Há milhares de anos, o ouro tem sido usado como reserva de valor, como uma forma de preservar riqueza no tempo e no espaço. Preponderou como a moeda corrente mundial por excelência durante milênios. Nos dois últimos séculos, foi o padrão monetário ao redor do qual todas as demais moedas nacionais gravitavam.
Contudo, com o fim de Bretton Woods, em 1971, o sistema monetário global rompeu com o último vínculo ao ouro. E, desde então, o vil metal não tem desempenhado praticamente nenhum papel monetário.
Apesar disso, o ativo segue sendo procurado como proteção em momentos de turbulência, um investimento no qual o mercado se refugia em tempos de crise, um porto seguro num mar revolto.
E o metal precioso brilha especialmente no momento atual, nesta era das políticas monetárias não convencionais e sem precedentes. Pois, quando bancos centrais de países desenvolvidos prometem injeções maciças de liquidez, desvalorizando suas moedas, os investidores naturalmente buscam um ativo que não pode ser inflacionado por ninguém, um ativo seguro capaz de preservar valor ao longo do tempo.
Mas, inesperadamente, para a surpresa de todos e a despeito do ceticismo generalizado, eis que surge um novo ativo pretendente a status de porto seguro: o bitcoin, o ouro digital do século XXI.
Assim como o metal milenar, o bitcoin não é passivo de ninguém. Tem oferta limitada e inviolável, uma escassez autêntica – algo inédito no mundo digital. Não pode ser inflacionado por nenhum governo ou banco, bem como o ouro.
As semelhanças, porém, acabam por aí. Porque, ao contrário do metal, o bitcoin é incorpóreo. É digital. Não pesa nada. É plenamente transportável e transferível para qualquer lugar do planeta.
Diferentemente do ouro, não é preciso cargueiros ou bancos para realizar pagamentos em longas distâncias; o Bitcoin é simultaneamente uma moeda digital e um sistema de pagamentos.
A divisibilidade do bitcoin é perfeita e infinita; já o metal, apesar de maleável, enfrenta os limites insuperáveis da física. Além disso, é desnecessário verificar a autenticidade de um bitcoin. Um bitcoin é um bitcoin e ponto. Estando devidamente registrado no blockchain, uma unidade de bitcoin é infalsificável. Basta acessar e comprovar. Fenômeno similar não ocorre com o ouro, cuja pureza e peso devem ser verificados com precisão.
A grande vantagem do bitcoin em relação ao ouro – para usar o economês – está na enorme redução dos chamados custos de transação, pois ele prescinde de diversos intermediários. Entendendo as características e distinções entre o ativo milenar e o digital, fica claro por que o bitcoin tem comparativamente custos de transação tão mais reduzidos.
Mas essas propriedades, por si só, fazem do bitcoin um ativo de proteção, um porto seguro?
Se fizéssemos essa indagação em 2009, ano do surgimento do Bitcoin, a resposta seria um redundante não. Afinal de contas, quando do início do sistema, um bitcoin valia exatamente zero. Nada. Não havia nenhum preço de mercado. À época, qualquer investidor sensato rejeitaria a noção da moeda digital baseada em criptografia como ativo de proteção.
Mas aos poucos a invenção revolucionária de Satoshi Nakamoto – o criador misterioso e até hoje desconhecido – foi ganhando adeptos, entusiastas, usuários, visionários e especuladores. De zero, um bitcoin passou a valer frações de centavos de dólar, alcançado, em 2011, a paridade de US$ 1. Naqueles tempos, o ativo era absolutamente ilíquido. Não havia negócios diários, eram poucos usuários e não havia mercados organizados para conectar compradores e vendedores.
Hoje, sete após a invenção do “sistema de dinheiro eletrônico peer-to-peer”, uma unidade da criptomoeda é negociada por cerca de US$ 650 e conta com mais de US$ 1,5 bilhão de volume diário de transações nas bolsas de bitcoin mundiais. Comparativamente, o volume diário mundial do ouro está na casa dos US$ 20 bilhões, segundo a London Bullion Market Association. Frente ao metal, o volume da moeda digital ainda é baixo, mas está longe de ser desprezível e vem crescendo rapidamente.
É no mercado nacional, contudo, que o bitcoin tem surpreendido. Nos primeiros seis meses de 2016, o volume de negócios realizados nas bolsas brasileiras superou o volume de negociação do ouro na BM&F. Os ativos OZ1D e OZ2D (lote de 250 g e de 10 g, respectivamente) registraram cerca de R$ 151 milhões em negócios, enquanto o volume nas bolsas de bitcoin ultrapassou R$ 164 milhões, um recorde para esse mercado ainda incipiente. Considerando apenas o mês de junho, o mercado de bitcoins apresentou um volume duas vezes maior que o de ouro. Uma marca histórica para um ativo inédito, ainda incompreendido por muitos.
Por que esse mercado segue crescendo no Brasil e no mundo? Por que investidores têm alocado capital nesse ativo apesar da volatilidade relativa? Porque simplesmente é um ativo inédito, único e com propriedades intrínsecas extraordinárias, capazes de fazer do bitcoin um genuíno ativo de proteção.
Especialmente quando levamos em conta as anomalias e os excessos do sistema financeiro vigente, o bitcoin sobressai-se por ser naturalmente blindado contra a discricionariedade dos bancos centrais e do poder coercitivo dos governos. Será que não tem valor um ativo imune a juros negativos, confiscos e inflacionismos de todo tipo? Será que não há utilidade em uma criptomoeda capaz de viajar o mundo instantaneamente, ignorando fronteiras artificiais, e sem depender de nenhum terceiro de confiança? Cada vez mais investidores vislumbram que a resposta a essas perguntas é um inequívoco sim.
Mas estaria o bitcoin apto a suplantar o ouro como ativo de proteção, sendo encarado como o verdadeiro refúgio dos investidores em momentos de crise? Potencial para tanto, parece ter. O metal precioso, porém, ainda conta com dois atributos quase intransponíveis: o track record e a maior estabilidade de valor. Para ambos os obstáculos, a solução para o bitcoin é a mesma: tempo.
Fernando Ulrich é mestre em Economia, conselheiro do Instituto Mises Brasil e autor do livro “Bitcoin – a moeda na era digital”.