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De Guarda-Chuva no Ciclone Tropical

Publicado 09.03.2020, 07:35
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O contrato futuro de açúcar em NY, com vencimento para maio/2020, desmoronou durante a semana e encerrou a sexta-feira cotado a 13.02 centavos de dólar por libra-peso, um imponente derretimento de 102 pontos em cinco sessões, ou cerca de US$ 22.50 por tonelada.

“Meu Deus, quando isso vai parar?”, indaga um trader do mercado. Normalmente esse tipo de pergunta provém daqueles que perderam o bonde, não fixaram o suficiente ou se apaixonaram pela posição esperando sempre um pouco mais. São poucos, é verdade. Mas, estão aí.

Pelo levantamento conduzido pela Archer Consulting, as usinas já fixaram 78% do volume estimado de açúcar para exportação da safra 2020/2021, ao preço médio de 13.76 centavos de dólar por libra-peso, que representam aproximadamente uma fixação equivalente a R$ 1,313 por tonelada FOB Santos. Nunca tivemos um ano em que as usinas – de maneira tão disciplinada – tenham tido um extraordinário volume de vendas fixadas, antes mesmo de começaram a moer a primeira tonelada de cana.

Mas, ainda existem resistências que podem ser de ordem interna, como me confidenciou um gerente comercial, que estava preocupado com a restrição do percentual de fixação imposto pelo Conselho da empresa, limitando o volume a ser fixado antes da moagem. Outras, de ordem conceitual, que ainda se perdem na questão há muito aqui debatida sobre cana de terceiros. O velho dilema acerca de se fixar ou não cana de terceiros continua fazendo vítimas. O mercado evapora e nem a usina nem o fornecedor de cana aproveitaram a oportunidade de bons preços.

Esse escriba advoga há tempos que as usinas devem tratar as fixações de preço independentemente de a cana ser própria ou de terceiros. A conformação da curva de preços deve ser observada, ou seja, se ela está invertida ou em carrego. Mas, se os preços são remuneradores, os contratos devem ser fixados e a parte correspondente ao custo da cana de terceiros na formação de preço do açúcar, pode ser protegida por meio da compra de uma call (opção de compra) no preço de exercício em linha com o ponto de equilíbrio dessa “ousada” antecipação.

Explico melhor: uma usina que utilize 30% de cana de terceiros e hoje não fixa a parte de açúcar correspondente porque acredita em hedge natural (conceito errado), deveria fazê-lo integralmente e – para se proteger – comprar cerca de 20% desse volume (30% de cana de terceiros vezes 65% que é quanto a cana representa no custo do açúcar) em opções de compra com preço de exercício acima do mercado. Com isso, maximiza sua receita. Já vi isso ocorrer em 2016, quando empresas fixaram açúcar acima de R$ 1,700 por tonelada e compraram opções de compra com preço de exercício de 18 centavos de dólar por libra-peso, que viraram pó e pagaram um Consecana bem abaixo do valor fixado. Há de se ter criatividade. Quem pensa que vai continuar no negócio fazendo as mesmas coisas sempre do mesmo jeito, pode pensar de novo.

Voltando à pergunta do angustiado trader acerca de quando essa queda vai parar, observe que o real não deixa isso acontecer. A desvalorização da moeda brasileira propicia hoje às usinas uma fixação média de R$ 1,430 por tonelada FOB. Alguma dúvida de que as usinas retardatárias vão continuar a aproveitar esses preços? Então, NY tem espaço para cair ainda mais. E os fundos, liquidando um terço da posição comprada (56,500 lotes) serão importantes agentes nessa empreitada. Note, caro leitor e estimada leitora, que para subir um dólar por tonelada os fundos compraram 220 mil toneladas. Para detonar o mercado, bastaram aos fundos vender 93 mil toneladas para derrubar 1 dólar. Ou seja, o mercado é muito mais vulnerável agora.

A trajetória do real em relação ao dólar tem trazido razoável preocupação às áreas comercial e industrial das usinas. Conviver com um dólar a R$ 4,6700 – que foi a máxima ocorrida durante a semana – faz os tomadores de decisão reverem o tempo todo a viabilidade de se mudar o mix de produção em favor do açúcar. Não está fácil equacionar tantas variáveis num cenário de imensa volatilidade.

É claro que o câmbio pode corrigir retornando a valores mais realistas. Não dá para entender que o real seja a moeda que mais se desvalorizou em relação ao dólar. Tem alguma coisa que foge da percepção dos analistas mais rigorosos.

O hidratado continua competitivo com esse cenário do petróleo, com quedas vertiginosas de preço no acumulado do ano, que dirá quando a poeira assentar e o mercado de energia retomar a vida real? Negociado na sexta-feira a R$ 2,5000 por litro, equivalente a açúcar em NY com 75 pontos de prêmio. Mudar o mix, precisa de mais fatores exógenos.

Com tantas indefinições, solavancos, volatilidade, coronavirus e sabe-se lá mais o que, a impressão que se tem é que estamos todos munidos de um guarda-chuva, daqueles baratinhos comprados na saída do metrô, para enfrentar um ciclone tropical. Muita gente vai ficar ensopada.

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