Devemos nos preocupar com a inflação nos EUA?

Publicado 18.02.2025, 10:01
  • O IPC de janeiro nos EUA veio acima do esperado, mas fatores pontuais e ajustes sazonais indicam que isso não necessariamente sinaliza um repique inflacionário.
  • Mesmo assim, a inflação segue elevada, e novas tarifas comerciais podem amplificar pressões de custo.
  • Esse cenário aumenta o risco de inflação persistente e pode dificultar cortes de juros pelo Fed em 2025.

Na semana passada, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) dos EUA subiu 0,47% em janeiro, superando as projeções do mercado. Excluindo alimentos e energia (núcleo do indicador), o avanço foi de 0,45%, um resultado igualmente desfavorável. Esse padrão já foi observado antes.

Nos últimos anos, os dados de janeiro frequentemente vieram acima das expectativas. Diante desse novo número, o quão preocupados deveríamos estar com a inflação ao longo de 2025?

Mantenha a calma

É apenas um mês de dados. Como o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, destacou na semana passada, o Fed não reage de forma exagerada a alguns meses de dados positivos ou negativos — e nós também não deveríamos. O IPC de janeiro foi um entrave ao progresso rumo à meta do Fed, mas dificilmente marca uma retomada da inflação.

No ano passado, números elevados no primeiro trimestre foram seguidos por leituras mais fracas no verão. Como resultado, a inflação continuou desacelerando ao longo do ano: o núcleo do IPC encerrou dezembro de 2024 em 3,2%, abaixo dos 3,9% registrados em dezembro de 2023, apesar do início mais pressionado. Além disso, esse não foi um fenômeno isolado. O IPC de janeiro tem surpreendido para cima repetidamente nos últimos anos, o que torna precipitado descartar o processo de desinflação ou as expectativas de cortes de juros pelo Fed em 2025.

A surpresa inflacionária deste ano pode ser menos preocupante do que a de 2024.

Para ilustrar, o núcleo dos serviços, excluindo habitação—conhecido como "supernúcleo"—teve um salto semelhante ao de janeiro do ano passado, mas de forma mais concentrada. Em 2025, o aumento foi impulsionado principalmente por serviços de transporte (como seguro de veículos e passagens aéreas) e serviços de recreação (assinaturas e eventos), que representam cerca de um terço do supernúcleo, mas responderam por quase 80% da alta do mês. No ano passado, o avanço estava mais distribuído entre as diversas categorias do supernúcleo.Supernúcleo do UPC dos EUA - % mês a mês

Quando a inflação se concentra em poucos segmentos, há maior chance de ser um fator transitório ou ruído estatístico. Já uma alta generalizada pode sinalizar causas estruturais, como um mercado de trabalho excessivamente aquecido ou demanda acima do equilíbrio.

Esse não parece ser o caso no momento. O IPC de janeiro sugere um ruído temporário, ajustes residuais em setores ainda desalinhados após a pandemia (como seguros de automóveis) e efeitos pontuais de reajustes de preços no início do ano.

O índice PCE, métrica preferida pelo Fed para medir a inflação, tende a vir mais moderado em janeiro, com projeção de alta de 0,25%. Isso ocorre porque alguns preços utilizados em sua composição, como os de serviços hospitalares medidos pelo PPI, mostraram fraqueza. Esse dado não invalida o IPC, mas oferece uma visão complementar do cenário inflacionário.

Alguma preocupação

Embora janeiro represente apenas um mês, não foi a única decepção recente. O núcleo do IPC registrou alta de 0,3% ou mais em cinco dos últimos seis meses, com exceção de dezembro. Isso sugere que o processo de desinflação pode estar perdendo força, enquanto a inflação segue acima da meta.

A surpresa inflacionária de janeiro dificilmente pode ser atribuída apenas a um efeito estatístico que será corrigido ao longo do ano. Esse mês costuma ser um período de reajuste de preços, como evidenciado pelo IPC não ajustado sazonalmente.Núcleo do IPC, sem ajuste sazonal
Os ajustes sazonais buscam eliminar padrões recorrentes do calendário para tornar as variações mensais mais comparáveis, mas não afetam a variação acumulada do ano. Alguns argumentam que esses ajustes foram insuficientes após a pandemia, levando a um IPC sistematicamente mais alto em janeiro e mais baixo em outros meses—a chamada "sazonalidade residual".

Testes formais para detectar sazonalidade residual são sensíveis às especificações adotadas, e os segmentos que apresentaram pressão em janeiro variaram ano a ano. Ainda assim, a experiência recente mostra que não se deve reagir exageradamente a meses de inflação elevada no início do ano, assim como não se deve superestimar meses de alívio no final do período.

No entanto, mesmo antes do ajuste sazonal, os últimos dados preocupam. Diferentemente dos últimos dois anos, o núcleo do IPC não ajustado de janeiro de 2025 não mostrou um movimento de queda mais próximo ao padrão pré-pandemia.

É provável que existam fatores específicos por trás desse resultado, mas ele também pode sinalizar que a desinflação perdeu fôlego. A meta do Fed de 2% equivale a um IPC entre 2,3% e 2,4%. O núcleo do IPC está atualmente em 3,3%, um desvio ainda relevante. Uma inflação semelhante à do ano passado não será suficiente para atingir a meta. Nesse sentido, 2025 não começou bem — mas, novamente, trata-se de apenas um mês.

Um Risco

O dado mais preocupante do IPC de janeiro é que ele reforça os riscos inflacionários decorrentes de políticas econômicas, como tarifas de importação.

Muitas empresas ainda possuem maior poder de precificação do que no período pré-pandemia, o que lhes permite repassar custos mais altos aos consumidores sem comprometer suas margens de lucro. Nesse contexto, choques de custo gerados por medidas da atual administração, como tarifas sobre bens importados, podem gerar uma pressão inflacionária ainda maior do que políticas semelhantes implementadas em um ambiente de inflação mais baixa.

O impacto pode ser relevante. Menos de um mês após o início do novo governo Trump, uma política tarifária abrangente já está sendo estruturada. Está em vigor uma tarifa adicional de 10% sobre todas as importações chinesas, enquanto uma tarifa de 25% sobre produtos do México e do Canadá foi implementada e suspensa até 1º de março. Além disso, uma tarifa de 25% sobre importações de aço e alumínio entrará em vigor em 12 de março, e um estudo oficial sobre a adoção de tarifas recíprocas — em que os EUA igualam as tarifas impostas a seus produtos — deve ser concluído até 1º de abril.

Trump também ameaçou impor tarifas sobre a União Europeia, veículos automotivos e produtos farmacêuticos. Ainda não há certeza sobre quais tarifas serão aplicadas de fato nem por quanto tempo permanecerão, mas o impacto potencial pode ser expressivo.

Quem "paga" o custo das tarifas?

A resposta depende do poder de precificação das empresas. Diversos estudos sobre as tarifas aplicadas na primeira administração Trump, entre 2018 e 2019, mostraram que os importadores dos EUA absorveram inicialmente o custo integral das tarifas, sem que houvesse uma redução significativa dos preços por parte dos exportadores estrangeiros (Amiti et al., 2019; Fajgelbaum et al., 2020).

O grau em que as empresas americanas repassaram esses custos para os consumidores, ao invés de absorvê-los via margens menores ou outros ajustes, variou. O preço das máquinas de lavar (Flaaen et al., 2020) e dos painéis solares instalados (Houde e Wang, 2024) subiu ainda mais do que o percentual da tarifa imposta. Por outro lado, algumas categorias de bens de consumo (Cavallo et al., 2021) mostraram pouca variação nos preços finais. Empresas com maior poder de precificação conseguem repassar custos de forma mais eficiente.

Diferentemente da guerra comercial inicial de Trump, quando a inflação ainda estava abaixo da meta do Fed por vários anos, o atual cenário é outro. A inflação já se mantém elevada, e as empresas adquiriram experiência na aplicação de reajustes de preços para cobrir custos. Assim, um aumento significativo de tarifas em um ambiente inflacionário ainda persistente pode resultar em repasses ainda mais agressivos para os preços ao consumidor do que na rodada anterior, antes da pandemia.

Há sinais de que o mercado já antecipa esse impacto inflacionário. No início de fevereiro, a mediana da expectativa de inflação para um ano à frente saltou de 3,3% em janeiro para 4,3% — a maior variação mensal em uma década.Expectativas de inflação
A pesquisa da Universidade de Michigan atribuiu esse movimento, em grande parte, à perspectiva de novas tarifas. Os dados mostram que as projeções diárias de inflação para os próximos 12 meses aumentaram logo após dois anúncios importantes de Trump sobre tarifas. Além disso, um terço dos entrevistados mencionou espontaneamente as tarifas durante a pesquisa, um salto expressivo em relação a menos de 2% antes da eleição. Dado o histórico recente de inflação mais alta, os consumidores já internalizam a possibilidade de que essas tarifas impulsionem os preços. Esse fator pode se tornar um mecanismo autorreforçado, tornando mais difícil para o Fed ignorar a inflação gerada por tarifas e tratá-la como um efeito transitório.

Considerações finais

A pressão observada no IPC de janeiro, por si só, não é um fator crítico para a trajetória da inflação em 2025. Elementos pontuais e ajustes desiguais, ainda derivados das distorções causadas pela pandemia, parecem ser os principais responsáveis pelo dado. Além disso, é provável que o PCE, métrica preferida do Fed, mostre um resultado mais moderado. O caminho rumo à meta do Fed permanece intacto, embora de forma gradual.

O ponto de maior preocupação, entretanto, é que o IPC aquecido de janeiro reforça o risco inflacionário decorrente de novos choques de custo, como as tarifas comerciais. A inflação segue acima da meta, e as empresas demonstraram capacidade de repassar custos adicionais ao consumidor nos últimos anos.

Nesse ambiente, a probabilidade de que políticas econômicas como tarifas resultem em aumentos de preços ainda maiores é consideravelmente elevada.

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