenário futuro para a Gol tem sido melhor após a aérea conseguir gerar caixa em novembro, depois do pior da crise. "Na alta temporada, não devemos ter queima de caixa e essa incorporação sempre esteve no pleito da companhia. Eles viram esse momento como favorável para avançar, sobretudo diante do forte desconto das ações da Smiles", disse. Ele afirmou ainda que há receptividade positiva do mercado para o anúncio da aérea, diante do espaço para sinergia tributária com a Smiles. A briga com os minoritários, entretanto, ainda seria uma incerteza.