Bets: Ética, moral e dinheiro, quem vence?

Publicado 15.06.2025, 10:30

A discussão em torno das alterações na chamada “Lei das Bets” tem produzido uma tempestade no ambiente esportivo, corporativo e financeiro do Brasil - uma tempestade que, mais do que ameaçar receitas imediatas, força uma revisão de modelos de negócio, dependências institucionais e, sobretudo, expõe a velocidade com que o mercado se adapta (ou falha em se adaptar) às mudanças regulatórias. Quando mais de cinquenta clubes da elite do futebol nacional se unem para tentar barrar uma medida, há mais do que um simples receio de perda de receita: há, também, o reconhecimento da fragilidade de um ecossistema que se tornou excessivamente dependente do dinheiro das apostas – seja lá quais são os efeitos colaterais que elas possam causar na sociedade -, mas isso fica para uma outra avaliação.

Os números são contundentes. A estimativa dos clubes, amparada por entidades setoriais, é de que as restrições propostas à publicidade de casas de apostas podem significar a perda de até R$ 1,6 bilhão por ano em receitas de patrocínio, onde quase 100% dos clubes da Série A têm, hoje, contratos com empresas do segmento. Desde 2020, o patrocínio de casas de apostas se consolidou como principal fonte de financiamento para grande parte das agremiações, impulsionado pela explosão do setor após a regulamentação das apostas esportivas. Para clubes frequentemente estrangulados financeiramente, com receitas recorrentes pressionadas por dívidas históricas e gestões problemáticas, esses contratos representaram não só alívio, mas, em muitos casos, a sobrevivência no curto prazo.

Porém, é preciso colocar esse debate em perspectiva. A dependência dos clubes do futebol brasileiro em relação ao setor de apostas é, antes de tudo, um reflexo da ausência de diversificação das fontes de receita e da fragilidade do ambiente institucional esportivo nacional. Ao concentrar tanto poder em um segmento - e ainda um segmento cuja base legal é recente, sujeito a reavaliações éticas e políticas -, os clubes se colocam em posição vulnerável, facilmente exposta a ventos regulatórios. Essa vulnerabilidade é sintoma de um problema maior, estrutural, e não apenas de uma questão momentânea de legislação.

No cenário internacional, o Brasil não está isolado. A Europa já vem, há anos, ajustando os limites da presença das casas de apostas no esporte, com restrições progressivas à publicidade - inclusive em países como Reino Unido, Espanha e Itália. Os motivos variam desde o combate ao vício em apostas até escândalos de manipulação de resultados, que colocam em xeque a integridade esportiva. É nesse contexto que a legislação brasileira busca se ajustar: não apenas para proteger consumidores, mas para blindar o próprio futebol contra riscos de reputação e práticas ilícitas – já enraizadas no nosso futebol há anos.

Para o investidor e o empresário, a discussão, portanto, transcende o futebol. Trata-se de entender o jogo mais amplo: a regulamentação de mercados disruptivos, os impactos de medidas de compliance e governança, e a capacidade de antecipação dos agentes econômicos frente ao ciclo político-regulatório. O caso das Bets é um recorte emblemático: setores emergentes, de crescimento acelerado, atraem interesse e capital - mas também riscos e escrutínio.

No campo macroeconômico, a regulamentação das apostas esportivas tem duplo efeito: por um lado, representa uma nova e relevante fonte de arrecadação fiscal - estimativas indicam potencial de R$ 15 bilhões anuais em impostos e taxas, recursos que podem ser destinados à saúde, educação e infraestrutura, ampliando o potencial de investimento público em setores críticos – sei que estou falando em um país utópico, diferente do atual Brasil. Por outro, é fundamental que o ambiente tributário não asfixie o segmento a ponto de inviabilizar sua operação legal, levando capital e consumidores para mercados paralelos ou offshores, como já ocorreu em setores como jogos de azar e cassinos em outros países

O risco de migração para mercados não regulados é real, e precisa ser equacionado. A experiência internacional mostra que excesso de restrições pode sufocar a arrecadação formal, estimular práticas ilícitas e fragilizar a proteção ao consumidor. O desafio para o legislador é calibrar o grau de intervenção: suficiente para mitigar riscos e garantir integridade, mas não a ponto de eliminar os benefícios do mercado regularizado. Nesse sentido, o debate público e a participação das partes interessadas – clubes, operadoras, consumidores e órgãos de controle – são indispensáveis.

Sob a ótica da gestão de risco, o cenário atual obriga clubes, empresas e investidores a reverem projeções e modelagens financeiras. Não há mais espaço para estratégias baseadas apenas na renovação passiva de contratos. O patrocínio de apostas deve ser entendido como componente de portfólio – importante, mas não exclusivo. O risco regulatório deve ser monitorado, os acordos revisados periodicamente e alternativas de monetização – como media rights, licenciamento internacional e experiências digitais – precisam ganhar prioridade. A crise, nesse aspecto, pode acelerar uma modernização há muito reclamada, aproximando o futebol brasileiro de modelos de governança que são padrão em ligas europeias e americanas.

Em suma, as alterações propostas na Lei das Bets e o temor de perda bilionária por parte dos clubes brasileiros são, ao mesmo tempo, sintoma e oportunidade. Sintoma de uma dependência excessiva, que precisa ser corrigida por meio de governança, transparência e inovação; oportunidade de reposicionamento, para aqueles que conseguirem se antecipar, adaptar-se e elevar padrões. O mercado esportivo – e, por extensão, o mercado financeiro – está aprendendo que, no ambiente regulatório contemporâneo, agilidade e visão de longo prazo valem tanto quanto o resultado de uma partida decisiva.

Para o investidor atento, este é o momento de monitorar a evolução do arcabouço legal, identificar empresas e clubes que estão na vanguarda da adaptação e apostar não apenas na próxima temporada, mas na sustentabilidade do setor para a próxima década.

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