Muito se sabe da emergência climática e do modo de vida insustentável que contemplamos como sociedade. Os recursos abundantes se esgotam e nos colocam à beira de um colapso climático, social e econômico. Na edição de fevereiro de 2020 da Science Advances, os professores Thomas Lovejoy, senior fellow da Fundação das Nações Unidas, e Carlos Nobre, climatologista do Instituto de Estudos Superiores da Universidade de São Paulo, alertaram que a perda de 20 a 25 por cento de floresta tropical poderia levar a Amazônia a uma transição imparável para um ecossistema mais seco e semelhante à savana – o ponto de não retorno. Edenise Garcia, diretora de ciências TNC Brasil, realizou uma simulação para estimar o quão perto a Amazônia está desse ponto crítico. A análise se concentrou nas florestas – deixando de lado os rios da Amazônia brasileira e andina – e concluiu que, em média, 14,2% da floresta já foi perdido. Se a atual taxa de desmatamento persistir, atingiremos o ponto de inflexão em 2039.
Em contrapartida, há uma tendência global de esverdeamento dos sistemas financeiros internacionais. Iniciativas como o TCFD (Task Force on Climate-related Financial Disclousure), UNPRI (United Nations Principles of Responsible Investments) e mais recentemente o TNFD (Task Force on Nature-related Financial Disclousure) são alguns dos motores globais estimulando tal tendência no setor, observada com mais vigor nos últimos anos. Nacionalmente, o BNDES – protagonista nacional na agenda de desenvolvimento sustentável – publicou uma circular ainda no final de 2022 vetando operações de crédito rural em propriedades com supressão ilegal de cobertura florestal a partir de fevereiro. Ainda em dezembro de 2022, foi firmada a parceria de cinco anos entre BNDES e MapBiomas, uma ferramenta de monitoramento da cobertura e uso da terra, e no primeiro mês de vigência da circular 60 operações foram suspensas.
Porém, apesar da tendência de esverdeamento do sistema financeiro e dos recentes esforços para o enquadramento de operações no setor de uso da terra, ainda é observada nacionalmente, particularmente na Amazônia, uma carência de fontes de capital paciente aterrissando no território. Da alocação total do BNDES, menos de 5% foram destinados ao norte do país ao longo de 2022. O compromisso global de agentes financeiros existe, porém, esses agentes carecem de um pipeline robusto de oportunidades de investimento, ou seja, um volume de oportunidades de projetos e investimentos passíveis de alocação de capital.
Parte do desafio passa pela dificuldade de identificar, acelerar e dar escala às oportunidades rentáveis de negócios baseados na natureza. Os investimentos iniciais precisam passar por um estreito funil, especialmente no setor de uso da terra na Amazônia. Do início ao fim do funil, cada etapa do investimento, da ideação de um projeto até o ganho de escala de uma iniciativa, deveria criar um fluxo de oportunidades de investimento qualificado, estruturando um pipeline robusto de investimento. No entanto, no contexto amazônico, muitos são os gargalos que impedem que os projetos saiam da fase ainda de ideação: infraestrutura, segurança jurídica e complexidade logística são alguns desses desafios.
Os projetos que recuperam, regeneram e valorizam florestas e que superam a fase de ideação enfrentam dificuldades de ganho de escala significativas em sua implementação. Tais dificuldades se devem principalmente à alta necessidade de investimento inicial, conhecido como upfront capital, resultando em uma profunda curva-j (período no qual o valor do investimento é menor do que o capital aportado) para as primeiras amortizações, e à alta volatidade a qual tais projetos estão expostos, atrelados a um cenário de alto risco e grandes incertezas, que demandam abordagens financeiras inovadoras. Enquanto predominam projetos e iniciativas incipientes, ainda em fase de ideação, poucas são as oportunidades que alcançam a fase final do funil da consolidação e ganho de escala.
Investir em práticas regenerativas e baseadas na natureza demanda tempo, paciência, resiliência e um trabalho orquestrado entre diversos atores. Tais desafios, alinhados com a difícil equação risco-retorno, fazem com que haja uma significativa divergência entre compromissos de capital global para o combate às mudanças climáticas e à perda acelerada da biodiversidade e alocação efetiva em projetos e oportunidades de investimentos sustentáveis com potencial de escala.
Esses desafios, porém, não são intrínsecos e exclusivos às Soluções baseadas na Natureza, pelo contrário, podem estar refletindo a nossa inabilidade de valorar e valorizar os ativos ambientais dos quais todas as vidas dependem. Os sistemas naturais do nosso planeta são essencialmente um estoque de capital (semelhante ao capital financeiro, construído ou humano) que fornece um fluxo de serviços às pessoas que não se depreciam com o tempo, desde que conservados. Chegar ao ponto de não retorno da Amazônia representaria a perda do capital natural de um ecossistema responsável por 15 a 20% da biodiversidade do planeta. Em tamanha urgência, emerge uma grande oportunidade para a valorização e proteção do bioma com base em ciência, inovação, finanças e políticas públicas.
Comprovar, hoje, que investimentos na natureza, com a valoração devida de serviços ambientais provisionados pelos ecossistemas são uma oportunidade rentável a investidores de longo prazo é uma necessidade para suprir a lacuna entre compromissos e alocações. Frameworks, compromissos globais do setor privado e financeiro, incubadoras, iniciativas da sociedade civil e políticas públicas nacionais e locais – essas políticas de particular importância para suprir eventuais falhas de mercado – devem trabalhar juntos em prol da construção de um pipeline robusto de oportunidades de investimentos para a manutenção da vida. Com oportunidades de investimentos, transparência de preços e valoração de ativos, investidores ao redor do mundo poderão considerar permanentemente a natureza e a floresta viva como uma classe de ativos em suas carteiras de investimentos.