Por Letícia Fucuchima
SÃO PAULO (Reuters) - Um agravamento da situação da Light (BVMF:LIGT3) poderia colocar em risco não só o suprimento de energia elétrica mas também a segurança hídrica da região metropolitana do Rio de Janeiro, uma vez que as hidrelétricas do grupo são responsáveis por bombear a água que é posteriormente tratada pela empresa de saneamento Cedae.
O alerta é de Jerson Kelman, especialista no setor que foi CEO da Light de 2010 a 2012 e diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) entre 2005 e 2008. Kelman também é autoridade no setor de saneamento, tendo comandado a Agência Nacional de Águas (ANA), entre 2001 e 2004, e a Sabesp (BVMF:SBSP3), de 2015 a 2018.
Ele aponta que, embora os problemas financeiros da Light hoje estejam concentrados na distribuidora de energia, uma eventual piora da situação de todo o grupo afetaria a geradora, que opera um sistema essencial para garantir o abastecimento de água fluminense.
As hidrelétricas da geradora Light Energia fazem uma espécie de transposição das águas do rio Paraíba do Sul para o rio Guandu, onde a Cedae tem instalada uma estação de tratamento responsável por 80% do abastecimento de água potável da região metropolitana do Rio de Janeiro.
"Um colapso da holding (Light) é algo impensável, porque envolve não apenas a segurança energética como também a hídrica... É do interesse de todos que ela se recupere", afirmou Kelman, em entrevista à Reuters.
Responsável pela distribuição de energia em mais de 30 municípios do Rio de Janeiro, a Light enfrenta um grave desequilíbrio financeiro, tendo conseguido na Justiça uma liminar para suspender temporariamente obrigações financeiras da ordem de 11,1 bilhões de reais.
As dificuldades do grupo, concentradas na subsidiária de distribuição de energia, ultrapassam o âmbito financeiro, envolvendo características próprias da área de concessão do Rio --como restrições de atuação em algumas comunidades e altos índices de furtos de energia--, além de incertezas em relação à renovação do contrato atual, que expira em 2026.
O fato de a empresa ter um impedimento legal para recorrer à recuperação judicial ou extrajudicial também acrescenta complexidade à busca por soluções para a empresa.
Na visão de Kelman, o caso da Light é grave e precisa "mudar de foco", saindo da discussão centrada na briga judicial da companhia com credores e passando a se concentrar nas ações que precisam ser tomadas para garantir a sustentabilidade da concessão.
"É algo que diz respeito à própria viabilidade do Rio de Janeiro, que passa por uma situação aflitiva", disse, referindo-se a vários outros casos problemáticos de concessões de infraestrutura no Estado, como do Aeroporto do Galeão, dos trens da SuperVia e do sistema das barcas.
O especialista cobrou um alinhamento de governos estadual e municipais, Aneel, poder concedente (União) e Justiça para encarar e resolver o problema da Light.
À Reuters, o secretário da Casa Civil do Rio, Nicola Miccione, afirmou que o Estado está em alerta com a situação da Light e é "parceiro na busca de soluções" para a empresa.
"A Aneel precisa atuar fora da caixa para apoiar a concessão. O Estado vai buscar apoio... Sem a Light você teria um efeito em cadeia: o conjunto de fornecimento de saneamento, água, gás, está todo interrelacionado", apontou Miccione.
INTERVENÇÃO SERIA "TRAUMÁTICA"
Para o ex-CEO da Light, a situação da distribuidora fluminense ainda não mostra necessidade de intervenção pela Aneel, um processo que costuma ser "traumático" para as empresas, já que implica no afastamento dos administradores e em outras ações para assegurar a prestação adequada dos serviços.
"Eu não creio que seja o caso (de intervenção na Light), ela está em dia com suas obrigações intrassetoriais e tem índices de atendimento (aos consumidores) satisfatórios, bons, na média", apontou Kelman, que foi interventor da Enersul, antiga distribuidora de Mato Grosso do Sul, na época da intervenção e recuperação judicial do Grupo Rede.
Essa tem sido a versão da Aneel, que por ora descarta uma intervenção na Light, uma vez que a empresa está adimplente com suas obrigações e metas regulatórias.
Caso o cenário piore e se encaminhe para uma intervenção, Kelman vê ainda dificuldades de se achar alguém para assumir o papel de interventor.
"O risco é grande, não basta ser correto (nas ações), tem que ter um pouco de sorte também... Difícil achar quem aceite... Considerando questões de remuneração e o risco que se toma, não é nada atraente".
(Por Letícia Fucuchima, com reportagem adicional de Rodrigo Viga Gaier)