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Criptomoedas e Moedas Digitais de Bancos Centrais: O Futuro Incerto do Dinheiro

Publicado 10.11.2021, 16:11
Atualizado 09.07.2023, 07:32

Em julho de 1944, representantes das principais economias do mundo se reuniram no Mount Washington Hotel, no encontro que ficou conhecido como a “A Conferência de Bretton Woods”. O objetivo central da reunião era a regulamentação do sistema monetário internacional após a conclusão da II Guerra Mundial. Um dos principais resultados da conferência foi a definição de que as taxas de câmbio entre as moedas das maiores economias do mundo seriam fixas, com a possibilidade de correções controladas, e que o dólar dos Estados Unidos seria a moeda de referência, tendo sua emissão limitada pelos estoques de ouro. A taxa de conversão definida foi de US$ 35,00 por onça troy de ouro, no regime conhecido como “padrão-ouro” (ou padrão dólar-ouro, já que o dólar estava lastreado em ouro e todas as principais moedas do mundo estavam atreladas ao dólar).

No início da década de 1970, na gestão do presidente Richard Nixon, o padrão-ouro foi abandonado e a conversibilidade do dólar americano em ouro foi suspensa. As taxas de câmbio entre a maioria das moedas passaram para o regime de câmbio flutuante com intervenções. Dessa forma, as moedas emitidas pelos Bancos Centrais de praticamente todos os países do mundo passaram a ser fiduciárias (baseadas em confiança/fidúcia), sem lastro metálico e de curso legal. A oferta de moeda passou, consequentemente, a ser uma decisão das autoridades monetárias (ou de forma simplificada, dos Bancos Centrais soberanos), e o limite à emissão de moeda deixou de ter qualquer associação com os estoques de ouro, prata, ou qualquer outro tipo de lastro.

O início do século XXI foi caracterizado pela ascensão da microeletrônica, da tecnologia da informação e da internet. Paralelamente, o setor de telecomunicações também foi alvo de importantes avanços, principalmente com a evolução da tecnologia de telefonia móvel e dos aparelhos celulares. A combinação dos recursos de telefonia móvel com sistemas computacionais e a possibilidade de acesso à internet levou a popularização dos chamados smartphones. Enquanto a tecnologia avançava, o mundo enfrentou uma das mais graves crises da história econômica recente, a Crise Financeira Internacional de 2008. Originada principalmente a partir do mercado imobiliário e da criação de uma série de produtos financeiros associados às hipotecas, a crise se alastrou por praticamente todo o sistema financeiro e bancário dos Estados Unidos, afetando principalmente grandes bancos de investimento. Posteriormente, os efeitos da crise expandiram-se para empresas não ligadas ao setor financeiro e para outros países, gerando o potencial de desestabilizar a economia mundial.

Principalmente a partir das respostas dos Bancos Centrais à Crise de 2008, o início da segunda década do século XXI foi marcado por uma grande expansão na liquidez internacional (quantidade de moeda em circulação). Adicionalmente, os Bancos Centrais passaram a intervir de forma mais acentuada nos mercados financeiros, principalmente com o objetivo de estimular o crescimento das economias avançadas, já que a inflação não se apresentava como uma questão preocupante. Assim, instrumentos não convencionais de política monetária passaram a ser amplamente utilizados, destacando-se as taxas de juros extremamente baixas (por vezes até mesmo em território nominal negativo), a expansão dos balanços dos Bancos Centrais e os programas de compras de ativos financeiros (como o Asset Purchase Programme do Banco Central Europeu), o controle da curva a termo (yield curve control) e o modelo de comunicação baseado na prescrição futura (forward guidance). O comportamento dos Bancos Centrais das economias avançadas passou a preocupar grande parte dos investidores e dos participantes do mercado financeiro, principalmente em função da forte elevação na quantidade de moeda em circulação, das taxas de juros muito baixas e do crescimento nos níveis de endividamento público. Tal situação tornou-se ainda mais intensa após a eclosão da crise decorrente da pandemia de Covid-19.

Nesse contexto, a possibilidade da efetivação de transações financeiras via internet, a partir da tecnologia denominada blockchain, passou a ganhar espaço, especialmente no início da segunda década do século XXI. O blockchain é uma das diversas configurações possíveis de um conjunto mais amplo de tecnologias denominado DLT (Distributed Ledger Technology). A tecnologia DLT está associada à contabilidade distribuída, isto é, uma espécie de livro contábil compartilhado por um grande número de verificadores. Principalmente a partir da “criptomoeda” denominada Bitcoin e da tecnologia blockchain, a possibilidade de um sistema de transferência de valores absolutamente descentralizado passou a ser discutida e conhecida por um número cada vez maior de indivíduos. Uma das diferenças essenciais entre o Bitcoin e as moedas emitidas por Bancos Centrais soberanos é o fato de o Bitcoin ser emitido de forma descentralizada, isto é, não existe uma instituição, empresa ou governo responsável pela emissão do ativo. O ativo é “criado” a partir do processo conhecido como “mineração”, que consiste na utilização de computadores dedicados à solução de problemas matemáticos e à validação das transações realizadas com Bitcoins. Nesse sentido é possível a comparação entre o Bitcoin e os metais preciosos, visto que em ambos os casos não há uma instituição responsável pela criação do ativo e existe a percepção de que a quantidade total de ativos disponíveis é finita, trazendo o atributo da escassez como um dos fundamentos geradores de valor.

Apesar de bem-sucedido como inovação tecnológica e ativo financeiro, o Bitcoin ainda não se estabeleceu como moeda, apesar de esse possivelmente ter sido o objetivo principal de sua criação. As criptomoedas, em geral, têm grande potencial para modificar futuramente os sistemas de pagamentos e os mercados financeiros, mas ainda não podem ser consideradas moedas no sentido estabelecido pela teoria monetária padrão. Isso porque uma moeda, segundo tal teoria, precisa apresentar pelo menos três funções: meio de troca, reserva de valor e unidade de conta. Meio de troca consiste na capacidade da moeda de liquidar transações, isto é, a moeda precisa ser largamente aceita em troca da aquisição de bens e serviços. Reserva de valor é a propriedade da moeda de preservar o seu poder de compra durante o tempo, ainda que alguma perda seja natural em função da inflação. Finalmente, a unidade de conta significa que os preços dos bens e serviços são medidos em moeda corrente. Atualmente as criptomoedas não atendem a esses três critérios, principalmente em função da elevada volatilidade de seus preços e das dificuldades operacionais das transações diretas.

Não obstante, as criptomoedas atualmente vêm ganhando atenção crescente de investidores, instituições financeiras, fundos de investimento e da própria mídia. Novos projetos e tecnologias surgem diariamente e a quantidade de criptomoedas em funcionamento apresenta franca elevação, apesar de nem todas serem baseadas na tecnologia blockchain e na descentralização. A combinação do cenário de forte expansão na base monetária da maioria das economias avançadas, intensificada após a Crise do Covid-19, com a ampliação do interesse nas criptomoedas, trouxeram ao debate questionamentos sobre o futuro das moedas gerenciadas por autoridades monetárias estatais. Diante desse contexto, os Bancos Centrais estão direcionando sua atenção para pelo menos duas questões associadas a esse tema: a possibilidade de regulamentação das criptomoedas e a criação de moedas digitais gerenciadas pelos Bancos Centrais (CBDC – Central Bank Digital Currency ou MDBC – Moedas Digitais dos Bancos Centrais).

Em geral, considera-se que uma das principais características de uma criptomoeda é a emissão descentralizada, isto é, a moeda não é emitida por uma instituição, autoridade ou um governo específico. Assim, as moedas digitais emitidas pelos Bancos Centrais (CBDC – Central Bank Digital Currency) são conceitualmente diferentes das criptomoedas, já que como o próprio nome indica, são emitidas por uma autoridade monetária, o Banco Central. No entanto, diferentemente das transações eletrônicas bancárias atuais (como o Pix e a TED, por exemplo), as CBDCs poderiam ser transacionadas diretamente entre dois indivíduos em um sistema aberto como a internet, sem a necessidade de validação de um terceiro (como o sistema bancário), já que as transações são protegidas por criptografia. Nesse caso, as transações também são denominadas peer-to-peer (algo como “de ponta a ponta”), ou seja, a transação ocorre diretamente entre os participantes, sem a necessidade de um intermediário validador.

Dessa forma, podemos compreender as CBDCs como um conceito que se encontra no meio-termo entre as transações eletrônicas internas ao sistema bancário e as criptomoedas. Por um lado, as CBDCs seriam emitidas por uma autoridade ligada ao Estado nacional, e sua garantia de valor estaria associada a essa característica, assim como as atuais moedas de curso legal. Por outro lado, as CBDCs poderiam ser transacionadas fora do sistema bancário, o que as aproximaria das criptomoedas, que são transacionadas diretamente na internet, protegidas por criptografia. As CBDCs podem ser compreendidas como uma versão eletrônica do papel-moeda ou da moeda metálica. O ponto fundamental aqui é que, assim como o papel-moeda, as CBDCs poderiam ser transacionadas diretamente entre as partes da negociação, sem a necessidade de intermediação de instituições financeiras ou de pagamentos.

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A tabela abaixo apresenta as características que diferenciam a moeda física (cédulas e moedas), as transações eletrônicas com os depósitos à vista nos bancos comerciais (como o Pix e a TED) que ocorrem no sistema bancário atual, as CBDCs e as criptomoedas.

Fonte: Elaboração Própria


Apesar da emergência das novas tecnologias e das criptomoedas, as moedas emitidas por Bancos Centrais soberanos ainda representam o sistema monetário predominante, com a hegemonia do dólar dos Estados Unidos. Ainda assim, os Bancos Centrais parecem estar atentos ao desenvolvimento das novas tecnologias, das criptomoedas e da possível necessidade de reinvenção do sistema monetário para a manutenção de sua hegemonia como emissor de moeda. Nesse sentido, as CBDCs podem revolucionar o atual sistema monetário, principalmente no que diz respeito ao papel dos bancos e dos intermediários financeiros. Dependendo da forma como as CBDCs se desenvolverem, a ligação entre os Bancos Centrais e os agentes econômicos pode se tornar mais próxima, reduzindo a importância do atual sistema de intermediação financeira, que hoje é o responsável pela validação das transações, pela distribuição de valores e pela concessão de crédito, um mecanismo fundamental para o funcionamento das modernas economias capitalistas. Em relação à concessão de crédito, já é possível observarmos o aumento da importância das plataformas eletrônicas que possuem informações sobre indivíduos e empresas, e que de certa forma já se mostram como possíveis concorrentes à atual atividade bancária. Adicionalmente, a maior utilização das CBDCs pode ampliar a possibilidade de monitoramento dos gastos realizados pelos indivíduos, uma vez que a relação entre Banco Central e consumidores seria mais próxima.

A evolução da microeletrônica e das tecnologias digitais vêm permitindo a gradual substituição das transações antes realizadas com moeda física por transações eletrônicas, intermediadas por instituições financeiras. O próximo passo poderá ser a ampliação da utilização de tecnologias que permitem a transferência direta entre os participantes das negociações, sem a necessidade de uma terceira parte validadora. Contudo, o futuro do sistema monetário ainda é extremamente incerto. É possível, por exemplo, que tenhamos várias formas concorrentes de moedas circulando paralelamente, tanto no que diz respeito ao emissor (Banco Central ou outros emissores, inclusive privados), quanto à forma (física ou eletrônica) e ainda no que se refere à centralização ou descentralização da emissão.

O desenvolvimento da tecnologia vem modificando profundamente nossas vidas em diversos aspectos. A forma como utilizamos o dinheiro tem sido mais um deles, e muito ainda pode estar por vir na medida em que a internet, os computadores e smartphones fazem cada vez mais parte de nossa rotina.

*Guilherme Ricardo dos Santos Souza e Silva é Economista, Doutor em Desenvolvimento Econômico e Professor Adjunto da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Contato: gui.ric@outlook.com

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Últimos comentários

Reflexões fundamentais em um momento em que se discute o papel dos Bancos Centrais tanto na desintermediação bancária como na regulação do sistema financeiro. Parabéns pelo artigo tão bem articulado.
Obrigado Vander! Um abraço!
Excelente artigo, parabéns.
Obrigado Vander! Um abraço!
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