Já dizia Buda que “toda grande caminhada começa com um simples passo”. Essa frase se encaixa para qualquer mudança que esteja em curso na nossa vida. Se encaixa também no momento em que começamos a investir.
E de fato a jornada de um investidor é longa, uma jornada de décadas. E o primeiro passo nessa jornada é entender por onde começar. Já nesse ponto surgem muitas dúvidas. É natural que os quase 2 milhões de novos investidores na Bolsa de Valores em 2020 se sintam perdidos e inseguros já na largada.
Mas afinal, qual a melhor forma de investir? Devo comprar diretamente ações, investir através de fundos ou simplesmente comprar ETF’s?
Como na maioria das respostas que envolvem o mercado financeiro, essa também não é uma resposta trivial e não há uma verdade absoluta. Na minha visão, formada por mais de 13 anos de experiência lidando com investidores, decidir sobre qual a melhor forma de investir é muito pessoal, e depende muito do seu perfil.
Com o intuito de simplificar essa compreensão, concluí que existem 3 variáveis que impactam essa tomada de decisão:
a) seu grau de conhecimento sobre investimentos;
b) o tempo que você está disposto a investir no controle da sua carteira;
c) o volume financeiro que você possui para começar.
Meu objetivo através desse artigo é te mostrar os principais pontos positivos e negativos de cada um desses caminhos, para que você tenha uma base lógica para decidir qual a melhor forma se encaixa com seu perfil.
Mas primeiro, preciso te apresentar alguns conceitos essenciais para balizar nosso tema do artigo de hoje.
GESTÃO PASSIVA X GESTÃO ATIVA
Todos os países e suas respectivas bolsas possuem índices de referência, que procuram demonstrar o desempenho “médio” das principais ações daquela bolsa. Esses índices são as principais referências para o mercado, também chamados de benchmarks.
Nos Estados Unidos, o principal índice é o S&P 500, que reflete o desempenho médio e ponderado das 500 principais empresas da NYSE ou NASDAQ. Já no Brasil, o principal índice é o Ibovespa, que reflete o desempenho médio ponderado das principais ações da nossa bolsa, que hoje representa 81 ativos de 78 empresas.
Quando um investidor quer apenas acompanhar o desempenho do índice, ele não precisa buscar ativamente assimetrias no mercado para atingir tal objetivo, basta que ele tenha uma carteira que apenas siga esse índice, e assim concluímos que essa carteira terá uma gestão passiva.
Ou seja, se você se contentar apenas com o retorno médio do mercado, basta que você invista em um fundo de gestão passiva. E os ETFs que replicam os índices são o principal instrumento para tal.
Já quando um investidor tem como objetivo superar o índice de referência, é necessário identificar assimetrias no mercado, com o intuito de ter um retorno acima dessa média. Para tal, esse portfólio precisar ter uma gestão ativa na carteira.
Logo, para que você consiga ter uma carteira com gestão ativa, ou você paga um gestor profissional para te entregar esses retornos, investindo através de fundos, ou então você mesmo precisará dedicar muito tempo e estudo para fazer a gestão própria da sua carteira.
É POSSÍVEL PERFORMAR MELHOR DO QUE O ÍNDICE DE REFERÊNCIA?
Nesse momento entramos em um dos temas mais polêmicos do mundo dos investimentos: é possível o investidor obter retornos acima da média do mercado de forma consistente?
Segundo a Hipótese dos Mercados Eficientes, não.
Em poucas palavras, a HME (Hipótese dos Mercados Eficientes), desenvolvida por Eugene Fama nos anos 60, diz que é impossível para um investidor, seja ele amador ou profissional, ter um retorno maior do que a média do mercado ao longo do tempo.
Essa hipótese se baseia em duas premissas: a primeira premissa seria de que todos os agentes econômicos são racionais e que tomam as decisões mais eficientes.
A segunda premissa é que há simetria total de informações, que todas os preços passados e as informações públicas e privadas estão refletidas nos preços dos ativos. O que mudaria seria somente o grau de força dessa simetria, e seriam 3 formas de “eficiência” nos mercados: fraca, semi-forte e forte.
Em resumo, segundo a HME, os preços apresentados pelos ativos refletiriam seu valor justo. Dessa forma, qualquer distorção nessa relação se daria por eventos totalmente aleatórios e num curto espaço de tempo, chamados de random walk (também conhecido como passeio aleatório, ou “passeio do bêbado”, por serem passos impossíveis de prever. Esse conceito é de Jules Regnault, tese publicada no século XIX).
Com o tempo, essas premissas se provaram errôneas. Primeiro porque sabemos que os agentes que forma o mercado não são racionais, e as Finanças Comportamentais surgiram para comprovar isso.
Segundo porque sabemos que a disponibilidade de informações não é igual para todos, existem agentes mais bem informados do que outros, algumas vezes até de forma ilegal (informações privilegiadas).
Embora as premissas que basearam a Hipótese não se sustentem, os resultados observados ao longo de várias pesquisas comprovaram que o fenômeno existe de verdade! Acredite: a maioria dos investidores não consegue bater o mercado de forma consistente! Mas falaremos disso mais adiante…
Agora que você já sabe o que significa Gestão Passiva e Gestão Ativa, e também sabe que existe muita dúvida se é possível bater os índices de referência ou não, vamos às 3 principais formas de se começar a investir, apresentando seus prós e contras.
ETFS: DIRIGINDO NO PILOTO AUTOMÁTICO
Os ETF’s (Exchange Traded Funds) são fundos de investimentos fechados que são negociados em bolsa. Os ETF’s buscam seguir o desempenho de algum índice de referência, algum benchmark. Por isso, consideramos que os ETF’s são fundos de Gestão Passiva.
Para aqueles que acreditam na Hipótese dos Mercados Eficientes, é o produto de investimentos ideal. A indústria de ETF’s, inclusive, foi uma das que mais cresceu na última década.
O ETF mais conhecido no Brasil é o BOVA11 (SA:BOVA11), que procura replicar o desempenho do Ibovespa.
Abaixo seguem os 3 principais prós e contras de investir em ETF’s:
Pontos Positivos
1) Facilidade: o investidor não precisa se preocupar em montar uma carteira e escolher os melhores ativos, pois o ETF já é uma carteira, com as mesmas ações e proporções que forma o Ibovespa. Assim, você não terá a preocupação se escolheu as ações “certas” ou não.
2) Tempo: investir em um ETF é como dirigir no “piloto automático”. Você não precisa dedicar tempo e estudo para a gestão do seu portfólio, há um gestor que fará isso. Inclusive que fará um rebalanceamento automático para você, caso o índice em questão mude.
3) Diversificação: para o investidor que tem pouco capital para investir, vejo o ETF como uma excelente alternativa, pois você consegue diversificar muito com pouco.
Pontos Negativos:
1) Rentabilidade mediana: pegando o exemplo de um ETF que segue o Ibovespa, as ações que compõem seu índice serão sempre as maiores, mas não necessariamente as melhores. Estar posicionado apenas no ETF te deixará de fora das middle e small caps, ou seja, das empresas com maior potencial de crescimento.
2) Desalinhamento de perfil: pegando o gancho da questão acima, se você quer ter uma carteira menos volátil, não necessariamente você estará nas ações mais seguras também. Por exemplo, quase 40% do Ibovespa é composto por Petrobras (SA:PETR4) e Vale (SA:VALE3), ações que são muito voláteis por estarem ligadas a Commodities. Dessa forma, seu investimento por estar desalinhado ao seu perfil.
3) Questão Tributária: quando você investe em um ETF, você perde os benefícios tributários que as ações proporcionam, pois você pagará 15% de imposto de renda sobre seus lucros independente do volume da venda (nas ações “puras” essa cobrança se dá apenas acima de R$ 20.000,00) e também os seus dividendos perderão a isenção, pois os dividendos ficam dentro do fundo, e ao vender cotas, entrarão “na conta” dos 15% de imposto.
Sendo assim, penso que investir em ETF é mais recomendado para investidores que possuem poucos recursos para investir e também para aqueles que não querem dedicar tempo e esforço na gestão dos seus recursos.
2 – FUNDOS DE AÇÕES: SEU DINHEIRO NA MÃO DE UM PROFISSIONAL
Os fundos de Ações são veículos de investimentos em forma de “condomínio”, em que o investidor compra cotas desses fundos e seus recursos são geridos por uma equipe profissional, juntamente com os recursos de milhares outros investidores.
O objetivo dos fundos é bater seu índice de referência, ou seja, entregar para seu cotista um resultado superior à media do mercado.
Em teoria, parece tentador: um gestor muito qualificado, certificado e com formação acadêmica em uma universidade de renome, sendo auxiliado por dezenas de analistas, também qualificados, gerindo um fundo. Uma equipe inteira focada em cuidar do seu dinheiro!
Entretanto, na prática o que vemos é o fantasma da Hipótese dos Mercados Eficientes assombrando novamente…
Existem muitas pesquisas que mostram que mesmo os investidores profissionais, em sua maioria, não conseguem bater o mercado. A pesquisa mais famosa é a SPIVA (Standard & Poors Indices Versus Active), publicada anualmente e que mostra que, no Brasil, mais de 80% dos investidores profissionais perde para seu índice de referência!
Nos Estados Unidos, esse número é ainda maior: quase 90% dos gestores profissionais não consegue bater o S&P 500! Isso mesmo, muitos gestores, a maioria inclusive formados em uma Ivy League, não conseguem bater o índice.
Mas não podemos esquecer daqueles 10% ou 20% dos gestores que conseguem SIM bater o índice! Senão não teríamos Warren Buffett, Peter Lynch, Stulhberger, e tantos outros gestores lendários.
O que quero dizer, trazendo esses dados, é que você deve saber escolher muito bem o gestor que vai confiar seu dinheiro! Preferencialmente, um gestor que tenha provado que consegue bater o mercado com consistência por muitos anos! Não adianta ter um ou dois anos de bons resultados, apenas.
Abaixo seguem os principais pontos positivos e negativos de se investir através de fundos:
Pontos Positivos:
1) Gestão Profissional: em teoria, um gestor profissional, com uma vasta equipe de analistas, tem muita chance de obter melhores resultados do que um investidor amador.
2) Tempo: da mesma forma que ocorre com ETF’s, o gestor não precisa se preocupar em administrar seu dinheiro, pois já tem alguém fazendo isso por ele.
3) Rentabilidade: caso você faça o dever de casa e escolha um gestor que comprovadamente bate o índice, provavelmente conseguirá rentabilizar muito bem sua carteira ao longo do tempo.
Pontos Negativos:
1) Custos: ter um gestor profissional cuidando seu dinheiro custa caro. Na média, os fundos cobram 2% a.a. de taxa de administração e 20% de taxa de performance. Porém, o que vai determinar se esses custos são altos ou não será exatamente o resultado que ele vai te entregar.
2) Conflito de Interesses: os fundos, por serem produtos comerciais, precisam estar sempre com a “fotografia” bonita. Dessa forma, existe um viés maior em performar melhor no curto prazo, para atrair mais cotistas, assim o foco no longo prazo fica em segundo plano. Além disso, a ânsia por buscar uma maior taxa de performance faz com que os gestores tomem mais riscos do que deveriam.
3) Questão tributária: da mesma forma que nos ETF’s, quando você investe em fundos você também perde os benefícios tributários que as ações proporcionariam, já que terá que pagar 15% de IR sobre seus ganhos, independente do volume e dos dividendos.
3- CARTEIRA PRÓPRIA: VOCÊ NO CONTROLE
Chegamos, enfim na mais comum das escolhas dos investidores. A maioria dos investidores prefere ter sua própria carteira de ações. Mas será que é vantajoso ter sua própria carteira? Mesmo depois de saber que até mesmo os investidores profissionais têm dificuldade de superar o mercado?
Vamos ver os pontos positivos e negativos de se investir por conta própria.
Pontos Positivos
1) Personalização: você pode ter a carteira que você quiser, com as ações que você quiser. Sendo assim, fica muito mais fácil de alinhar sua carteira ao seu perfil de risco e até mesmo ao seu perfil de escolhas pessoais.
2) Controle: esse ponto tem a ver com o anterior. Parte-se do pressuposto que você estudou profundamente as empresas que você escolheu para investir, certo? Dessa forma, você se sente muito mais seguro para manter o investimento nelas, mesmo em momentos de grandes crises. Dessa forma, há um ganho comportamental muito grande, que o investidor que não controla sua carteira não terá em um momento de stress.
3) Questão tributária e custos: o investidor Pessoa Física possui diversas vantagens fiscais. Além de possuir isenção de impostos para vender de até R$ 20.000,00 por mês, os Dividendos são isentos de Impostos de Renda e são recebidos diretamente na conta do investidor. Além disso, o investidor pessoa física não tem custos com taxas de administração e performance.
Pontos Negativos:
1) Tempo: se você quer gerir sua própria carteira, saiba que precisará investir um tempo muito grande estudando e controlando sua carteira. A pergunta que deixo é a seguinte: quanto vale a sua hora? Você não deveria estar focado em construir riqueza com o seu trabalho ao invés de perder horas e horas cuidando dos seus investimentos?
2) Vieses Comportamentais: o investidor amador, por falta de experiência e conhecimento, tende a cair mais facilmente nos vieses comportamentais ao investir, como o Efeito Manada, por exemplo. Tais vieses podem se tornar armadilhas letais no seu patrimônio, muitas vezes fazendo o investidor inclusive amargar perdas gigantes.
3) Diversificação: caso o investidor possua um volume muito pequeno, fica mais difícil diversificar sua carteira, já que sabemos que comprar ações de forma fracionária no Brasil ainda possui muito pouca liquidez. E quanto menos diversificada a carteira, maior seu risco.
Na minha visão, ter uma carteira própria de ações tem muito mais a ver com fatores comportamentais e educacionais do que com resultado. O fato de o investidor se sentir mais no controle do seu patrimônio acaba trazendo muito mais tranquilidade para si no longo prazo.
QUAL A MELHOR OPÇÃO?
Acredito com toda sinceridade que as 3 formas de investir são válidas, mesmo que cada uma delas tenha suas ressalvas.
Conforme falei no início do artigo, você, investidor, precisa fazer uma reflexão e entender em que fase você está nessas 3 variáveis: seu grau de conhecimento sobre investimentos, sua disponibilidade de tempo e volume do seu investimento.
Além disso, é importante ressaltar que as 3 opções não são excludentes. Você pode muito bem investir em ETF’s, confiar em um gestor e ao mesmo tempo ter uma carteira com suas preferências pessoais. Inclusive acho isso bastante saudável, pois você está diversificando em diferentes estratégias.
Além disso, investir por conta própria ajudará muito na sua evolução como investidor.
Afinal, se você quer aprender mais sobre investimentos, não há outro caminho: a melhor forma de aprender é praticando. Além disso, você pode unir o melhor dos dois mundos: é possível ter uma carteira própria, personalizada, porém com o auxílio e orientação de um profissional de mercado!
Por fim, tenha a mente aberta, analise as possibilidades sem preconceitos e tenha clareza que mais importante do que definir onde investir será a sua disciplina e consistência em fazer aportes todos os meses e rebalancear sua carteira.
Um grande abraço e bons investimentos!
Te espero no próximo artigo!