Depois do evento anual do açúcar em Dubai, todo mundo voltou para casa com aquele sentimento que sempre emana ao término das reuniões naquele lado do planeta. Nada aconteceu, como nos anos anteriores. Deixando claro que aqui não há nenhuma critica ao evento em si, de grande qualidade. É que o mercado está tão chato que nada acontece em lugar nenhum no universo açucareiro.
Às vezes esse sentimento de que nada acontece, pode levar os operadores de mercado a tomar posições nos mercados derivativos apostando na paralisação total e absoluta dos preços. Ambiente favorável para a venda de opções fora-do-dinheiro, não é mesmo? Veja logo a seguir o preço que se paga por entrar nessa linha de raciocínio.
Antes de falar sobre isso, preciso comentar sobre o e-mail recebido de um leitor que insinua que eu puxo a brasa para a minha sardinha toda vez que falo sobre gestão de risco, considerando que a Archer Consulting é uma consultoria de risco. Ou seja, que tenho mostrado cenários sombrios para poder vender – subliminarmente – soluções. Ninguém vai deixar de morrer se as funerárias fecharem, assim como vai continuar chovendo em algum lugar do planeta, mesmo que fechemos todas as fábricas de guarda-chuva. Tão corriqueiras quanto a morte e a chuva, também são as falhas na gestão de risco e mesmo que eu queira ignorá-las elas continuarão existindo.
Bem, os temas dos comentários semanais invariavelmente focam na importância de se dar o devido valor à gestão. Impossível separá-la do dia-a-dia das commodities. E a semana que passou, particularmente, nos deu provas, uma vez mais, de como esse assunto deveria ser tratado com especial atenção pelos gestores e conselheiros nas empresas do agronegócio brasileiro. Vou explicar.
Na sexta-feira, o mercado de açúcar em NY encerrou o pregão negociado a 13.21 centavos de dólar por libra-peso, uma expressiva alta de 60 pontos em relação ao pregão do dia anterior, numa semana em que os preços ficaram dentro de limitado intervalo de preços. Mudanças nos fundamentos do açúcar? Parece que não.
Ocorre que antes do início do pregão de sexta-feira, dia do vencimento das opções, havia mais de 11,000 lotes de calls (opções de compra) de preço de exercício de 13 centavos de dólar por libra-peso. Os vendidos deviam pensar que elas expirariam sem valor, ou como se diz no jargão de mercado, iriam virar pó. O mercado de açúcar ficou de lado em grande parte do pregão. Nas últimas horas, no entanto, a coisa mudou.
Quando o contrato de março se aproximava dos 13 centavos, os vendidos mais inquietos começaram a cobrir suas posições a descoberto e essa ação foi certamente foi o gatilho para que o mercado irracionalmente fosse subindo sem parar. Espertamente, muitas usinas aproveitaram a oportunidade para fixar seus preços. No que fizeram muito bem. Entendemos que, embora os fundamentos sejam construtivos para a próxima safra pelas razões exaustivamente expostas nesse espaço, o que vimos na sexta nada teve a ver com eles. Quem vendeu opções porque o mercado estava de lado pode ter se machucado.
Será que o movimento continua na terça-feira? (Segunda-feira a bolsa está fechada devido ao feriado nos EUA). Será que ele foi suficiente para assustar os fundos vendidos, cuja posição ainda não sabemos exatamente, pois o shutdown do governo americano atrasou o controle e ainda estamos atrasados com os números? Perguntas sem resposta.
Voltando à gestão de risco, o mercado de café teve o pior desempenho entre as soft commodities durante a semana que passou, derretendo 4.26%. O que ocorreu para tal debacle? Segundo rumores no mercado, a abrupta queda parece ter sido provocada pela liquidação compulsória de uma posição comprada pertencente a um exportador de café brasileiro, por meio de uma estrutura de balcão. Um negócio “maravilhoso” conhecido como acumulador.
Quem nos acompanha sabe o quanto somos críticos com esse tipo de operação, não porque ela seja fadada ao fracasso, mas porque, por experiência ao longo desses anos, percebo que um razoável percentual das empresas que a utilizam parece não ter a menor ideia da extensão do risco que incorrem. Acumuladores podem servir para o operador de mercado com viés especulativo, mas normalmente são um desastre para quem as usa com o intuito de replicar o hedge. Mas, falar sobre acumuladores tem menos eficácia do que se eu pregasse os evangelhos no deserto do Saara. O lado triste da história, lembrando que até onde sabemos são rumores, é que a palavra no mercado dava conta que o prejuízo sofrido pela tal empresa estava na casa das dezenas de milhões. De reais? Não, claro que não. De dólares. Porque, afinal, acumuladores é coisa pra gente que tem grana. Ou tinha.