Vivemos num turbilhão de emoções por estes dias no Brasil. Tanto isso é verdade que acabamos deixando passar certas datas simbólicas.
Uma delas, o completar de 25 anos do lançamento do Plano Real e sua incrível capacidade de derrubar uma inércia inflacionária que se prolongava por 30 anos. Sim, senhores, podemos afirmar que o Plano Real foi uma das mais importantes "obras de engenharia econômica" do mundo, ao conseguir, através de diversas âncoras nominais, derrubar uma inflação que teimava em se manter mensalmente na dezena.
Começou em 1993 com uma "moldura fiscal", através do "desengessamento" das receitas, pela Desvinculação de Receita da União (DRU), o Fundo Social de Emergência e outras medidas parafiscais complementares, no intuito de tornar esta "transição a menos traumática possível na economia e no sistema de preços". Era necessário um arcabouço de políticas econômicas, nas áreas fiscal e monetária, bem amarrado para a transição da reforma monetária que viria depois.
Sem dúvida. Este era o ponto principal, a "sacada" da URV, uma dos grandes inovações do Plano, ao superindexar os contratos e o sistema de preços, numa transição de seis meses, até o momento em que estes "estivessem alinhados". Sim, porque a inflação elevada desorganiza as relações contratuais, o sistema de preços relativos, entre comerciantes, atacadistas e fabricantes, que acabam "desequilibrados". Empresas de varejo enfrentam custos mais elevados no atacado, pela alta do dólar ou determinado insumo, o que encarece ainda mais os bens finais.
Objetivo da Unidade de Real de Valores, a URV, foi então tentar colocar todos os preços e custos no mesmo nível, ou alinhados, se é que isso fosse possível. Importante que a partir de julho, quando a reforma monetária da URV foi finalizada, um câmbio no mesmo patamar também foi anunciado.
Tivemos então, as âncoras nominais funcionando. A taxa de câmbio foi definida de um para um, num primeiro momento, no chamado "regime de câmbio fixo", a política monetária operou cautelosamente, elevando o juro básico para evitar repasses oportunistas e a fiscal se manteve dentro da meta pré-determinada. Era o "embrião" do chamado tripé de política econômica - responsabilidade fiscal, câmbio flutuante e sistema de metas -, nos anos seguintes, se consolidando.
Importante considerar que o câmbio só veio a ser flexibilizado em março de 1999, a Lei de Responsabilidade Fiscal foi anunciada neste mesmo ano e o sistema de metas de inflação passou a ser utilizado em meados de 1999, junto com as reuniões periódicas do Copom.
Neste meio tempo, crises cambiais acabaram nos pegando no contrapé na Ásia, já que o câmbio foi "abrindo" os poucos, gerando algum desalinhamento pelo lado das importações, com déficits em conta corrente crescentes. Mesmo assim, não há como negar que acabou por lograr o devido êxito, ao gerar um choque de competitividade "positivo" na economia brasileira, mesmo que fragilizando nossas contas externas. Foram anos de muita desregulação dos mercados, o surgimento das agências reguladoras, venda de ativos, mas também desafiadores pelas várias crises cambiais entre 1995 e 1998, no México, Rússia, Sudeste Asiático e assim por diante.
Era percepção, na época, que o regime cambial, no início fixo, mas depois em sistema de bandas, era essencial para o combate à inflação, mesmo que gerando "fragilidades". Por outro lado, era consenso que uma transição de regime cambial teria que ser feita com o devido cuidado, já que a memória inflacionária ainda era muito presente.
Bem, ao longo dos anos, várias foram as crises, vários os esforços de negar as conquistas, mas inegáveis foi o sucesso, dados os efeitos distributivos ocorridos, muito mais do que qualquer política social adotada depois. Foram mecanismos naturais, de mercado, a promover estas inclusões de novos consumidores nos mercados, no crédito, na possibilidade da compra da casa própria, no planejamento à longo prazo.
A partir do Sistema de Metas de Inflação, o BACEN passou a perseguir objetivos cada vez mais ambiciosos, e importante foi a "ancoragem de expectativa" depois obtida, como a disciplina fiscal se tornando "mantra", assim como o regime de câmbio flutuante. Amadurecemos na forma de fazer política econômica, nestes anos, mesmo com algumas recaídas no ciclo Dilma, com a malfadada "nova matriz econômica".
Este debate, em torno da ortodoxia ou da heterodoxia, atingiu novos patamares e a literatura interminável sobre como combater a inflação se consolidou, se tornou mais madura, ou saiu de circulação.
Saímos, então, do debate econômico sobre como derrubar a inflação, como estabilizar os regimes monetários, e ingressamos no desafio de tornar previsíveis os regimes fiscais. São estes que agora a mobilizarem os corações e mentes dos macroeconomistas. Avanços vão sendo obtidos, no Brasil como a Lei de Responsabilidade Fiscal, o "teto das despesas", os institutos fiscais, também, em vários países. Na União Europeia, na unificação monetária dos anos 90, um dos pilares foi o Tratado de Maastricht, preconizando metas fiscais para os países membros em prazos relativamente folgados.
Enfim. São estes debates, aliás, dentre outros, a nortearem a academia. O que se discute é como adotar regras de conduta na política econômica, o mais transparentes e difundidas possível, visando tornar o horizonte dos agentes mais previsível e evitando rupturas ou mais instabilidade. Não dá mais para querer "reinventar a roda". Consensos começam a se estabelecer.
Políticas keynesianas ativas ainda se mostram importantes, visando evitar grandes flutuações de demanda, mas também essenciais se tornam as medidas pelo lado das receitas, da desoneração, assim como na melhor adequação das despesas. Neste contexto, incluímos a Reforma da Previdência, algo em debate no mundo, diante do aumento da expectativa de vida, envelhecimento das populações, e mudanças nos regimes de trabalho.
Sobre este tema, falemos nos próximos artigos.