Petróleo se recupera após Trump moderar postura sobre tarifas à China
O Brasil ostenta a posição de maior produtor e exportador de café do mundo, mas essa hegemonia quantitativa esconde um desafio econômico ancestral: o “Paradoxo da Commodity”. Por décadas, a maior parte da receita de exportação do país veio do café verde, um produto padronizado e de baixo valor agregado, negociado sob a lógica volátil das bolsas de mercadorias (FREDERICO, 2013; CONCEIÇÃO et al., 2019).
Essa realidade complexa, na qual o preço é determinado por fatores externos incontroláveis, ecoa a histórica Hipótese de Prebisch-Singer (MANNO, 2010), que aponta para a dificuldade crônica de produtos primários em reter valor ao longo do tempo. O caso do café brasileiro, portanto, confirma a dificuldade de uma commodity ganhar valor agregado apesar de todo o avanço tecnológico interno (CONCEIÇÃO et al., 2019).
A resposta a esse dilema foi a adoção da Descomoditização, um processo estratégico de upgrading (agregação de valor) que busca transformar o grão padronizado em um bem diferenciado e especializado (CONCEIÇÃO et al., 2019; TANDFONLINE,). A descomoditização no Brasil se deu em duas frentes: a revolução da qualidade na lavoura (Upgrading de Produto) e o esforço de industrialização (Upgrading Funcional).
O sucesso na qualidade foi notável, mas o pleno alcance da autonomia é dificultado por barreiras tarifárias e políticas de importação nos principais mercados consumidores, que limitam a inserção externa dos produtos brasileiros com maior valor agregado (CONCEIÇÃO et al., 2019; ABICS,).
1. A Terceira Onda: Quando a Qualidade Vence o Volume
A partir da desregulamentação do setor nos anos 1990, o mercado consumidor tornou-se crescentemente exigente. O Brasil respondeu com o que especialistas chamam de Terceira Onda do Café (CONCEIÇÃO et al., 2019). Esse movimento representou um investimento maciço em pesquisa, desenvolvimento e atualização técnica, desviando o foco do volume para a excelência na qualidade e no terroir (CONCEIÇÃO et al., 2019).
O resultado mais visível desse Upgrading de Produto foi a consolidação do mercado de Cafés Especiais.
1.1 A Força da Margem: O Prêmio da Diferenciação
O sucesso da descomoditização na lavoura é medido pelo prêmio de preço que os grãos diferenciados alcançam, descolando-se da volatilidade do C-Market (WALL STREET JOURNAL/COCAPEC,).
O contraste é assombroso: enquanto o café arábica commodity opera em torno de US$ 160 por saca , o café especial brasileiro, em leilões como o Cup of Excellence, alcançou um preço médio recorde de US$ 3.300 por saca (REVISTA CAFEICULTURA,). Esse prêmio de mais de vinte vezes o valor commodity é a prova cabal da viabilidade da descomoditização primária. O consumidor de alto padrão está disposto a pagar por atributos como origem, processo de fermentação e certificação (CONCEIÇÃO et al., 2019).
Ao negociar diretamente com torrefadores de cafés finos, os produtores mais especializados conseguem não apenas maximizar as margens, mas também diversificar os riscos da cadeia de suprimentos ao se afastar dos mercados futuros tradicionais, cuja volatilidade é alta (WALL STREET JOURNAL/COCAPEC,).
Tabela I: Indicadores Comparativos de Exportação de Café Brasileiro (2016)
Esta tabela demonstra a disparidade de volume e valor agregado por saca de 60kg, evidenciando o baixo volume do T&M e a pouca diferença de preço do Solúvel em relação ao Café Verde (CONCEIÇÃO et al., 2019).
Fonte: Adaptado de CONCEIÇÃO et al. (2019).
Tabela II: Comparativo de Preços Médios e o Potencial Máximo de Margem
Esta tabela mostra o potencial máximo de agregação de valor alcançado pelo Upgrading de Produto (Cafés Especiais) em comparação com a base do mercado commodity volátil.
Fonte: Adaptado de CONCEIÇÃO et al. (2019), REVISTA CAFEICULTURA e STONEX (2023).
2. O Desafio da Industrialização e as Lacunas Estruturais
A segunda frente de agregação de valor é o Upgrading Funcional, que move as etapas de processamento para dentro do país produtor, capturando a receita da torrefação, moagem e fabricação de solúvel e cápsulas (CONCEIÇÃO et al., 2019).
2.1 A Inserção Industrial Frágil
Apesar de o Brasil ser o maior exportador mundial de café solúvel (CONCEIÇÃO et al., 2019), o preço médio por saca (US$ 162,7 em 2016) é apenas ligeiramente superior ao do café verde commodity (US$ 159,3 em 2016) (CONCEIÇÃO et al., 2019), sugerindo que esse upgrading tem sido mais de volume agregado do que de alto valor diferenciado.]
O segmento de café torrado e moído (T&M) de exportação, que tem um preço médio maior (US$ 302,2 por saca em 2016) (CONCEIÇÃO et al., 2019), apresenta uma participação quase insignificante: apenas 0,1% do total da exportação cafeeira brasileira (RSD JOURNAL,).
2.2 O Calcanhar de Aquiles: Governança Amadora e Fragmentação
A tese de queo produtor ainda é muito amador na governança da cadeia e que esta sofre comlacunas estruturais(CONCEIÇÃO et al., 2019) se manifesta de várias formas:
- Fragmentação Industrial: A indústria de T&M é pulverizada, com a maioria das empresas (64% microempresas e 19% pequenas) de administração familiar e baixo nível tecnológico e gerencial. Essa fragmentação dificulta o acesso a crédito (Funcafé) e a formação deblends de exportação (CONCEIÇÃO et al., 2019).
- O Paradoxo das Cápsulas: O mercado de café em cápsulas é a fronteira tecnológica de maior valor, mas o Brasil, paradoxalmente, aindaimporta cápsulas da Europa (CLICK PETRÓLEO E GÁS,; CONCEIÇÃO et al., 2019). Embora o país seja o maior produtor de grãos, a ausência de domínio tecnológico e de ativos complementares críticos no design de doses únicas limita a plena apropriação do valor (GALLOTTI; PEREIRA; PINHEIRO, 2017).
- Falta de Coordenação: A deficiência mais crítica é a falta de coordenação da cadeia agroindustrial, o que impede a distribuição eficiente dos ganhos de valor agregado ao longo dos elos, prejudicando o setor produtivo (CONCEIÇÃO et al., 2019; CONCEIÇÃO et al., 2019).
3. O Muro Tarifário: O Risco da Dependência
A busca por maior margem e menor dependência é sabotada por um fator externo poderoso: o uso de barreiras comerciais pelos grandes países consumidores para proteger suas indústrias de processamento.
O caso mais recente e emblemático é a imposição de uma tarifa de 50% pelo governo dos EUA ao café solúvel brasileiro, uma medida que o setor classifica como "proibitiva" (ABICS,; ABICS,).
O impacto foi imediato e brutal: no primeiro mês de vigência do tarifaço, os embarques de solúvel para os EUA caíram 59,9% (ABICS,; ABICS,). Essa extrema sensibilidade a decisões políticas arbitrárias revela que o Upgrading Funcional não garante menor dependência de parceiros se não for acompanhado por uma robusta diplomacia comercial (ABICS,).
Além dos EUA, o café industrializado brasileiro sofre com barreiras tarifárias que chegam a 30% ou mais em mercados emergentes como África e partes do Leste Europeu (ABICS,; CONCEIÇÃO et al., 2019). O setor (ABICS, CECAFÉ) tem intensificado a articulação para reverter o tarifaço e cobra uma postura mais agressiva do governo em fechar acordos bilaterais para garantir competitividade (ABICS,; ABICS,).
4. A Bússola do Século XXI: O Imperativo ESG e a Autonomia
Se a descomoditização da qualidade já ocorreu e o upgrading industrial enfrenta o muro tarifário, o caminho mais rápido para acessar mercados com maior poder de compra e consolidar a autonomia passa pela estratégia orientada ao ESG (Ambiental, Social e Governança), à rastreabilidade e à responsabilidade socioambiental.
Essa é a nova fronteira da diferenciação que o mercado de alto valor está disposto a remunerar (CONCEIÇÃO et al., 2019; TANDFONLINE,).
4.1 O Valor nas Relações e a Governança
A descomoditização, em sua essência, envolve restaurar o valor das "relações" (MANNO, 2010), sejam elas sociais (comunidade, trabalho) ou ecológicas (sustentabilidade, regeneração) (TANDFONLINE,; MDPI,). É aqui que o foco em ESG se torna o maior diferencial estratégico para o agronegócio brasileiro:
- Selos e Certificações: O investimento em iniciativas de rastreabilidade, certificações e selos verdes, como o ISO ou COSO (em termos de governança), é um mecanismo que garante a diferenciação e o acesso a mercados restritivos, como o europeu, que valoriza a origem e a produção ética (CONCEIÇÃO et al., 2019).
- Mercado de Carbono: As práticas de agricultura regenerativa e a comoditização de produtos agrícolas podem se beneficiar da criação de mercadosstandalone (autônomos) de crédito, como o mercado de crédito de carbono (MDPI,).
- Upgrading de Política: Conforme indicado pela pesquisa, oupgrading econômico por meio da Cadeia Global de Valor (CGV) depende crucialmente de políticas públicas que mediem e ampliem os ganhos para o valor agregado doméstico (WORLD BANK,).
Em resumo: de nada adianta a excelência do grão ou a complexidade industrial se a cadeia não for profissionalizada para atender às demandas de compliance e se o país não tiver diplomacia para defender seus produtos nos mercados finais.
5. Roteiro para a Consolidação da Autonomia
Para o Brasil garantir as maiores margens e a diversificação de riscos, superando a dependência do café verde, é crucial uma estratégia dual, sofisticada e orientada ao futuro:
5.1 Estratégia de Profissionalização Interna (Upgrading e Compliance)
O investimento deve ser direcionado para mitigar as lacunas estruturais da cadeia (CONCEIÇÃO et al., 2019):
- Governança e Profissionalização: Fornecer incentivos e ferramentas (modelos ecompliance) para que o produtor e a pequena indústria de torrefação superem o modelo degovernança amadora, garantindo o acesso a capital e gestão de risco (CONCEIÇÃO et al., 2019).
- Investimento Industrial e P&D: Incentivar aconsolidação da indústria brasileira (torrefação e solúvel) para que atenda a100% do consumo interno em todas as suas formas (T&M, solúvel, cápsulas) (CONCEIÇÃO et al., 2019). É fundamental investir em pesquisa e tecnologia para o segmento de cápsulas e T&M (GALLOTTI; PEREIRA; PINHEIRO, 2017).
- Remoção de Barreiras Internas: A indústria de solúvel, por exemplo, enfrenta uma desvantagem competitiva devido à tarifa equivalente de 13,61% sobre a importação de café robusta para industrialização (IPEA,). A remoção de barreiras como essa pode aumentar a participação do café solúvel brasileiro no consumo internacional em 8,6 pontos percentuais (IPEA,).
5.2 Estratégia de Diplomacia e Expansão Externa (ESG e Mercados)
A política externa precisa ser tão agressiva quanto a excelência do grão (ABICS,):
- Diplomacia Agressiva: É fundamental que o governo priorize anegociação de acordos bilaterais para derrubar as barreiras tarifárias que oneração o café industrializado (ABICS,; CONCEIÇÃO et al., 2019). O caso do tarifaço dos EUA exige umaação urgente para restabelecer um fluxo de negócios justo (ABICS,).
- Abertura de Mercados Emergentes: A diplomacia deve ser orientada para a abertura de novos mercados emergentes (Leste Europeu, Sudeste Asiático e Oriente Médio), onde as tarifas proibitivas precisam ser reduzidas (CONCEIÇÃO et al., 2019; ABICS,).
- Consolidação de Parceiros: Fortalecer e defender a inserção em parceiros já estabelecidos (EUA, China - um novoplayer no consumo de café - e União Europeia), utilizando o trunfo dacertificação ESG como moeda de diferenciação (WORLD BANK,).
Conclusão: Harmonizando a Lavoura com o Comércio
A jornada do café brasileiro demonstra que a descomoditização é a rota obrigatória para a prosperidade e a estabilidade. O sucesso na excelência do grão é inegável; o desafio agora é fazer com que essa qualidade se harmonize com uma capacidade industrial competitiva globalmente e politicamente defendida.
O caminho exige menos foco na padronização e mais na certificação de valor total — do terroir à responsabilidade social — transformando o café em um bem diferenciado, protegido por políticas públicas ativas e agressivas que garantam que, ao superar a lógica de Prebisch-Singer na fazenda, não se caia na armadilha da vulnerabilidade comercial no exterior.
Quem entende o Agro, entende o futuro.
Bons investimentos.