Tudo jogava a favor dos investidores do petróleo no início oficial do verão no Hemisfério Norte.
Com a demanda de volta aos níveis pré-pandemia, o barril agora custa três vezes mais do que a média de US$ 40 registrada em julho de 2020 e está quase 60% acima dos níveis do ano passado.
Mesmo assim, o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) está ameaçando estragar o jogo dos investidores com a mais draconiana alta de juros em uma geração.
É uma ameaça implícita, na medida em que o Fed não está atuando diretamente contra o mercado petrolífero.
De fato, o presidente do banco central americano, Jerome Powell, admitiu que a instituição não podia controlar alguns dos aumentos de preços, apesar de prometer, em seu último depoimento ao Senado americano, que faria o que fosse necessário para combater a inflação. E isso inclui os preços mais sensíveis de todos, do ponto de vista político: os dos combustíveis nas bombas.
Gráficos: cortesia de skcharting.com
Powell afirmou que os preços da gasolina e dos produtos de supermercado cairão devido ao efeito das elevações de juros do Fed. Ele explicou que as taxas maiores arrefecerão os gastos, sem corrigir a oferta insuficiente de bens e commodities. Uma das principais razões para as máximas de 40 anos na inflação dos EUA é que a disponibilidade de produtos/materiais está muito aquém da demanda.
“Não há algo que possamos fazer de concreto em relação aos preços do petróleo. Eles são definidos em nível global”. Powell fez questão de frisar, em seu depoimento ao Senado, que não tinha uma varinha mágica para acabar de uma vez por todas com a inflação gerada pelos preços da energia que, em maio, giravam em torno de 35%, segundo algumas estimativas, nível mais alto desde setembro de 2005.
Mesmo assim, o recuo de quase 14% nos preços do petróleo nas últimas duas semanas e a narrativa em torno dessa forte queda sugerem que as elevações de juros do Fed têm tudo a ver com o medo cada vez maior de uma recessão nos mercados.
Durante as negociações na Ásia, o barril do petróleo West Texas Intermediate estava abaixo de US$ 104, contra a máxima de três meses de quase US$ 124 alcançada em 14 de junho.
“Um rompimento sustentado do suporte de US$ 101 abriria espaço para uma queda maior de US$ 6 a US$ 10 no WTI, fazendo-o ir em direção aos alvos de baixa de US$ 98 e 95”, disse o analista técnico Sunil Kumar Dixit.
Isso se deve a rumores de que os investidores estão aterrorizados com a possibilidade de uma recessão, que se tornou um palavrão recentemente. No caso do petróleo, o Fed e seu mantra de aumento futuro dos juros estão contendo o apetite dos investidores, ao mesmo tempo em que incentivam vendedores que acreditam na possibilidade de preços ainda mais baixos. Isso está ajudando o Fed a atingir seu objetivo de arrefecer o componente da inflação referente à energia, apesar de Powell afirmar o contrário.
Mas será que esse cenário durará por muito tempo? A resposta está no consumidor americano, que continua incrivelmente resiliente às maiores pressões de preço em uma geração.
O consumo das famílias americanas responde por cerca de 68% dos gastos agregados, mesmo após o recuo de 1,4% do produto interno bruto no 1º tri. Esse é o tipo de força que, segundo os economistas, pode ajudar o PIB a ficar positivo e evitar uma recessão em 2022.
Há sinais de que a força do consumidor pode acabar sendo testada no fim deste ano, alerta Vivekanand Jayakumar, professor associado de economia da Universidade de Tampa.
“Se os gastos das famílias começarem a ceder no segundo semestre de 2022, as consequências para a economia mais ampla serão enormes”, afirmou Jayakumar em um artigo publicado no início do mês no periódico The Hill. O pesquisador disse ainda:
“De fato, se o mais importante motor econômico parar, a perspectiva de recessão nos EUA em 2023 subirá drasticamente”.
Mas a demanda por energia pode continuar forte. Exceto no caso da China, que continua preocupada com os surtos domésticos de Covid, a crise de dois anos do coronavírus se encerrou para os consumidores americanos, bem como para as pessoas que vivem nas principais economias da OCDE, as quais não veem a hora de viajar por todas as partes após a fadiga gerada pela pandemia.
A gasolina a cerca de US$ 5 por galão não conseguiu destruir a demanda entre os motoristas norte-americanos às vésperas do pico das viagens automotivas de verão.
O mesmo se aplica às viagens aéreas, apesar do aumento dos preços das passagens para os viajantes e dos combustíveis para as companhias.
Os consumidores americanos gastaram US$ 6,5 bilhões em fevereiro reservando passagens aéreas durante as férias de primavera, de acordo com dados compilados pela Adobe Analytics. Trata-se de uma alta de 6% em relação a fevereiro de 2019 e de 18% ante janeiro deste ano.
Na primeira quinzena de maio, os gastos das companhias aéreas subiram 24% em comparação com 2019, enquanto as reservas subiram apenas 3%. A lacuna entre os gastos e as reservas “ressalta os efeitos dos preços persistentemente altos”, segundo a Adobe.
O AviationPros, um portal especializado em aviação, disse que as linhas aéreas esperavam consumir 321 bilhões de litros de combustível em 2022, em comparação com 359 bilhões em 2019.
Mas, embora o combustível responda por cerca de um quarto dos custos operacionais em 2022 – a um volume estimado de US$ 192 bilhões – uma características particular do mercado neste ano foi o elevado diferencial entre os preços do petróleo e do combustível de aviação, observou a AviationPros.
“Esse diferencial de preços continua bem acima dos padrões históricos, em grande parte devido às restrições nas refinarias”, ressaltou. “O subinvestimento na área pode fazer com que o diferencial continue elevado em 2023. Ao mesmo tempo, os preços do petróleo e do combustível devem fazer com que as companhias aéreas procurem melhorar sua eficiência, tanto através do uso de aeronaves mais eficientes quanto por meio de decisões operacionais”.
Em nível mais amplo, os choques de oferta na forma de novos cortes de emergência nos campos petrolíferos ou conflitos civis nos países produtores podem seguir pendendo o jogo do preço do petróleo a favor da Opep.
A Organização dos Países Exportadores de Petróleo, composta por 13 membros liderados pela Arábia Saudita, prometeu um aumento de produção de 648.000 barris por dia em julho e agosto, uma alta de cerca de 53% em relação a junho. Mas a Opep e seus 10 aliados, liderados pela Rússia, alvo de pesadas sanções, são hábeis em mudar a narrativa do petróleo segundo sua vontade, ficando um passo à frente de qualquer liquidação do mercado nos últimos 18 meses. Além disso, a bagunça sem fim na Europa, que deseja se livrar do petróleo russo, continua dando suporte ao barril a US$ 100.
Em vista de todos esses fatores a favor dos compradores no mercado, será que as elevações de juros do Fed farão alguma diferença sensível na redução da cotação do barril?
Sim, desde que o banco central americano surpreenda a todos com uma alta de juros acima das previsões. A elevação de 75 pontos-base deste mês foi a maior realizada pelo Fed em 28 anos e foi decidida alguns dias após o índice de preços ao consumidor (IPC) alcançar a máxima de quatro décadas de 8,6% no início de maio.
Alguns banqueiros do Fed defendem mais um aumento de 75 pontos-base em julho. Para emitir uma mensagem realmente capaz de dissipar as pressões de preço, o banco central americano deveria realizar uma alta de 100 pontos-base em três das quatro revisões de juros que ainda restam no ano. Isso faria com que as taxas ficassem em 4,75% antes da alta final de dezembro de 25 pontos-base para encerrar o ciclo a 5%. A máxima das taxas ficaria, então, duas vezes e meia acima da meta estabelecida pelo próprio Fed para a inflação, de 2%, acelerando seu objetivo de alcançar a chamada taxa neutra para a atual inflação acima de 8%.
Com a contração de 1,4% no 1º tri, se a economia não retornar para o crescimento positivo no 2º tri, teríamos a condição técnica de recessão, definida como dois trimestres seguidos de crescimento negativo.
O Fed insiste que não tem a intenção de provocar uma recessão para atingir seu objetivo de combater a inflação. Pode ser que o banco central dos EUA não tenha outra opção a não ser provocar um crash no mercado acionário (sendo que um quarto ou metade desse trabalho já foi feito), no mercado imobiliário (que desacelerou um pouco em relação ao crescimento desenfreado dos últimos dois anos) e no mercado de trabalho (onde o crescimento dos salários mostra bastante resiliência). Somente então a liquidação no petróleo se firmaria, não havendo uma destruição de demanda pelo próprio mercado.
Aviso de isenção: Barani Krishnan utiliza diversas visões além da sua para dar diversidade às suas análises de mercado. A bem da neutralidade, ele por vezes apresenta visões e variáveis de mercado contrárias. O analista não possui posições nos ativos e commodities sobre os quais escreve.